A Vice-presidente da Abrasco e Professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Rosana Onocko-Campos, foi a porta-voz da Associação para a reportagem que o jornalista Fernando Arbex publicou nesta quinta-feira 4 de outubro no Yahoo! sobre Saúde Mental na agenda dos presidenciáveis. Encerrada há uma semana, a campanha anual do “Setembro Amarelo” foi lançada em 2015 como prevenção ao suicídio, por meio da promoção de eventos e discussões que conscientizem os brasileiros a se abrir para problemas como ansiedade, síndrome do pânico e depressão. Questionados sobre políticas públicas para a saúde mental, porém, apenas seis dos 13 candidatos à Presidência responderam à reportagem do Yahoo!, enquanto só dois deles – Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (REDE) – citam esse tema no plano de governo. Confira:
A Lei Federal nº 10.216/2001 reformou o modelo de tratamento psiquiátrico no Brasil e deu origem à Política de Saúde Mental. Sua medida mais importante foi a de abolir os hospitais psiquiátricos, conhecidos como manicômios, sanatórios ou hospícios, e determinar que o tratamento a pacientes com transtorno mental fosse substituído por um modelo assistencial de saúde.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rosana Onocko Campos vê progressos na área de tratamento de pacientes com transtornos mentais.
“Esses hospitais psiquiátricos não mereciam ser chamados de hospitais. São lugares sem equipamento, as pessoas ficavam confinadas, apenas. O único caso que o Brasil tinha há um tempo atrás na Corte Interamericana de Direitos Humanos era por morte em uma dessas instituições”, relatou a psiquiatra.
Esses serviços comunitários citados são efetuados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para onde o paciente é encaminhado depois de efetuado o primeiro diagnóstico. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que fica responsável por esse atendimento.
“O Brasil expandiu, e muito, esses serviços comunitários nos últimos anos. O que a gente pode propor a um candidato é a melhor distribuição regional desses serviços comunitários, dos recursos em geral. Apesar da expansão, ainda há escassez de recursos nas regiões norte e nordeste. A gente precisa melhorar os mecanismos de coordenação do cuidado entre a atenção primária à saúde e serviços comunitários, porque muitas vezes é difícil o trânsito entre o centro médico onde é feito o diagnóstico e o CAPS. Também é preciso expandir o acesso a outros programas que visam a recuperação psicossocial, como centros de cultura e centros de geração de renda. Precisamos de estratégias ativas de combate ao estigma do qual o paciente sofre na sociedade e de estratégias de capacitação das equipes, um sistema de formação para psicólogos, médicos e enfermeiros”, sugeriu.
De acordo com Rosana, a análise dos profissionais de saúde mental que cuidam dos pacientes é outro gargalo. “É preciso estímulo para haver financiamento suficiente para realizar tanto a qualificação quanto a avaliação permanente da RAPS. O paradoxo é que os serviços aumentaram muito na última década, mas não foram acompanhados de um correto monitoramento. Temos problemas em alguns desses serviços, porque há profissionais que não foram capacitados, a resposta em muitos casos é centrada apenas no medicamento – o qual deveria ser apenas uma parte do tratamento”, comentou.
A especialista ainda afirma que leitos em hospitais gerais precisam ser abertos para atender pacientes psiquiátricos, uma vez que parte deles sofrem de problemas de saúde de outras naturezas, como diabetes e câncer. “Centros especializados em receber pessoas com transtornos mentais não têm tecnologia para prestar outro tipo de atendimento”, comentou.
Rosana também recomenda que os candidatos tenham atenção ao enfrentamento do problema com o álcool e outras drogas. “Você entender que esse usuário deve ser tratado na esfera da saúde mental implica em tirá-lo do campo somente policial ou judicial e levá-lo à área da saúde, como em Portugal. Penalizar o pequeno porte resulta na escalada do encarceramento, sobretudo de jovens. Há ambiguidade no modelo brasileiro, já que ele declara na norma ativa da saúde que vai lançar mão da estratégia de redução de danos, por meio do tratamento a dependentes, mas, na legislação do porte de drogas, essa pessoa é condenada. Alguns presidenciáveis propõem, por exemplo, financiar comunidades terapêuticas, que nada mais são do que lugares onde as pessoas são internadas, às vezes contra a vontade. A gente discorda desse modelo, por achar que deve haver mais CAPS, melhores e mais intervenções na atenção primária à saúde”, afirmou.
Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Amarante o regime de cumprimento de pena nos HCTPs é inadequado. “Na Itália, por exemplo, esse modelo foi suspenso em 2016. Da mesma forma que existem cumprimento de penas comunitárias para certos crimes, e políticos corruptos estejam em prisões domiciliares, deveríamos ter mais situações desse tipo para sentenciados inimputáveis e semi-imputáveis. A abordagem atual não corrige o comportamento nem é reabilitativo. Nos casos dos transtornos mentais, essas pessoas são vítimas de violência institucional”, afirmou.
Amarante sugere alternativas. “Já existem no Brasil experiências importantes de desinstitucionalização dessas situações. Um caso pioneiro surgiu em Minas Gerais, onde existe o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ). Há experiências desse tipo em Goiás, no Paraná, no Distrito Federal e algumas no Rio de Janeiro. Essas pessoas não precisam do isolamento, da segregação. Se cumprirem penas em regime comunitário, elas podem ser levadas e convencidas e cumprirem um tratamento em um CAPS, um tratamento ambulatorial, cumprirem outras atividades em projetos de trabalho ou culturais, inclusive residindo em moradias assistidas, que são oferecidas pelo SUS a quem não tem família. Muito mais barato do que manter um sentenciado em uma instituição manicomial asilar”, disse.
Confira abaixo as propostas dos presidenciáveis para o tema da saúde mental:
Álvaro Dias (Podemos)
“O crescimento das doenças relativas à mente é um mal reconhecido como extremamente grave e fonte de grande parte da abstenção ao trabalho, bem como incapacitação para o indivíduo, o qual abandona o próprio convívio social. É preciso que este ponto seja enfrentado de forma decisiva pelo governo. O sistema SUS deve ser capacitado para enfrentar estes males da sociedade moderna. O atendimento primário, com sua triagem, deve ser capaz de garantir a diagnose correta, o que é essencial para o tratamento. Assim, a constante qualificação dos médicos e campanhas de informação que engajem a sociedade e a família são fundamentais. Ademais, sobre o aumento dos problemas relacionados à saúde mental dos brasileiros, propomos no Plano de Metas o fortalecimento dos Centros de Valorização da Vida (CVV), unidades de atendimento psicológico e apoio integral por meio do SUS. Em relação aos Hospitais de Custódia e o tratamento empregado a presos considerados inimputáveis, nossa coligação está atenta aos avanços promovidos pela luta antimanicomial e às recomendações dos especialistas do CAPS. As mudanças que ocorrerão no sistema no nosso governo estarão sempre alinhadas às práticas humanizadas e com maior retorno para sociedade.”
Fernando Haddad (PT)
“A saúde mental é uma preocupação do candidato do PT. A proposta do plano de governo está baseada nos princípios da lei 10.216/2001, que redirecionou todo o modelo assistencial para a atenção à saúde mental no Brasil. Isto significa o fortalecimento da rede ambulatorial de atenção, em substituição aos manicômios e às formas de atenção asilares, como já vinha sendo feito nos governos do PT. Também representa fortalecer a rede de CAPS (Centros de Atenção Psicossociais), as residências terapêuticas, os consultórios de rua e as diversas alternativas que foram criadas nas experiências exitosas dos municípios, como o Programa de Braços Abertos, desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo.
Para os governos do PT, o modelo atual dos chamados hospitais de custódia é profundamente desumano e ineficiente. O paciente não é tratado e o modelo funciona como um prolongamento do sistema prisional. Em grande parte, significa a decretação de prisão perpétua para os indivíduos, situação não prevista na nossa legislação. Estender para esses hospitais os princípios da reforma psiquiátrica é o nosso compromisso para reverter esse processo de exclusão e desassistência que hoje sofrem essas pessoas. Também devemos buscar penas alternativas associadas ao tratamento digno desses presos. Está previsto, ainda, investimento em estratégias de economia solidária, buscando a ampliação da autonomia e reinserção social das pessoas atendidas.”
Guilherme Boulos (PSOL)
“Nossa política de saúde mental tem ido na contramão das experiências reconhecidas internacionalmente e das diretrizes da Reforma Psiquiátrica, aprovada em 2001. O processo de substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção psicossocial e comunitária foi paralisado por políticas que apostaram em métodos conservadores e que agravam a condição das pessoas além de violar seus direitos.
