“Os dois postulantes ao Planalto devem investir em propostas mais consistentes na área para conquistar mais votos, já que essa é a principal preocupação dos brasileiros. Políticas para a segurança pública também estão na pauta” diz o início da reportagem do Correio Braziliense publicada ontem, 8 de outubro, que ouviu Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco. Ela destaca que a saúde ultrapassou a situação da violência entre as demandas da população. “Já temos subfinanciamento e o governo congelou o teto de investimentos por 20 anos”, lamenta. Segundo ela, o Brasil investe 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. “A Inglaterra, que tem um sistema universal e público como o nosso, investe 9%”, compara. Gulnar afirma que acabar com o teto é fundamental para melhorar a eficiência do SUS, implantar uma política de recursos humanos, desde a assistência básica até a urgência, e fazer funcionar a coordenação da rede. “Algumas redes são boas, mas a maioria é muito desorganizada”, revela. A presidente da Abrasco diz ainda que é prioritário garantir uma participação mais efetiva da população organizada nos conselho de saúde. “Não pode ter fila de espera”, sentencia. Confira a íntegra da matéria:
Maior preocupação dos brasileiros, a saúde é um dos maiores desafios do próximo presidente. O Sistema Único de Saúde (SUS), universal e gratuito, é responsável pelo atendimento de 75% da população. Contudo, da forma como está estruturado hoje, pode entrar em colapso, principalmente por conta da transição demográfica que vive o país, com mais pessoas envelhecendo e, portanto, com maior demanda por cuidados.
Para os especialistas, é preciso repensar o sistema e focar o fortalecimento da atenção primária, capaz de atingir até 85% de resolutividade se bem aplicada, com economia de custos de internação. Mas também é consenso entre os analistas que é necessário mais investimento em ciência e tecnologia, na capacitação de profissionais, na manutenção dos equipamentos e na melhoria da eficiência e de gestão, para que o SUS, de fato, seja uma rede coordenada de saúde.
O professor do Insper Paulo Furquim alerta para a urgência em resolver os gargalos da saúde. “O sistema está à beira de um colapso, a situação é muito precária no sistema público. Somente 25% é de saúde complementar, que também está com problemas porque os custos subiram muito e recursos foram contingenciados”, afirma. O setor está mais pressionado do que a educação, compara Furquim. “Cada vez as pessoas têm menos filhos para colocar nas escolas, mas todo mundo está ficando mais velho, sofrendo de doenças crônicas que exigem assistência médica”, diz.
Apesar de prioritário, o tema é pouco abordado entre os candidatos à Presidência, lamenta Furquim. “O que circula nas propostas aborda apenas o financiamento da saúde, mas é preciso revisitar questões como a redução de desperdício e a melhoria da eficiência. Precisamos resgatar o clínico geral. A saúde da família é importante para orientar qual o caminho. Só assim não serão realizados exames caros e inúteis. O sistema também precisa de um cadastro unificado para todas as ocorrências”, sugere.
O especialista destaca ainda a necessidade de prevenção. Mudar a ênfase do sistema, que é de assistência à doença, para um foco na saúde. “Isso passa por alimentação, educação, combate ao sedentarismo. Vivemos uma epidemia de doenças crônicas por falta de educação. É uma agenda do fim do século 19 e não cumprimos até hoje”, ressalta.
A presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destaca que a saúde ultrapassou a situação da violência entre as demandas da população. “Já temos subfinanciamento e o governo congelou o teto de investimentos por 20 anos”, lamenta. Segundo ela, o Brasil investe 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. “A Inglaterra, que tem um sistema universal e público como o nosso, investe 9%”, compara.
Teto de gastos
Gulnar afirma que acabar com o teto é fundamental para melhorar a eficiência do SUS, implantar uma política de recursos humanos, desde a assistência básica até a urgência, e fazer funcionar a coordenação da rede. “Algumas redes são boas, mas a maioria é muito desorganizada”, revela. A presidente da Abrasco diz ainda que é prioritário garantir uma participação mais efetiva da população organizada nos conselho de saúde. “Não pode ter fila de espera”, sentencia.
