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Reportagem sobre cem dias do Ministério da Saúde ouve Abrasco

Vilma Reis com informações de Natália Cancian

Reportagem analisa alguns pontos em análise pelo governo

A jornalista Natália Cancian ouviu especialistas em Saúde para a reportagem Em cem dias, ministro da Saúde freia anúncios e tenta evitar radicalização A presidente da Abrasco, professora Gulnar Azevedo e Silva, foi uma das entrevistadas, assim como Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP; Mauro Junqueira, do Conasems e Donizetti Giamberardino, do Conselho Federal de Medicina. Confira:

Com a promessa de rever programas-chave na saúde, o ministro da área sob a gestão Jair Bolsonaro (PSL), Luiz Henrique Mandetta, teve os primeiros cem dias de gestão marcados por poucos anúncios e uma lista crescente de intenções. Excluídas agendas programadas, como o lançamento da campanha de prevenção do HIV e da vacinação contra a gripe, o ministro teve na reorganização da gestão dos hospitais federais do Rio de Janeiro, medida que inclui a oferta de cargos a militares, um dos poucos anúncios no período.

Integrantes da pasta ouvidos pela Folha dizem que a ordem inicial é de “revisão” . “É um trabalho que não aparece, mas organiza a casa” , diz o secretário-executivo substituto, Erno Harzheim.

Entre os pontos em debate, estão uma reformulação no programa Mais Médicos, a elaboração de projetos para aumentar a cobrança da carteirinha de vacinação e a construção de um novo modelo de equipes da atenção básica, área que responde pelo atendimento em postos de saúde.

O objetivo é criar um terceiro turno de atendimento, que duraria até 22h em algumas unidades. Anunciada na última semana, a proposta foi bem recebida por representantes dos municípios, mas a aplicação ainda é vista com ressalvas por especialistas. “É uma proposta importante, mas é possível que não saia do papel” , diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP , para quem a medida pode esbarrar na capacidade das prefeituras em manter a contrapartida de financiamento das equipes. “Foi o mesmo que ocorreu com as UPAs [unidades de pronto-atendimento], em que houve incentivo à abertura no passado, mas há várias hoje sem funcionar.”

O anúncio de mudanças no Mais Médicos é outro ponto visto com preocupação — sobretudo devido à falta de informações claras sobre o futuro do programa. Inicialmente, secretários da pasta chegaram a dizer que o programa seria extinto. Já Mandetta tem afirmado que a ideia é substitui-lo por um novo modelo, que seria centrado em áreas vulneráveis e distantes dos grandes centros. “Acho que não tem hipótese de a União não fazer a seleção e disponibilizar os médicos para essas cidades do Brasil profundo. Mas temos que discutir esse Brasil intermediário. Será que essas cidades precisam?” , disse à Folha em fevereiro.

A pergunta, em tom de sugestão, mostra uma tentativa frequente do ministro em adotar tom apaziguador e pouco taxativo para evitar polêmicas.

Um exemplo ocorreu em relação à caderneta de saúde do adolescente, distribuída no SUS desde 2008 e alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro por ter páginas dedicadas à educação sexual.

Enquanto o presidente falava em rasgar páginas e recolher o material, Mandetta dizia que a pasta analisaria a possibilidade de adaptar a linguagem do documento ou sua distribuição. “Se eu uso uma cartilha numa turma de nove anos, o erro pode não estar na cartilha, mas na abordagem que foi feita” , afirmou.

Apesar de tentar evitar radicalizações, o ministro não conseguiu escapar de polêmicas.

No exemplo mais recente, disse que avaliava extinguir a Sesai e repassar parte do atendimento a estados e municípios. Foi obrigado a recuar após protestos de índios por todo o país.

Também recebeu críticas ao anunciar uma campanha contra o HIV no Carnaval sem nenhuma menção a gays e com foco único na camisinha —ao contrário do que recomendam políticas de saúde, que defendem métodos de prevenção combinada e campanhas dirigidas a grupos com maior prevalência do vírus.

Para especialistas, o silêncio em torno de alguns temas aponta para a possibilidade de interferência de uma agenda conservadora na saúde. “Em três meses, não vemos medidas explícitas, mas a própria não menção a algumas políticas já é bastante preocupante. A campanha de HIV no Carnaval foi uma das mais anódinas dos últimos tempos, sem apelo e sem se dirigir a populações mais vulneráveis” , diz Scheffer, da USP .