Nossa candidatura defende retomar o princípio norteador da reforma psiquiátrica de integrar a pessoa que sofre de transtornos mentais à comunidade. Vamos avançar na redução de leitos psiquiátricos, expandir significativamente a rede de atenção psicossocial e comunitária, com CAPS (centros de atenção psicossocial), centros de convivência e cultura assistidos, cooperativas de trabalho, oficinas de geração de renda e residências terapêuticas. Seguindo a proposta do SUS, vamos descentralizar e territorializar o atendimento em saúde mental, tornando-o acessível à toda população. No caso de usuários de drogas, vamos estabelecer a Redução de Danos como principal diretriz.
Além disso, o apoio matricial em Saúde Mental realizado no interior das UBSs precisa ser fortalecido em todas as regiões do país. Para aumentar a resolutividade das equipes de Saúde da Família, precisamos de profissionais da saúde mental supervisionando, atendendo e realizando grupos de apoio psicoterapêutico na Atenção Básica.
Os hospitais de custódia são uma das maiores expressões do retrocesso da política de saúde mental nos últimos anos. Eles são uma reatualização dos manicômios com diversas denúncias de más condições, maus tratos e uma série de violações de direitos. Não podemos ir contra a própria Reforma Psiquiátrica aprovada como lei em 2001. Essas diretrizes, incluídas também no SUS, precisam ser seguidas em todos os casos.
Além disso, hoje, por conta da política de guerra às drogas, o sistema carcerário está lotado de usuários de drogas, muitos dos quais com problemas psiquiátricos. Vamos acabar com esse modelo proibicionista com legalização da maconha e descriminalização de outras drogas, seguindo experiências internacionais de sucesso como a de Portugal. Uso de drogas é questão do SUS e não do código penal. E essas pessoas serão encaminhadas para a rede de atenção psicossocial e comunitária.”
João Goulart Filho (PPL)
“Nossa proposta visa o fortalecimento da saúde pública de uma maneira geral e e do ensino superior público. Nesta linha precisamos melhoraram as faculdades de Medicina e os cursos de psiquiatria. Vamos aumentar os leitos psiquiátricos nos hospitais públicos e investir muito nas CAPS (Centros de Atenção Psicosocial). Pensamos também em garantir que a psicologia esteja mais presente nas unidades de saúde pública. Precisamos aumentar a cultura do atendimento multiprofissional, muito mais completo e eficaz no apoio ao doente e à sua família. Os hospitais de custódia vivem o mesmo drama do sistema prisional. Devemos investir e recursos humanos adequados e melhores condições de trabalho nestas unidades”
Marina Silva (REDE)
“Para a área de saúde mental, a campanha de Marina Silva propõe fortalecer, ampliar e qualificar a atenção à saúde mental, com o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e criação de leitos de internação de curta duração em hospitais gerais para atender demandas de psiquiatria. O programa da candidata também tem previsão de restabelecer e fortalecer a política antimanicomial. Para isso, vamos combater o estigma e incentivar a prevenção das doenças mentais, com diagnóstico e tratamento para os transtornos, assim como o uso de álcool e outras drogas. Os profissionais da área também são importantes para um bom funcionamento das políticas públicas. Por isso, Marina também tem como proposta fomentar a formação de profissionais de saúde mental, aumentando a interação com as equipes de Saúde da Família”.
Vera Lúcia (PSTU)
“O aumento da incidência dessas doenças mentais não é mera fatalidade. Tem relação direta com a política neoliberal de reestruturação produtiva que intensifica o ritmo de trabalho e precariza cada vez mais as condições e direitos trabalhistas. Além disso, a ideologia de autossuficiência e individualismo impostas pelo capitalismo também contribuem para o adoecimento. Por isso, para além de fortalecer e ampliar a rede de serviços públicos de atendimento a essa população com centros de atenção psicossocial, centros de convivência, promoção e prevenção de saúde mental na atenção básica, entre outros, é necessário diminuir a jornada de trabalho sem redução de salário, garantir emprego e estabilidade, garantir o acesso aos equipamentos de lazer e cultura ao conjunto dos trabalhadores e da juventude.
Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico seguem a mesma lógica do sistema carcerário comum, que é de depósito de pessoas, sem qualquer compromisso com a recuperação, ou no caso, com o tratamento das pessoas que lá estão. É ainda reminiscência da psiquiatria manicomial. Não serve. É preciso construir condições para que essas pessoas recebam o tratamento necessário a sua patologia e passem por avaliações regulares. Para que seja considerada sua real condição de saúde mental. Assim como tenha garantido o acompanhamento jurídico, como direito elementar”.
Procurados pelo Yahoo!, os candidatos Cabo Daciolo (Patriota), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (NOVO) e José Maria Eymael (DC) não comentaram o assunto até a publicação desta reportagem.