A revista Cadernos de Saúde Pública disponibilizou seu volume 33 número 7, de julho de 2017, sobre as políticas públicas voltadas a prevenção e controle da obesidade. Conforme editorial assinado por Inês Rugani Ribeiro de Castro, coordenadora do GT de Alimentação e Nutrição da Abrasco e pesquisadora do Instituto de Nutrição, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a obesidade é hoje reconhecida como uma pandemia e, há algumas décadas, tem sido apontada como prioridade na agenda das políticas públicas em âmbito internacional e nacional.
Acesse aqui a edição de julho da revista Cadernos de Saúde Publica
Entre as principais barreiras para seu controle estão, segundo Inês, o lobby do setor privado comercial, a falta de habilidade e/ou de vontade política dos governos para implementar políticas efetivas, a ausência (ou insuficiência) de pressão da sociedade civil para a ação política e a escassa avaliação empírica de medidas implementadas. “As ações que vêm sendo apontadas como efetivas para prevenção da obesidade são intersetoriais e abarcam o fortalecimento de sistemas alimentares que promovam, ao mesmo tempo, prosperidade, equidade, sustentabilidade ambiental e saúde; a regulação de publicidade de produtos ultraprocessados e daquela dirigida ao público infantil; a melhoria da rotulagem de alimentos; a implementação de medidas fiscais que desencorajem a aquisição de produtos ultraprocessados e que encorajem a de alimentos in natura ou minimamente processados; a promoção de ambientes alimentares saudáveis; a promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável; e o desenvolvimento de ações de educação alimentar e nutricional.” Nos últimos anos, o Brasil tem expressado formalmente sua vontade política de enfrentamento desse agravo, disse ela, seja por meio da assinatura de acordos internacionais, seja por meio da definição de metas em planos nacionais, como aquelas estabelecidas no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan) 2016-2019. Entre elas, estão: deter o crescimento da obesidade na população adulta; reduzir em pelo menos 30% o consumo regular de refrigerante e suco artificial (de 20,8% para 14% ou menos da população); e ampliar em no mínimo 17,8% (de 36,5% para 43%) o porcentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente.
Leia aqui a íntegra do Editorial ‘Obesidade: urge fazer avançar políticas públicas para sua prevenção e controle’, de Inês Rugani:
A obesidade é hoje reconhecida como uma pandemia e, já há algumas décadas, tem sido apontada como prioridade na agenda das políticas públicas em âmbito internacional e nacional. Entretanto, ainda que progressos pontuais possam ser observados em determinadas realidades, nenhum país logrou controlar essa epidemia 1. Entre as principais barreiras para o seu controle estão: o lobby do setor privado comercial, a falta de habilidade e/ou de vontade política dos governos para implementar políticas efetivas, a ausência (ou insuficiência) de pressão da sociedade civil para a ação política e a escassa avaliação empírica de medidas implementadas.
As ações que vêm sendo apontadas como efetivas para a prevenção da obesidade são intersetoriais e abarcam o fortalecimento de sistemas alimentares que promovam ao mesmo tempo prosperidade, equidade, sustentabilidade ambiental e saúde; a regulação de publicidade de produtos ultraprocessados e daquela dirigida ao público infantil; a melhoria da rotulagem de alimentos; a implementação de medidas fiscais que desencorajem a aquisição de produtos ultraprocessados e que encorajem a de alimentos in natura ou minimamente processados; a promoção de ambientes alimentares saudáveis; a promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável; e o desenvolvimento de ações de Educação Alimentar e Nutricional. A América Latina tem vivenciado experiências inovadoras, como a da taxação de refrigerantes no México, da nova rotulagem de alimentos no Chile e da publicação, no Brasil e no Uruguai, de guias alimentares baseados em refeições e que adotam classificação de alimentos baseada em seu grau de processamento.
