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Proposta infeliz – editorial do Estadão sobre os ‘planos populares’ do ministro

Vilma Reis

Na primeira semana de julho, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que vai defender a criação de um plano de saúde “mais popular”, com acesso a menos serviços que a cobertura mínima obrigatória determinada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas também com menor custo ao consumidor. Segundo Barros, a medida pode “contribuir com o financiamento do SUS”. Segundo Barros, a proposta implicaria na criação e oferta no mercado do que definiu como um “plano de saúde popular”, medida que poderia aliviar os gastos do governo com o SUS. “Quando uma pessoa tem um plano, ela participa dos custos. E, como tem menor cobertura, parte dos atendimentos continuarão sendo feitos pelo SUS para os casos que não estão na cobertura definida pela ANS.” Questionado se a medida não poderia levar a uma redução na importância do SUS, Barros minimizou as críticas e disse não ver motivo para polêmica. “A adesão aos planos é voluntária. Ninguém é obrigado a ir para os planos de saúde”, disse. Mas o ideal não seria investir mais no SUS para melhorar os serviços? perguntou um jornalista – “O orçamento é finito, não há recursos ilimitados” respondeu. “Sou ministro da Saúde, não sou só o ministro do SUS.”

Sobre este assunto o jornal O estado de São Paulo publicou no domingo, 10 de julho, o editorial ‘Proposta infeliz’, confira:

Proposta infeliz A proposta do ministro da Saúde, Ricardo Barros, para a criação de planos de saúde mais baratos, feita durante audiência pública no Senado na última quarta-feira, reforça a dúvida – levantada desde o anúncio de sua escolha – sobre a sua real capacidade para bem gerir um dos setores mais importantes da administração federal. Embora Barros tenha se limitado a adiantar tão somente as linhas gerais da proposta, especialistas na questão reagiram prontamente e em termos duros.

Aqueles planos, com cobertura obrigatória menor – e por isso mesmo mais em conta –, atrairiam um grande número de pessoas, o que diminuiria a procura pelos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Por um lado, isso aliviaria as dificuldades financeiras do SUS e, por outro, como diz Barros, “renderia mais conforto para a população que quer um plano de saúde e não pode arcar com os custos”. O plano capaz de operar essa mágica ainda vai ser elaborado por técnicos do Ministério da Saúde. Sua implementação, porém, dependerá do que pensa a respeito a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), à qual cabe a regulamentação dos planos de saúde.

Segundo o ministro, não existe ainda uma estimativa do número de pessoas que poderiam aderir aos planos atraídas pelo seu menor custo. Ele não soube explicar também se a proposta abrange os planos empresariais e individuais ou apenas um desses segmentos. Em resumo, Barros e seus assessores têm uma ideia muito vaga do que desejam, o que é incompatível com a importância do que está em jogo. É preciso bem mais que isso – como os estudos preliminares que existem exatamente para esse fim – para que tal proposta possa ser considerada seriamente.

Nada disso impediu o ministro de pontificar sobre um assunto que, está se vendo, domina mal. Depois de argumentar que os planos mais baratos ajudariam a reduzir a pressão sobre o sistema público de saúde, Barros afirmou: “Eu trabalho com a realidade que temos no Brasil. O orçamento é finito. Não há recursos ilimitados”. Ninguém, é claro, nega essas obviedades. Como também a outra que enunciou: não é o momento de lutar por mais recursos públicos para a saúde, tendo em vista a crise, mas tentar tirar o máximo do que se tem.

Há muito mesmo a se fazer para aplicar melhor os recursos do SUS, como é público e notório, e há muito tempo. Mas isso, a rigor, nada tem a ver com a proposta do ministro, que, em vez de resolver os atuais, pode criar outros e sérios problemas na área da saúde, como se depreende das críticas feitas a ela por especialistas.

A advogada Renata Vilhena, especializada em saúde suplementar, por exemplo, afirma que, com atendimento limitado por planos baratos, os que a eles aderirem vão ter, evidentemente, de continuar recorrendo ao SUS, sendo por isso uma ilusão imaginar que tais planos ajudarão a desafogar a rede pública.

Por sua vez, Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chama a atenção para outro aspecto da maior importância: se a rede privada de médicos, laboratórios e hospitais já não dá conta de atender a contento à demanda atual dos planos, como é sabido, é fácil imaginar o que acontecerá com o significativo aumento dos clientes pretendido pelo ministro. “Houve um aumento de usuários sem que a rede credenciada tivesse uma expansão proporcional. O resultado foi visto: longas filas de espera para marcar consultas, exames, cirurgias”, lembra ela.

É verdade: as empresas de saúde privada não investiram na expansão da rede, ao mesmo tempo que aumentavam o número de seus clientes, vendendo o que não podiam entregar, com a complacência dos governos do PT, que com isso se sentiram desobrigados de investir no SUS. Daí o enorme desequilíbrio entre demanda e oferta nesse setor.

O ministro Barros não sabe disso? Nem seus assessores? Ou alguém abre seus olhos a tempo ou essa desastrada proposta tem tudo para agravar ainda mais esse quadro.

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