As políticas de saúde e de ordenamento do território são aliadas naturais
Muitas das atuais estruturas organizativas têm raízes nas soluções desenvolvidas no decurso do século XIX para curar as doenças agudas de que padeciam as cidades industriais1. Há 150 anos a maioria das cidades europeias e boa parte das regiões urbanas do planeta eram intrinsecamente pouco saudáveis, resultado da excessiva concentração de atividades e pessoas em territórios deficientemente infraestruturados. O fenómeno de urbanização daí resultante, traduz-se pela co-localização de pessoas e atividades almejando, por via dessa convergência, potenciar economias de escala e de aglomeração, convertíveis em riqueza e em bem-estar. Todavia, os estudos de planeamento urbano, têm revelado as múltiplas disfuncionalidades produzidas pelo aceleramento não planeado do processo de urbanização, provocando custos avultados na saúde das comunidades2 .
A competição crescente por espaço urbano produziu estratificações socio-espaciais relegando as comunidades mais desfavorecidas para áreas das cidades onde confluíam morfologia e formas de habitação inadequadas, rarefação de equipamentos, ausência de saneamento e de água potável, sobrelotação e poluição, uso de drogas e criminalidade. Este cenário de urbanização, fermentado pela pobreza e pela exclusão, produziu e reproduziu doenças, epidemias, pandemias.
Integrar os propósitos do ordenamento do território com os da saúde continua a ser um requisito central do qual não se pode apartar nenhum dos intervenientes nestas políticas públicas. Os desafios civilizacionais contemporâneos (alterações climáticas, migrações, envelhecimento, crises de variada natureza, pandemias…) inflamam esta centralidade e agudizam a sua missão de contribuir para criar ambientes urbanos preventivos e terapêuticos. A Pandemia de Covid 19 sublinhou todas as extensões em que o planeamento urbano (ou a ausência dele) se manifestam como determinante da saúde. Percebe-se a importância das condições de vida da população idosa (e do padrão da sua distribuição), do desenho dos espaços públicos, dos corredores verdes, da circulação de ar e da exposição solar, da distribuição das densidades, da qualidade da habitação, das redes de comunicações eletrónicas, das infraestruturas e equipamentos de abastecimento, de educação e de saúde, da herança perene das desigualdades e de substanciais áreas urbanas marginalizadas e insalubres.
Este Número Temático organiza-se em torno das relações entre políticas de saúde e ordenamento do território. Os artigos publicados direcionam o seu foco para: i) a integração setorial, territorial e organizacional dos determinantes da saúde no ordenamento do território; ii) as disparidades territoriais no acesso a cuidados de saúde; iii) a importância da configuração dos modelos de governança, das políticas e dos sistemas de apoio à decisão.
A concretização da edição deste número temático sobre Políticas de Saúde e Ordenamento do Território não se concretizaria sem o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia através do projeto SPLACH – SPatialpLAnning for CHange (POCI-01-145- FEDER-1643), sem a colaboração diligente de todos os autores e sem a dedicação inesgotável da equipa editorial permanente da Revista Ciência & Saúde Coletiva. A todos, muito obrigado.
Carlos Gonçalves (https://orcid.org/0000-0002-8571-1287) 1
Gonçalo Santinha (https://orcid.org/0000-0002-4732-5959) 1
João Marques (https://orcid.org/0000-0003-0472-2767) 1
Eduardo Anselmo de Castro (https://orcid.org/0000-0001-9017-5098) 1
1 University of Aveiro, Department of Social, Political and Territorial Sciences, Research Unit on Governance, Competitiveness and Public Policies (GOVCOPP).
Referências
1. Barton H, Grant M, Mitcham C, Tsourou C. Healthy urban planning in European cities. Health Promot Int 2009; 24(Suppl. 1):91-99. Disponível em: https://doi.org/10.1093/heapro/dap059
2. Sarkar C, Webster C, Gallacher J. Healthy Cities: Public Health through Urban Planning. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited; 2014.
Confira o link da Revista Ciência & Saúde Coletiva – Nº 26 – Suplemento 1 no site e no Scielo