Discutir os retrocessos na Política Nacional de Saúde Mental foi o objetivo de uma mesa-redonda promovida na tarde do dia 29 de julho (domingo), no 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão). Para falar sobre isso, a mesa contou com a coordenação do vice-presidente da Abrasco, Paulo Amarante, e mais três debatedores: Walter Oliveira, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme); Mônica Nunes, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Rosana Onocko, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Desafios e caminhos da saúde mental
Segundo Oliveira, a conjuntura atual se caracteriza por uma ação muito séria e competente do governo federal no sentido de destruir o Sistema Único de Saúde (SUS) e tudo que foi conquistado na Reforma Psiquiátrica brasileira. “A pauta clara é a volta dos manicômios e dos eletrochoques. A estratégia que eles utilizam é através de campanhas locais. O coordenador visita os estados para tentar legitimar a portaria 3588/2017, que coloca os manicômios de volta na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), e que desvia uma quantidade significativa de recursos para as comunidades terapêuticas”, afirmou.
Oliveira destacou a importância das discussões públicas, como o Congresso da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), que, segundo ele, tem sido um “dispositivo social e cultural e de produção de saber”. Apesar desses encontros, o professor lamentou a falta de conhecimento adequado: “Não estamos produzindo saber de qualidade, porque pelo produtivismo as coisas se tornam apressadas e de baixa qualidade”.
Do ponto de vista técnico-assistencial, Oliveira apontou que um dos dilemas do campo da saúde mental é a tradição de estudá-la pela perspectiva da doença mental. “Estamos acostumados a pensar o cuidado através da medicação, da consulta e de um profissional que tutela a pessoa que nos procura. O grande desafio, para nós é pensar como podemos buscar novas alternativas de cuidado”, questionou, respondendo: “Temos que fazer com que dentro dos nossos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) se consiga implantar e discutir nas equipes a ideia de que a solução para uma pessoa que está em crise não é somente medicalizá-la, interná-la e tratá-la com procedimentos invasivos”.
Para Mônica, de fato, a política de saúde mental brasileira representou e ainda representa uma memorável conquista social e um avanço civilizatório, traduzidos em uma importante rede de serviços, práticas psicossociais, estratégias de participação social e efeitos concretos sob a vida de um número significativo de pessoas com sofrimento mental. “No entanto, com o golpe, os interesses contrários de grupos e agentes diversos ganharam expressão e poder, e estão criando instrumentos legais expressos na portaria 3588/2017 para remeter a orientação do modelo psicossocial”, disse.
Quais são os interesses contrários à Raps e ao SUS? Rosana respondeu: “Aqueles que lucram com a venda de serviços e são contra o Estado fornecer serviços universais, mas vivem da ‘teta’ estatal, como as comunidades terapêuticas. Além de certa psiquiatria capturada pelo modelo biomédico e pelos laboratórios farmacológicos, bem como uma parte da população brasileira que desacredita das políticas públicas”.
No campo da academia, Rosana destacou que é preciso repensar e reestruturar estratégias de formação profissional, bem como redesenhar pesquisas de maneira a torná-las cada vez mais participativas e inclusivas. “Além disso, precisamos lutar junto aos órgãos gestores e de formulação da política para estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação independente e pelo acesso à informação”, defendeu.