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Reforma Tributária é questão de saúde pública

Cesta Básica Nacional com Alíquota Zero deve ter comida de verdade | Foto: Mídia NINJA


Não é possível desvincular a qualidade de vida de uma população de um cenário de justiça social e equidade. A Reforma Tributária, em trâmite no Congresso Nacional, mobiliza a sociedade civil organizada porque é uma oportunidade de mudanças efetivas em defesa da vida. Para entender as contradições e as possibilidades, com o avanço da proposta, escutamos pesquisadores da Abrasco e ACT Promoção da Saúde.

Reforma Tributária

Em 22 de junho de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 45/2019, que, se aprovada também pelo Senado Federal, implementará uma Reforma Tributária no país. São mudanças estruturais: a ideia é substituir os impostos atuais que incidem sobre mercadorias e serviços (ICMS, ISS, Cofins, PIS, IPI) pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), arrecadada pela União, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sob responsabilidade de estados e municípios. Além disso, pretende-se criar o Imposto Seletivo (IS), que taxará produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como álcool e tabaco. 

Enquanto o Brasil enfrenta um grave quadro de insegurança alimentar, a Reforma propõe um avanço importante para garantir o direito à alimentação saudável e adequada. A Cesta Básica Nacional com Alíquota Zero impactará diretamente o preço dos alimentos no mercado,  deixando-os mais baratos, assim como a alíquota reduzida de 60% para outros produtos alimentícios. 

De modo súbito, entretanto, o texto ganhou um dispositivo que contempla “produtos agropecuários” e “alimentos para consumo humano” na redução dos impostos. Em nota, a ACT Promoção da Saúde alerta que esse trecho, se permanecer na versão final da emenda , pode justificar a inclusão de  ultraprocessados e agrotóxicos na lista de produtos não taxados – um contraponto ao Imposto Seletivo. 

Cesta  Básica Nacional deve ter diversidade e comida de verdade

Quando se fala em alimentos essenciais para a população brasileira, não é apenas arroz, feijão, salada de tomate e bife – ainda que esses itens sejam, sim, a base da alimentação de parte da sociedade. É preciso considerar também açaí, peixe, mandioca. Couve, frango, quiabo. Milho, banana, ovo. Como fazer para caber a diversidade ?  Esse é o desafio do grupo de trabalho que, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social, está discutindo a composição da Cesta Básica. 

Para Inês Rugani, coordenadora do GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva/Abrasco, e representante da associação no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a questão fundamental, agora, é garantir o que não incluir nessa cesta: “É um espaço de disputa, sim. Além de pensar em como a gente consegue uma composição que seja sensível às diferenças regionais, precisamos garantir que não entre ultraprocessados”. O Guia Alimentar para a População Brasileira deve ser considerado em todo o processo.  

Segundo  Marcello Baird, cientista político e coordenador de Advocacy da ACT, a aposta de alíquota zero para hortifrutis, ovos, arroz e feijão, por exemplo, é positiva, e a redução de impostos em 60% em alimentos minimamente processados ou até processados – que fazem parte da cultura alimentar básica do brasileiro – pode complementar a cesta. Mas ele demonstrou preocupação sobre qual seria o impacto da inclusão dos ultraprocessados nessa lista.

“Tem um estudo brasileiro comprovando que se aumentar o preço dos alimentos ultraprocessados, diminui a obesidade na população. Hoje, os ultraprocessados já são mais baratos que comida de verdade. Com a redução das alíquotas para os alimentos in natura ou pouco processados, teríamos a taxação necessária. Agora, se os ultraprocessados  forem incorporados na brecha de ‘alimentos para consumo humano’, vão ficar ainda mais baratos, o que é muito grave”, afirmou. 

A literatura indica que o consumo excessivo de ultraprocessados é fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis – como obesidade, hipertensão, diabetes, alguns tipos de câncer, e até depressão – e para o aumento da mortalidade precoce.  Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, esse tipo de alimento são “nutricionalmente desbalanceados”.

Se, por um lado, há essa brecha para baratear os ultraprocessados, por outro, há a possibilidade de incluí-los como produtos nocivos à saúde, assim como cigarros e bebidas alcoólicas, no Imposto Seletivo.

Enxadas, tratores e veneno

Em um documento publicado em 2021, a Abrasco defende que o agronegócio e a indústria de ultraprocessados promovem um ciclo adoecedor. Enquanto há estímulo ao consumo crescente de calorias, gordura, sal e açúcar – aumentando doenças e agravos não transmissíveis -, a exposição a agrotóxicos afeta os sistemas nervoso central, endócrino e imunológico. Além disso, alguns dos químicos mais utilizados no Brasil são altamente cancerígenos, como o Roundup, que possui glifosato em sua composição. 

A fim de contribuir como amicus curiae na Ação de Inconstitucionalidade Direta nº 5553/2017, que revê a tributação de agrotóxicos no âmbito do Supremo Tribunal Federal , a Abrasco lançou relatórios comprovando que o Estado brasileiro perde cerca de R$10 bilhões por ano com isenção fiscal à produção e consumo de agrotóxicos. Em 2023, o STF voltou a julgar a ação, que, atualmente, está parada sob pedido de vistas. 

A discussão veio à tona novamente com a proposta de criação do Imposto Seletivo pela  Reforma Tributária: assim como os ultraprocessados, há possibilidade de taxar os venenos dada a sua nocividade ao meio ambiente e à saúde humana. No entanto, há risco de manter o subsídio, caso as substâncias sejam classificadas como “produto agropecuário”. Em nota, a Abrasco afirma que é “cientificamente insustentável” comparar os químicos com enxadas e tratores.

É mais uma disputa que precisa ser travada pela sociedade brasileira: “Os agrotóxicos são produtos perigosos e sua isenção é um total contrassenso para um país que pretende proteger a saúde e o meio ambiente da atual e das futuras gerações. Além do sofrimento das famílias, quem paga essa conta é a sociedade pelos custos do Sistema Único de Saúde, Previdência Social e impactos ao meio ambiente”, pontua a entidade. 

“Um lobby enorme” 

Um grande trunfo da sociedade civil no processo da Reforma Tributária é trazer para o debate público essa distinção do que é saudável e o que não é saudável, diferenciando ultraprocessado de comida de verdade. “A gente tem a ciência do nosso lado, e levamos a informação científica para aqueles que tomam as decisões políticas”, ressaltou Marcelo Baird.

Para ele, a reação da indústria de ultraprocessados foi ostensiva, “um lobby enorme”: o setor tentou se acoplar ao agronegócio, que tem muita força política. Participaram de audiências públicas, reuniões, fizeram campanha, pagaram anúncios em veículos de comunicação, estiveram em diversos ministérios – “Sentiram a proporção do debate, e acusaram o golpe. Quando mexe em imposto, mexe no bolso”. 

A mudança de rotulagem, em andamento, é um exemplo recente da luta para desencorajar o consumo de ultraprocessados. Em uma longa mobilização, Abrasco, ACT e muitas outras entidades articularam uma alteração no modo como alimentos com quantidades excessivas de açúcar, sódio e/ou gorduras saturadas chegam ao mercado: agora é obrigatório ter uma lupa na frente das embalagens, com a informação.

A oferta de comida de verdade e sem veneno, a preços justos, é essencial para garantir a alimentação saudável, e reduzir a insegurança alimentar no país. A sociedade civil segue organizada para defender os interesses da população: aprovar a criação do Imposto Seletivo e da Cesta Básica Naconal é construir futuro.

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