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Revista Problemas Brasileiros fala sobre o ‘Veneno no prato’

A Revista Problemas Brasileiros publicou este mês uma reportagem sobre o consumo de agrotóxicos no Brasil e seu impacto na saúde dos brasileiros. A matéria destaca dados divulgados pela Abrasco e que estão no Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos  na saúde. Também foram ouvidos vários envolvidos no tema como a toxicologista Karen Friedrich, pesquisadora da Abrasco; o coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do Rio Grande Sul, o produtor Emerson Giacomelli;  o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, mestre em Economia Rural e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan); o coordenador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel; e o coordenador-geral de Agroquímicos e Afins do Mapa, Carlos Ramos Venâncio.

Confira:

Diariamente se colocam à mesa do brasileiro suculentas frutas e legumes aparentemente nutritivos, no entanto, carregados de resíduos tóxicos – muitos deles já proibidos na Europa. Não à toa, o Brasil continua a liderar o ranking mundial do consumo de agrotóxicos, indústria que movimenta mais de US$ 2 bilhões ao ano. O País consome, em média, 7 litros per capita de veneno a cada ano, o que resulta em mais de 70 mil intoxicações agudas e crônicas em igual período, segundo dados do Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Os números podem ser ainda mais avassaladores, pois o próprio Ministério da Saúde estima que, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não comunicados. Essas estatísticas dão um alerta sobre o impacto causado – tanto na saúde pública como no meio ambiente – pela política agrícola adotada pelo País. E a opção para reduzir as doses de veneno depende, principalmente, da vontade de mudar esse quadro. “O velho discurso de que os orgânicos são caros e só podem ser consumidos por uma parcela mais abastada da população não é verdadeiro, e a nossa experiência é a prova disso”, conta o coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do Rio Grande Sul, o produtor Emerson Giacomelli. A iniciativa nasceu há 15 anos com um grupo de assentados pela reforma agrária, na Grande Porto Alegre, que se viu sem rumo quando foi instalado numa região não adequada às lavouras com as quais estava acostumado a lidar: milho, soja e feijão. “Tivemos de aprender uma nova atividade e começamos pelo plantio do arroz convencional, o que nos levou à falência”, diz. Depois de investidas mal-sucedidas, a alternativa foi manter a atividade, mas mudar a maneira do plantio. “Alteramos o pacote tecnológico e uma nova fase começou”, conta. Hoje, as 600 famílias ali instaladas sobrevivem dos 5 mil hectares que rendem mais de 400 mil sacas de arroz. Eles cuidam de toda a cadeia produtiva, desde o beneficiamento até a distribuição. “Tivemos um crescimento de 20% nos últimos anos em número de famílias, lavouras, área e produção, o que nos levou a servir de modelo para outros assentamentos”, conta o agricultor, ao falar da marca que chegou a ser fornecida para a merenda escolar de escolas municipais de São Paulo e do ABCD, na região metropolitana paulistana. Ao todo, 16 municípios do Rio Grande do Sul replicam a produção de arroz agroecológico, sem adubo químico nem defensivo. “É um negócio que gera emprego e renda e produto saudável a preço competitivo, acessível a todos os consumidores”, opina. Na avaliação de Giacomelli, o que falta para exemplos como o da Grande Porto Alegre se proliferarem é apoio semelhante ao que recebe o agronegócio convencional. “Não há políticas públicas de fomento para produção em larga escala de alimentos saudáveis que não prejudiquem a natureza.”

O Programa Nacional para Redução de Agrotóxicos (Pronara), braço do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, criado em 2013, até previa a redução do uso de agrotóxicos nas lavouras por meio do incentivo à conversão de sistemas de produção orgânicos e de base agroecológica, mas as medidas ainda não saíram do papel. Sem incentivo fiscal, infraestrutura, crédito e assistência técnica fica difícil competir com as grandes propriedades, concorda o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, mestre em Economia Rural e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). “É o domínio da demanda econômica sobre a racionalidade humana”, diz Melgarejo. Para ele, é preciso acabar com a visão de que a reforma agrária é “coisa de comunista”, algo ultrapassado diante do que comprova a ciência. “É impossível monitorar o que acontece numa grande área, e então se joga o veneno até onde ele não é necessário”, explica.

Se a região cultivada for menor, é possível monitorá-la adequadamente e aplicar o tratamento só onde aparecem os determinados tipos de pragas. Isso evita o empobrecimento do solo e melhora a produtividade. Mas o que tem sido costurado para o futuro do Brasil é bem diferente e preocupa a sociedade civil. “As mudanças que validam os interesses da bancada ruralista em detrimento dos da maioria da população têm ocorrido numa velocidade agressiva”, diz o coordenador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel. Trata-se de um coletivo que reúne mais de uma centena de organizações e pessoas interessadas em combater o uso de agrotóxicos, esclarecendo as contradições geradas pelo modelo de produção imposto pelo agronegócio, inclusive no que diz respeito às sementes transgênicas e à liberação da caça de animais silvestres – fatos relacionados e que beneficiam a monocultura voltada à exportação. As mudanças descritas por Tygel estão em curso no Congresso Nacional e ganharam o nome de “Pacote do Veneno”. Nele estão incluídos o Projeto de Lei (PL) nº 3.200/2015, do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), que praticamente revoga a atual Lei de Agrotóxicos.