Além dessas polêmicas, a gestão também foi marcada por alguns reveses. Ao mesmo tempo em que apresentou como única meta para o período o aumento na cobertura vacinal, o governo viu o país perder em março o certificado de eliminação do sarampo após completar um ano de transmissão da doença.

Agora, terá um ano para tentar reaver o documento. A previsão é que ações sejam anunciadas até a próxima terça. Entre elas, projetos para aumentar a exigência da apresentação da carteira de vacinação nas escolas e no serviço militar, além de uma campanha.

Embora esperado, o limitado número de anúncios nos primeiros meses na Saúde tem gerado frustração entre alguns representantes do setor ouvidos pela Folha. Dentro do ministério, a justificativa é que parte das medidas dependia da elaboração de um novo organograma  para a pasta. Prevista para março, a medida ainda não foi publicada. A ideia é que sejam criadas duas novas secretarias: uma voltada à atenção básica e outra para a área de tecnologia de informação. Em contrapartida, a atual Secretaria de Gestão Estratégica deve ser extinta e a Secretaria de Atenção à Saúde transformada em uma pasta apenas para atendimento especializado.

A presidente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo e Silva, entretanto, aponta sinais controversos na mudança. “A criação da secretaria de atenção básica poderia significar uma prioridade aos principais problemas de saúde que podem ser resolvidos no nível primário, mas o que estamos vendo é e o desmonte de políticas essenciais” , diz ela, que cita como exemplos a ameaça de extinção da saúde indígena e o anúncio do fim do Mais Médicos. “O vazio de atendimento médico, que já ocorre em áreas remotas e periferias, em breve se refletirá numa piora do quadro de saúde, em especial entre os mais vulneráveis que são as crianças e idosos em comunidades de baixa renda.”

Uma preocupação que é compartilhada por Mauro Junqueira, do Conasems, conselho que representa secretários municipais de Saúde. Segundo ele, a ausência de reposição de vagas do passado e a desistência de profissionais já gera desassistência. “Já temos cerca de 3.000 unidades de saúde sem médicos” , diz.

A Folha procurou Mandetta para comentar o problema e os primeiros dias de gestão, mas ele não respondeu às ligações. Procurado, o ministério informou que avalia a possibilidade de reposições no programa. Diz ainda que um balanço da gestão deve ser apresentado nesta semana.
Atualmente, parte da rotina do ministério tem sido centrada no atendimento a parlamentares e membros do setor.

Em três meses, Mandetta somou 200 audiências. Também tem reforçado a aproximação com hospitais filantrópicos e entidades médicas —esta última, estimulada pelo histórico de formação do ministro e apoio a bandeiras como plano de carreira no SUS.

Donizetti Giamberardino, do Conselho Federal de Medicina, diz que a criação de uma carreira médica federal “é uma expectativa” .  “O programa Mais Médicos ainda é baseado em bolsa, com vínculo precário e temporário. Estamos aguardando essa nova proposta.”

Para ele, a medida deve ajudar a fixar médicos no interior. “Hoje o médico vai para município pequeno, com caráter precário e ainda na dependência do prefeito de plantão. Fica difícil de ter qualquer comprometimento.”

 

100 DIAS DA SAÚDE

Alguns dos pontos em análise pelo governo

Reestruturação de secretarias, com criação de duas novas (atenção primária e tecnologia da informação) e extinção da pasta de Gestão Estratégica. Criação de diretoria de integridade, voltada à análise de contratos e auditorias

Reformulação no Mais Médicos, com revisão do critério de distribuição de vagas e possibilidade de adoção de plano de carreira

Reorganização da atenção básica, com mudança no número de equipes e na carga horária de profissionais.

Aumento do valor repassado a unidades que atuem até as 22h

Exigência da apresentação da carteira de vacinação em escolas e no serviço militar e adoção de campanha de multivacinação

Compartilhamento de custos com indústrias farmacêuticas para compra de remédio para doenças raras

Revisão de contratos e modelo de atendimento em saúde indígena

 

Alguns dos pontos já anunciados

Mudança na gestão de hospitais federais do Rio. Adoção de compra centralizada entre instituições

Edital para substituição das vagas abertas no Mais Médicos após a saída de cubanos e ainda não ocupadas, com seleção de brasileiros formados no exterior

Edital para renovar contratos de 352 profissionais do Mais Médicos que atuam em áreas de maior vulnerabilidade

Campanha de vacinação contra influenza, adiantada no Amazonas devido a surto e prevista no resto do país para 10 de abril

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