A Rede APS apresentou e debateu na última semana de setembro, uma agenda política e estratégica para a APS resultado de um amplo esforço coletivo, a agenda estratégica é parte da luta em defesa dos princípios do SUS e da consolidação de uma política universal, inclusiva e civilizatória em nosso país. Conheça a opinião de Ligia Giovanella, coordenadora da Rede APS e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública / Fiocruz.
Abrasco – O que você destacaria das proposições desta agenda?
Ligia – Em um contexto de ameaças aos princípios e diretrizes do SUS e da Estratégia Saúde da Família – ESF, o coletivo de pesquisadores da Rede de Pesquisa em APS da Abrasco realizou análise crítica dos avanços, desafios e ameaças e formulou uma Agenda Política Estratégica para a APS no SUS em seminário preparatório discutida durante o Abrascão 2018. Esta agenda destaca uma série de avanços da APS no SUS com os impactos positivos da expansão da cobertura da ESF na saúde da população e no acesso a servicos de saúde como a redução da mortalidade infantil e de menores de cinco anos, redução de hospitalizações evitáveis por ação de serviços de atenção primária, e ampliação do acesso e maior frquencia de disponibilidade de uma fonte usual de cuidado.
Abrasco – Quais as atuais ameaças para a Atenção Primária?
Ligia – A agenda denuncia as atuais ameaças à APS e ao SUS em especial com a EC 95 que tem como objetivo a maior a redução da responsabilidade governamental na garantia de direitos sociais com efeitos drásticos de cortes de investimentos públicos em saúde e efeitos já visíveis com impactos negativos no acesso e na saúde da população. Formulamos um conjunto de proposições direcionadas: à universalização do acesso à APS resolutiva e de qualidade, ao financiamento suficiente e equitativo, a uma gestão pública democrática, participativa e transparente à formação de profissionais de saúde para a APS integral, à mediação de ações intersetoriais para incidir na determinação social, promover a saúde e reduzir as desigualdades sociais.
Abrasco – Qual o momento atual da atenção primária no cenário internacional?
Ligia – Agora em outubro se comemoram os 40 anos da Declaração de Alma Ata sobre Atenção Primária à Saúde e a OMS e Unicef organizam um Global Conference on Primary Health Care em Astana, no Cazaquistão. Uma das consignas desta Conferência é a cobertura universal de saúde e já circularam duas versões preliminares de uma Declaração de Astana, Alma Ata 2, com conteúdo que nos preocupa muito pois equipara APS à cobertura universal em saúde (universal health coverage – UHC). O significado de cobertura da UHC enfatiza a cobertura financeira, que cada indivíduo seja coberto por algum seguro seja privado ou público, o que não garante o direito universal à saúde e o acesso equitativo a serviços de saúde conforme necessidade. Na concepção de UHC o direito à saúde restringe-se ao asseguramento de uma cesta de serviços limitada, reeditando a APS seletiva. Esta equivalência entre APS e UHC indica um retrocesso em relação á Carta de Alma Ata que propugnou a APS como estratégia para orientar sistemas públicos universais de saúde nos quais o acesso aos serviços de saúde é direito de cidadania. É necessário pressionar para que a declaração de Astana mantenha o espírito de Alma Ata de justiça social e direito universal à saúde. Tenha como prioridade mobilizar governos e sociedades para a construção de sistemas universais de saúde públicos e gratuitos, desenhados com base em modelos de APS que contribuam para a redução das desigualdades sociais e a promoção da saúde.
Abrasco – Vivemos um momento grave de retrocessos para o SUS e a saúde da população. Qual o papel dos trabalhadores e pesquisadores da APS e do SUS nesse momento?
Ligia – Nós pesquisadores da APS e trabalhadores do SUS, neste contexto difícil, temos como dever documentar e denunciar os retrocessos, tornando transparentes suas causas, resistir na defesa do SUS público universal de qualidade em cada atividade que desenvolvemos, e ter uma visão de médio e longo prazo para apresentar proposições para avançar a partir da análise crítica fundamentada dos problemas e desafios que sempre enfrentamos e agora se intensificam. As proposições desta Agenda podem orientar nossa ação cotidiana e estimular debates com candidatos agora durante as eleições. Certamente a principal palavra de ordem no momento é a revogação da EC 95, cuja manutenção significará o desmantelamento definitivo do SUS.
A Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde tem o objetivo de proporcionar a comunicação e articulação entre pesquisadores, profissionais, usuários e gestores da APS. Busca também promover a melhoria da utilização dos resultados em pesquisa para qualificar a gestão e potencializar o conhecimento. No portal, encontra-se o cadastro de pesquisadores e das pesquisas em APS em curso no Brasil e, por meio dele, são divulgados os trabalhos e os debate realizados entre os integrantes da comunidade, além de entrevistas, notícias, eventos, entre outros.