O agrotóxico que cai do avião agrícola pulveriza as lavouras de arroz e protege as plantações e o futuro dos grãos, mas também provoca um dano ambiental gravíssimo em uma Área de Preservação Permanente. A cena se repete com frequência na Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, entre Glorinha e Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, como mostra a reportagem do Jornal do Almoço, da RBS TV (veja o vídeo).
No local, animais e águas deveriam ser permanentemente protegidos. Também é ali que fica o principal rio da região: o Gravataí, que nasce no banhado, em Santo Antônio da Patrulha, e termina junto ao Delta do Jacuí, entre Canoas e Porto Alegre. No percurso, de quase 100 quilômetros, o rio praticamente desaparece no meio das lavouras.
“Nessas áreas, se for pega uma aplicação aérea, é aplicada uma multa para o rizicultor. Essa prática não é permitida. Em áreas de nascentes ou Áreas de Preservação Permanente não é permitido que se utilize as aeronaves na aplicação de defensivos, se ocorrer um vento pode levar muito desses defensivos para dentro d’água”, diz o pesquisador do Instituto Riograndense do Arroz, Hélio Marcolin.
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Rios da Região Metropolitana de Porto Alegre estão entre os mais poluídos do país
O Rio Grande do Sul aparece três vezes na lista que mostra os dez rios mais poluídos do Brasil. Rio dos Sinos, Gravataí e Rio Caí estão em quarto, quinto e oitavo lugares no levantamento feito pelo IBGE. Por três meses, a reportagem da RBS TV esteve nos três rios para tentar descobrir por que eles estão tão poluídos. Mais de 2,8 mil quilômetros foram percorridos pelos municípios que fazem parte das três bacias. A equipe voou mais de 50 milhas para mostrar do alto os impactos do que acontece todos os dias.
Imagens feitas pela equipe da RBS TV mostram o agrotóxico sendo despejado pelo avião e atingindo o que restou da mata que protege o rio. O dano ambiental é visível: árvores secas, sem folhas e ninhos abandonados pelas aves. Nem voando os pássaros escapam do banho de veneno.
Os flagrantes foram feitos em janeiro deste ano, em uma propriedade que três meses antes foi notificada pelos danos à mata e pelo despejo irregular de agrotóxico na água. Um inquérito policial investiga o caso. Os produtores assinaram um termo com o Ministério Público se comprometendo a não causar mais poluição.
A notificação só aconteceu graças à análise feita pela Fundação do Meio Ambiente de Gravataí que revelou: as aplicações feitas na lavoura afetaram a qualidade das águas na região. “O veneno automaticamente é dissolvido na massa da água e aí, em função dos princípios ativos, ele vai agir de formas diferente em organismos diferentes. Alguns venenos por suas características exterminam a biodiversidade. Animais e organismos que entram em contato com esse veneno não têm resistência para isso. Alguns assimilam esse veneno e acabam sendo comidos por outros e acumulam quantidade de veneno maior nos seus corpos”, explica o biólogo Jackson Müller.
Os estragos também são percebidos por quem conhece o rio há muito tempo. “Ninguém mais sobrevive da pesca, porque não tem condições. É muita poluição, e os granjeiros colocando produto químico na água, não é bom. Só de colocar o peixe na frigideira, no azeite, se sente o gosto diferente”, diz o morador de Gravataí, Luís Fernando da Silva Rosa.
Além dos problemas com o uso de agrotóxicos, a retirada da água para as plantações também prejudica o Gravataí. Ao longo do rio, há canais e canos que puxam a água. Essa é uma preocupação constante do Comitê de Bacia do Gravataí, grupo formado por pessoas da comunidade e por especialistas, para proteger o rio.
“Dentro das ações que nós definimos no plano, está o uso racional da agricultura. Não podemos utilizar a agua como se usava há 20, 30 anos atrás. Isso é algo que nos precisamos compreender. Nós precisamos guardar”, diz o engenheiro civil Paulo Robinson da Silva Samuel, presidente do comitê.
Para o pesquisador Hélio Marcolin, do Instituto Riograndense do Arroz, alguns produtores cometem irregularidades pela falta de fiscalização, brechas na lei e pelo baixo valor das multas. “Há um grande problema de conscientização nosso, do pessoal que faz isso aí, sabe que é proibido e a lei é pouco branda de mais e o pessoal acaba fazendo, porque o que eles ganham podem pagar multa e eles continuam fazendo”, diz Marcolin.
O diretor do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Fernando Meireles, responsável por liberar e controlar a retirada da água, admite que falta pessoal e tecnologia para fiscalizar. “Tecnicamente se o DRH dá essa outorga, ele deveria fazer a fiscalização. Não tem temos uma estrutura de pessoal para isso. Atendemos denúncias. Hoje em todo o DRH trabalham 40 pessoas, sendo 34 técnicos e 6 administrativos. Só saem em caso de denúncia”, explica o diretor.
Em nota a Federação das Associações de Arrozeiros do estado diz que possui o compromisso com a legalidade, sustentabilidade, boas práticas agrícolas e respeito ao meio ambiente. Mas que têm consciência que há casos que não cumprem com os conceitos de sustentabilidade defendidos pela entidade.