O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, Vilson Antonio Romero, fala sobre a tentativa mal-sucedida de alguns parlamentares de amordaçar a Associação e reitera que o governo pratica uma “contabilidade criativa” para convencer as pessoas de que a Previdência seria deficitária, além de apostar no antimarketing, investindo em publicidade em horário nobre para justificar a reforma e garantir benefícios aos setores financeiros. “A cobiça do mercado, de fato, está em cima dessa nossa grande estrutura de proteção social, que movimenta meio trilhão de reais ao ano”, disse Vilson.
Leia aqui a íntegra da entrevista concedida ao jornalista Gilson Camargo:
o tornar públicas informações que contestam a versão oficial disseminada pelo governo de que existiria um rombo na Previdência e de que o sistema seria deficitário, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) – uma das entidades mais atuantes na denúncia sobre os efeitos negativos da PEC 287 – virou alvo da tropa de choque do governo empenhada na aprovação da proposta de reforma previdenciária. Um dia depois do lançamento, pela Anfip e pelo Dieese, das cartilhas Previdência: reformar para excluir? e PEC 287: A minimização da Previdência Pública, no final de fevereiro, os deputados Carlos Marun (PMDB-MS), presidente da Comissão Especial, e Júlio Lopes (PP-RJ) sugeriram ao presidente Temer que a Advocacia-Geral da União ingressasse com uma ação na Justiça para impedir que a entidade continue divulgando o que eles classificaram como “contrainformação”. Para o presidente da Anfip, Vilson Romero, foi uma tentativa mal-sucedida de amordaçar a entidade. Nesta entrevista ao Extra Classe, Romero reitera que o governo pratica uma “contabilidade criativa” para convencer as pessoas de que a Previdência seria deficitária e diz que o governo aposta no antimarketing, investindo em publicidade em horário nobre para justificar a reforma e garantir benefícios aos setores financeiros. “A cobiça do mercado, de fato, está em cima dessa nossa grande estrutura de proteção social, que movimenta meio trilhão de reais ao ano”. Leia também a reportagem Jogo de interesses por trás da Reforma da Previdência.
– A proposta de reforma da Previdência estabelece idade mínima de 65 anos para aposentadoria e amplia o tempo mínimo de contribuição para 25 anos para a concessão do benefício. O que isso representa para a massa de trabalhadores em vias de se aposentar e para os aposentados que têm seu benefício vinculado ao salário mínimo?
Vilson Romero – Significa definitivamente uma ruptura nas atuais regras, condenando uma parcela expressiva de trabalhadores a não conseguirem se aposentar.
– A proposta de extinção do fator previdenciário dificulta a aposentadoria integral?
Romero – Já não há aposentadoria integral. Tanto com o fator como na regra da reforma, o valor é apurado pela média dos salários desde 07/94.
– A reforma representa o fim da aposentadoria?
Romero – Não representa o fim, mas sim a extrema dificuldade em atingir o mínimo para a jubilação num país tão desigual e mercado de trabalho tão instável.
– Por que o déficit da Previdência é um mito?
Romero – Porque o governo faz uma contabilidade criativa considerando somente as contribuições sobre a folha quando, segundo a Constituição, tem que somar outras fontes de financiamento.
– Como é feita essa “contabilidade criativa”?
Romero – Os gastos com a Previdência fazem parte do orçamento da chamada seguridade social, composta ainda pela saúde e pela assistência social. Já as receitas que atendem às despesas da Seguridade Social vão muito além das contribuições de trabalhadores e empregadores. Fazem parte também a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep, além de parte da arrecadação com loterias federais.
– O próprio governo reconhece que a Previdência é superavitária.
Romero – Segundo dados extraídos das contas do próprio governo federal, em 2015, por exemplo, foram arrecadados R$ 700 bilhões, e foram gastos R$ 688 bilhões com a Seguridade Social, registrando, portanto, superávit de R$ 12 bilhões. Para 2016, ainda não há números consolidados, mas levantamentos prévios da Anfip também apontam superávit.
– A quem interessa a reforma?
Romero – Interessa muito especialmente ao mercado financeiro que abocanha, a cada mudança, uma fatia do expressivo volume de recursos que a Previdência movimenta. Um dos grandes interessados nessas mudanças da Previdência, com dificuldade de obter benefícios e achatamento do teto, são efetivamente os grandes conglomerados financeiros que, só no ano passado, tiveram crescimento no sistema de previdência complementar de mais de 20%. A cobiça do mercado, de fato, está em cima dessa nossa grande estrutura de proteção social, que movimenta meio trilhão de reais ao ano.
– Recentemente, deputados da base do governo reivindicaram ao presidente Temer uma ação judicial na tentativa de impedir a Anfip de divulgar dados que contestam a versão oficial do chamado “rombo da Previdência”. Como a entidade vê essa iniciativa?
Romero – Vemos com muita apreensão a possibilidade de ser aplicada esta mordaça à entidade em um Estado Democrático de Direito.
– Quem será mais prejudicado caso a reforma venha a ser aprovada?
Romero – Serão os mais pobres, os deficientes e idosos carentes, a mulher camponesa e a professora do ensino fundamental e básico.
– De acordo com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) as contribuições previdenciárias não pagas ou questionadas na Justiça por grandes empresas somam R$ 426 bilhões. Por que a reforma ignora esse montante de dívidas ao INSS?
Romero – A Anfip apresenta proposta para criar instrumentos mais ágeis de cobrança desta monstruosa dívida que é dinheiro sagrado das aposentadorias e pensões.
– Qual a diferença fundamental, para a maioria dos trabalhadores, entre os sistemas público e privado e por que a aposentadoria complementar é excludente?
Romero – A previdência complementar aberta, através do Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) e Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL), visa lucro, enquanto que a previdência pública se mantém como o maior programa de redistribuição de renda do mundo ocidental, beneficiando mais de 100 milhões de brasileiros e levando recursos muito expressivos a mais de 80% dos municípios cuja economia depende do INSS também.