Mas tem. A estudante Hellen Resende, 23 anos, aguarda na fila do SUS há dois anos para realizar uma cirurgia de retirada de pedra na vesícula. Nunca recebeu sequer um retorno. “A médica disse que eu precisava fazer a cirurgia com rapidez. Passo mal subitamente, tenho dores abdominais insuportáveis, fico sem ar. Eles me esqueceram. O jeito é viver no hospital para me remediar”, conta. Hellen não vê indicativo de melhora no cenário da saúde a partir de 2019 e tenta, com o próprio esforço, conseguir a cirurgia. “Sou muito prejudicada com as dores e vou ficando sem perspectiva. Esses problemas vêm de anos e anos. Espero trabalhar e pagar minha cirurgia, porque depender do SUS não dá”, afirma.
Sem votos
Para não chegar a esse ponto, a saída, conforme a professora de Saúde Coletiva Universidade de Brasília (UnB) Carla Pintas Marques, é investir na atenção básica. “O problema é que isso não rende votos, apesar de evidências internacionais apontarem a eficácia do serviço. Construir hospitais chama mais a atenção da população”, diz. Conforme ela, com a simples expansão da atenção básica, que requer uma equipe mínima, sem lançar mão de equipamentos muito robustos, é possível garantir resolutividade. “Quando essa área é organizada, onera menos o sistema hospitalar”, pontua.
O maior desafio, na opinião do ex-presidente do Conselho de Saúde do Distrito Federal, Helvécio Ferreira da Silva, é elevar o investimento em ciência e tecnologia e qualificação de profissionais. “O SUS se tornou refém do privado, porque os governantes foram negligentes no aspecto de ciência e tecnologia”, critica. Para Silva, a administração do sistema precisa considerar quatro pilares: comprar, contratar, manter e controlar. “Não temos recursos, nem infraestrutura. Além do financiamento, a execução do próprio orçamento é um desafio, porque há desvios”, denuncia.
Com a crise econômica, alerta o especialista, muitas pessoas perderam seus empregos e planos de saúde, sobrecarregando o SUS. “Essa sobrecarga aumenta o caos. O profissional hoje tem que escolher quem vai atender, para não dizer ‘quem vive ou morre’”, lamenta. Silva alerta que a falta de manutenção adequada nos equipamentos aumenta o caos do SUS. “O resultado são hospitais lotados e sem capacidade resolutiva dos pacientes internados. Uma cirurgia que poderia ser feita em cinco dias vai para 45, 90, ou nem é realizada porque não existe capacitação e especialização da mão de obra na parte tecnológica.”
A diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Ana Costa, ressalta a referência de o Brasil ter definido na sua Constituição, que a saúde é um direito e um dever do Estado. “O grande desafio é fortalecer a presença do Estado no setor. O SUS nunca teve financiamento adequado desde seu início”, pontua. Quando surgiu, 30% da seguridade social seria destinado ao sistema, mas isso foi cortado logo de cara. Depois, a CPMF foi criada para financiar o setor e acabou tendo seu fim desviado. “O poder público investe pouco. O Congresso aprovou o teto dos gastos que congela por 20 anos os investimentos, que são insuficientes para uma população que está envelhecendo e demanda mais o sistema”, aponta.
O Ministério da Saúde informa que o SUS atende mais de 150 milhões de pessoas de forma gratuita, desde um simples atendimento ambulatorial a serviços de média e alta complexidade, e mostra que houve expansão orçamentária (veja quadro). “O Ministério da Saúde, há mais de 30 anos, reafirma seu compromisso e maior desafio, que é cuidar bem da saúde de todos os cidadãos do país e ainda promover ações básicas de estrutura”, afirma, em nota.