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Remédio contra hepatite C só poderá ser vendido por empresa americana

Helena Borges e Cesar Baima / O Globo

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou nesta terça-feira a decisão de conceder a patente do sofosbuvir, remédio utilizado no tratamento contra hepatite C, à indústria farmacêutica Gilead Pharmasset. Com a medida, apenas a companhia americana poderá vender o remédio no Brasil, impedindo a produção de genéricos. Hoje o tratamento básico dura 12 semanas e custa em média R$ 16 mil. Com genéricos, produzidos no Brasil por um consórcio entre empresas nacionais e o laboratório público Farmanguinhos/Fiocruz, o custo cairia para R$ 2,7 mil. A decisão do INPI impede essa mudança, que geraria uma economia de cerca de R$ 1 bilhão para o Ministério da Saúde, além de ampliar o acesso ao tratamento. O sofosbuvir também é eficaz no combate à zika, conforme apontam estudos.

Com a decisão, o INPI contrariou um parecer da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que em 2017 recomendou que não fosse concedida a patente.

Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), criticou o posicionamento do governo no caso:

— Foi uma decisão equivocada que mantém um monopólio sobre um medicamento que salva vidas. É uma patente que não deveria ser concedida, na nossa opinião e na de outros especialistas. Todos os documentos enviados ao INPI deram as provas e informações técnicas para negar a patente.

Especialista em saúde pública, Villardi explica que o próximo passo adotado pelo grupo será entrar com um processo de nulidade administrativa no departamento de recursos do próprio INPI. Também será pedida uma licença compulsória.

— Vamos perseguir todos meios legais possíveis para colocar esse medicamento em domínio público.

Fiocruz se manifesta contra a posição do INPI

Em nota, o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz) afirma que tem investido esforços para realizar a produção e distribuição do medicamento genérico com preços menores ao Ministério da Saúde, visando garantir a erradicação da hepatite C no Brasil. A Fundação ressaltou que, na prática, caso haja a concessão da patente em caráter definitivo, a empresa americana garantirá exclusividade de produção e monopólio da comercialização do sofosbuvir no país:

“O deferimento do pleito foi concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 18/9 sem a exposição de justificativas técnicas. A decisão contraria os argumentos apresentados no subsídio ao exame por Farmanguinhos/Fiocruz, que entende que o pedido não apresenta os requisitos de patenteabilidade, ou seja, novidade e atividade inventiva. Além disso, no entendimento da Fiocruz, a invenção não foi descrita de forma suficiente no pedido de patente, de modo que um técnico no assunto possa reproduzir o composto reivindicado, sendo este um dos critérios para a concessão de patente”, afirma a nota.

Em um relatório de exame técnico produzido pelo INPI, os técnicos da entidade decidem pelo deferimento da patente — ou seja, pela aprovação do monopólio — e rebatem os argumentos apresentados pelas instituições que pediam o fim da restrição. Sobre a afirmação de que a concessão da patente traria prejuízos à saúde pública, os técnicos do INPI afirmam que isso não é da alçada do instituto:

“Ressalta-se que esta interpretação não está de acordo com a legislação de propriedade industrial vigente e não pode ser considerada pelo corpo técnico do INPI, responsável pela verificação dos requisitos e critérios de patenteabilidade estabelecidos na LPI e nas Diretrizes de exame do Instituto. Destarte, a partir da redação do pedido PI0410846-3, não é possível se estabelecer que o pedido apresente qualquer risco à saúde pública.”

No documento, os técnicos também argumentam que a fiscalização do valor cobrado pelo tratamento, da mesma forma, não é responsabilidade do INPI:

“Ademais, o preço estabelecido para um medicamento no mercado não pode ser critério para concessão ou não da patente a um pedido, sendo a verificação de casos de abuso de monopólio por meio de preços exorbitantes e práticas anticompetitivas feita por entidades outras que não o INPI.”

Vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Reinaldo Guimarães questionou as bases técnicas da concessão da patente, lembrando que em outros países, como a Índia, as autoridades concluíram que o medicamento e sua fabricação não preenchiam a exigência de atividade inventiva para tanto, tendo sido produzido com base em conhecimentos anteriores.

– Há insensibilidade política, e provavelmente ineficiência técnica nesta concessão, que abrem espaço para sua contestação junto ao INPI – avalia. – Mas, concedida a patente, os impactos na imensa legião de brasileiros que sofrem com a hepatite C serão muito fortes. O monopólio vai permitir à Gilead colocar o preço do remédio onde quiser e dificultar o acesso.

Diante disso e a capacidade comprovada da parceria entre empresas farmacêuticas nacionais e a Farmanguinhos de produzir um genérico do sofosbuvir, Guimarães defende que o Brasil peça o licenciamento compulsório do medicamento como fez com o antirretroviral epavirez, para tratamento do HIV, em 2007, como previsto no acordo Trips (sigla em inglês para “Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio).

– Esta é uma oportunidade para que o Ministério da Saúde aplique os instrumentos de licenciamento compulsório previstos no Trips – diz. – O monopólio provoca uma situação de emergência em saúde pública que permite aos países fazerem este licenciamento compulsório. Não é uma quebra de patente, que continuará pertencendo à Gilead, mas a empresa será obrigada a licenciá-la ´para uso público mediante pagamento de royalties.

O especialista destaca que para isso, porém, é preciso vontade política, o que ele duvida que o atual governo terá.

– Tenho sérias dúvidas de que o presidente da República e o governo atual terão a coragem e a vontade de fazer isso – lamenta.

Questionado sobre o impacto que a decisão do INPI teria em seu plano de eliminação da hepatite C no país até 2030, tanto em termos de custos quanto de ampliação no acesso à medicação, o Ministério da Saúde limitou-se a informar, por meio de sua assessoria de imprensa, ainda não ter conhecimento oficial do deferimento da patente do sofosbuvir à Gilead e que, em todo caso, “o processo de aquisição dos medicamentos utilizados para o tratamento da hepatite viral C e coinfecções vai seguir todos os trâmites legais previstos na Lei de Licitações”.

Por fim, a Gilead, também por meio de nota, afirmou que “está comprometida em fornecer medicamentos inovadores e economicamente sustentáveis para o país”. A empresa também reforçou seu “compromisso de apoiar o governo no projeto de eliminação (da hepatite C) e expandir o acesso dos nossos medicamentos a todos os pacientes que deles necessitam”. A empresa informou ainda confiar “na avaliação técnica dos órgãos responsáveis pela concessão e registro de patentes, visto que o dever desses órgãos é de avaliar pedidos de patente de forma estritamente técnica, promovendo, dessa forma, o vital estímulo para a pesquisa e desenvolvimento no plano nacional e internacional”.

 

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