O registro e a análise de iniciativas de controle da obesidade são fundamentais para a consolidação de medidas efetivas em diferentes realidades. Nesse contexto, é oportuna a publicação, neste fascículo dos Cadernos de Saúde Pública, do artigo Obesidade e Políticas Públicas: Concepções e Estratégias Adotadas pelo Governo Brasileiro. Sua leitura e das referências nele citadas permitem observar que, nas últimas duas décadas, o país avançou não somente no delineamento de medidas de caráter setorial e intersetorial para a prevenção e o controle da obesidade, como também investiu em instâncias de governança intersetorial, como a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Além disso, nos últimos anos, o Brasil tem expressado formalmente sua vontade política de enfrentamento desse agravo, seja por meio da assinatura de acordos internacionais seja por meio da definição de metas em planos nacionais, como aquelas estabelecidas no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) 2016-2019. Entre elas estão: deter o crescimento da obesidade na população adulta; reduzir em pelo menos 30% o consumo regular de refrigerante e suco artificial (de 20,8% para 14% ou menos da população); e ampliar em no mínimo 17,8% (de 36,5% para 43%) o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente.
Contudo, os compromissos assumidos internacionalmente, as estratégias delineadas em diferentes políticas e as metas estabelecidas em pactos intersetoriais pelo governo brasileiro não têm, em sua grande maioria, sido traduzidos em medidas concretas, estruturantes e de larga escala. O resultado disso é que a obesidade segue aumentando no país. A Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2013 apontou que 57% da população adulta brasileira apresentavam excesso de peso, enquanto esse percentual era de 50% em 2008-2009, segundo resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada à época.
Dado que muitas das ações estratégicas para prevenção da obesidade envolvem medidas regulatórias que cerceiam as práticas mercadológicas de grandes corporações, tal quadro que combina o aumento da obesidade com a falta de implementação de políticas públicas voltadas para o seu controle tende a se agravar no atual cenário político-econômico brasileiro, marcado pela retomada agressiva da agenda neoliberal, pela proteção ao grande capital e pelo retrocesso na garantia de direitos humanos e sociais conquistados. Exemplo disso é o desmonte das ações do Estado na promoção de sistemas sustentáveis de produção e consumo de alimentos nutricionalmente adequados 2.
Diante do exposto, pouco se avançará sem uma atuação mais incisiva e articulada da sociedade civil com intuito de cobrar que os compromissos assumidos e as metas estabelecidas nos últimos anos para o controle da obesidade em nosso país sejam traduzidos em ações estratégicas, de larga escala. Paralelamente, também é necessário investir em experiências estaduais e municipais que possam servir de exemplo e inspiração para outras realidades.
As instituições acadêmicas têm um papel fundamental nesse contexto, pois podem tanto apoiar a incidência política da sociedade civil quanto subsidiar políticas públicas de fato efetivas por meio da produção e a difusão de evidências sobre o tema. No âmbito da produção de conhecimento, são muitas as lacunas e os desafios. A título de ilustração, destaco aqui três deles: elucidar mecanismos de determinantes da obesidade outros que não o consumo excessivo de calorias e o sedentarismo, como é o caso dos agrotóxicos e dos antibióticos presentes nos alimentos; aprofundar as investigações sobre os efeitos do consumo de produtos ultraprocessados por crianças pequenas, de forma a complementar evidências científicas já disponíveis para a população em geral que fundamentam (propostas de) medidas regulatórias; e produzir análises de processos políticos que envolvem as práticas políticas corporativas das grandes transnacionais e os conflitos de interesse presentes no processo de implantação de políticas públicas. As lacunas e os desafios a serem priorizados devem ser definidos por meio do diálogo entre as instituições acadêmicas e as organizações de interesse público que têm o controle da obesidade na sua agenda de atuação.
Por fim, cabe dizer que, ainda que haja lacunas e desafios no âmbito da produção do conhecimento, as evidências já produzidas são suficientemente robustas e contundentes e apontam caminhos claros para ações estruturantes voltadas ao controle da obesidade. Não há o que esperar para fazer avançar as políticas públicas nessa área.
Referências
1. Roberto CA, Swinburn B, Hawkes C, Huang TT-K, Costa SA, Ashe M, et al. Patchy progress on obesity prevention: emerging examples, entrenched barriers, and new thinking. Lancet 2015; 385:2400-9.
2. Santarelli M, Burity V, Silva LNB, Prates L, Rizzolo A, Rocha NC, et al. Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no Brasil. Brasília: Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar; 2017.