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Retratos do Brasil e histórias da ciência nas coortes de nascimento

Os acompanhamentos mais antigos da população brasileira, bases para grandes estudos epidemiológicos, foram apresentados no painel Coortes brasileiras de Nascimento: história e principais resultados, um dos painéis apresentados na tarde do segundo dia do 9º Congresso brasileiro de Epidemiologia.

A mesa reuniu os pesquisadores Heloísa Bettiol, da Faculdade de Medicina da Ribeiro Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), Rosângela Fernandes Batista, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Bernardo Lessa Horta, também da UFPel. A coordenação foi de Antônio Augusto Moura da Silva, também da UFMA.

“Foi a visita do pesquisador americano Tanner à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto que nos impulsionou a fazer  a primeira coorte do país”, situou Heloísa Bettiol em sua apresentação. Pediatra de formação, Heloísa compunha o grupo de pesquisas do professor Marco Antonio Barbieri, que estudava as questões perinatais e seus impactos no ciclo da vida.

Até então, segundo a pesquisadora, os dados de estatísticas vitais eram muito escassos. O estudo começou em maio de 1978 até junho do ano seguinte, e por meio da triagem dos nascimentos realizados no município, levantou caracteristicas de 6.827 pares de mães e recém-nascidos. No inquérito, foram levantados as condições de vida e hábitos das parturientes e dados como  peso, altura e óbitos. “As taxas de prematuridade e baixo peso eram altas, e as de mortalidade, mesmo que baixas para a média nacional, ainda sim foram altas”, destacou a professora ao apresentar alguns dos números.

A segunda fase  conseguiu rastrear  43% das crianças da primeira coorte ao completarem sete anos, e já apresentou aspectos iniciais da transição nutricional inciada na década de 1980. A terceira fase, realizada em 1996, comparou os dados de estatura das crianças ressenseadas com os índices de IMC que apresentavam ao final da adolescência, com um rastreamento de 61,3% do segundo levantamento. “Fica claro no estudo que as crianças com menores peso e altura tiveram excesso de peso na infância e desenvolveram maiores indices de massa corporal”, apresentou Heloísa.

Atualmente, a coorte mais antiga do país está em sua 4ª fase, associando os dados iniciais com avaliações de condições pulmonares, medidas antropométricas e fatores de risco de doenças não-transmissíveis em 30% dos últimos recenseados. Uma das evidências é a incidência de casos de ovários policisticos nas mulheres que apresentaram baixo peso no nascimento. Outra coorte, iniciada em 1994 e que já se encontra em sua segunda fase, é desenvolvida na universidade. Quando cruzadas entre si, mostram o crescimento exponencial das cesarianas: 30% na coorte 1978/79 e 50% na coorte de 1994.

Cenas maranhenses: Para realizar a comparação de coortes dentro do país, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Maranhão estabeleceu  a sua entre os anos de 1987 e 1988, em parceria com a FMRP/USP. A segunda fase foi realizada em 2005/2006, com recenseamento de 70% dos nascidos do primeiro levantamento. A primeira contou com recursos de outros projeto de pesquisa e a aplicação dos formulários foram feitas pelos próprios professores. “Na segunda fase, já tínhamos mais recursos, e contamos com uma equipe multiprofissional, com nutricionistas, psicólogos, terapeutas educacionais e médicos”, destacou Rosângela Batista. A terceira fase está em estruturação, para estudar os indivíduos aos 17 e 18 anos, para levantamentos sobre aspectos do ciclo vital, como obesidade, precursores de doenças crônicas, capital humano e doenças mentais.

A parceria deu tão certo que ambos grupos lançaram uma nova coorte para investigar os indivíduos desde o momento pré-natal. As gestantes foram acompanhadas a partir da 22ª semana até o parto. “O principal objetivo era investigar os fatores etiológicos nos nascimentos pré-termo e termos de fato esses dados”, explicou Rosângela, destacando os dados do estudo, que já produziu informações de seguimento do segundo ano. A UFMA desenvolve também uma coorte populacional representativa dos nascimentos de São Luiz, iniciada em 2010 e com continuidade em 2011.

Do cartão perfurado a modelagem antropométrica: A história das coortes de Pelotas começa quando os então jovens pesquisadores Cesar Victora e Fernando Barros iniciaram por conta própria o estudo de base populacional com todos os 5.914 nascidos vivos no ano de 1982. “Compramos o maior papel disponível e tivemos de escolher 80 aspectos, pois esse era o número máximo de perfurações possíveis nos cartões”, lembrou Victora. Uma nova fase é realizada a cada 11 anos, constituindo um dos painéis mais completos sobre diferentes gerações de nosso país. A próxima, de número quatro, será executada em 2015.

À medida em que o estudo foi ganhando relevância, as condições técnico-financeiras para a sua aplicação também melhoraram. Se antes utilizavam cartões perfurados, hoje o Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel conta com unidade própria e computadores que permitem modelagem antropométrica dos entrevistados. As visitas contam com uma equipe multidisciplinar, com nutricionistas, fisioterapeutas, pesquisadores e médicos e consomem recursos próximos a R$ 1 milhão. A tecnologia qualifica a ciência e evidencia os desafios brasileiros.  “Se no início era grande a subnutrição, o que vemos hoje é a explosão da obesidade, deixando claro que, mesmo com as melhoras das condições sociais ao longo do tempo, a desigualdade persiste”.

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