O projeto veta o termo “agrotóxico”, substituindo por “fitossanitário”, e cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) no âmbito do Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (Mapa). Está entre as prerrogativas dessa nova comissão apresentar “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins”. O colegiado também indicará os 23 membros efetivos e suplentes, deixando de fora representantes dos consumidores, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – um ataque aos princípios da precaução, conforme os críticos. Na prática, além de trocar o nome “agrotóxico” por outros mais amenos, vai permitir o registro de substâncias mais perigosas, e com mais agilidade do que atualmente. Hoje, no Brasil, existem mais de 380 ingredientes ativos e mais de 1,8 mil produtos formulados de agrotóxicos registrados.

Também no pacote está o PL 6.299/2002, do (na época) senador e atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, que altera as atuais regras para pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização. Se o projeto for aprovado, a embalagem dos agroquímicos deixará de ter, por exemplo, a presença da imagem de uma caveira, símbolo universal de veneno. “Nosso papel é alertar a sociedade para o que tem acontecido na surdina”, afirma Tygel. “É um retrocesso brutal.” Procurada, a Anvisa pediu que a solicitação fosse encaminhada ao Mapa. Também informou que atualmente há seis reavaliações toxicológicas em andamento, dos seguintes ingredientes ativos de agrotóxicos: ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D), abamectina, carbofurano, glifosato, tiram e paraquate. Cada um desses ingredientes ativos estão em fases distintas do processo de reavaliação, mas enquanto isso não acontece, circulam livremente pelo mercado.

O coordenador-geral de Agroquímicos e Afins do Mapa, Carlos Ramos Venâncio, informou que, conforme a legislação vigente, não pode falar pela Anvisa ou sobre questões toxicológicas de sua competência. “Acredito que a Anvisa tenha enviado o questionamento ao Mapa simplesmente porque somos o órgão que concede o número de registro no caso de produtos para uso na agricultura brasileira.” E prossegue sem qualquer informação adicional: “Quanto aos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, um inclusive de autoria do ministro, e que estão sendo avaliados no âmbito da Comissão Especial formada na Câmara dos Deputados sobre o tema, não nos compete manifestação.”

Na contramão do mundo Em dezembro de 2016, o Parlamento Europeu, por meio do Painel de Avaliação de Opções em Ciência e Tecnologia, divulgou um relatório sobre os impactos para a saúde pública do consumo de alimentos orgânicos e também da agricultura orgânica. O relatório Human Health Implications of Organic Food and Organic Agriculture analisa 381 referências sobre alimentação, produção de plantas e de animais, impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente, resistência a antibióticos e padrões de alimentação, além de apontar caminhos e suas possíveis consequências na Europa. Entre as opções de políticas públicas a serem consideradas para o futuro, está a de aumentar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação voltados para agricultura orgânica. Considerando que as doenças causadas pela agricultura convencional representam uma carga para os sistemas de saúde, e que esse custo não está incluído no preço de fertilizantes e agrotóxicos, seria justo uma taxação maior para esses produtos.

Essas taxas poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento da agricultura orgânica. Não é o que ocorre por aqui. O Brasil estimula o consumo na medida em que exonera os impostos dessas substâncias. O governo brasileiro concede redução de 60% do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), isenção total para as contribuições para a Seguridade Social (PIS/Cofins) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à produção e ao comércio dos pesticidas, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). O que resta de imposto sobre os agrotóxicos representa 22% do valor do produto. Para se ter uma ideia, no caso dos medicamentos, que não são isentos de impostos, 34% do valor final são tributos. Além disso, na Europa está em vigor desde 2009 uma política de uso sustentável de agrotóxicos, que inclusive proíbe a pulverização aérea no continente. Finalmente, a União Europeia já se colocou favorável ao banimento do uso profilático de antibióticos na criação animal.

Na contramão, aqui as alterações podem afrouxar ainda mais as normas, como proibir apenas os venenos que causam intoxicação aguda, aquelas que ocorrem imediatamente à exposição ao produto, causando irritação de pele e olhos, coceira, vômito, diarreia, espasmos, convulsões e até a morte. No entanto, estudos mostram que há intoxicações crônicas, que surgem tempos depois, pela exposição continuada a essas substâncias no ambiente de trabalho ou pelo acúmulo de substâncias nocivas no organismo depois de anos consumindo alimentos contaminados, conforme explica a toxicologista Karen Friedrich, pesquisadora da Abrasco. “Por ser uma intoxicação de longo prazo, a relação entre causa e efeito dificilmente será estabelecida”, diz. Nos casos crônicos, as consequências são infertilidade, impotência, aborto, más-formações, desregulação hormonal e efeitos sobre os sistemas imunológico e nervoso central, além do câncer. Outro ponto levantando por ela é que as substâncias aprovadas costumam ser testadas individualmente, mas são usadas em misturas. “É como tomar dois medicamentos cujas doses em conjunto podem ser letais.” Decisões políticas tomadas na Europa e nos Estados Unidos têm grande apelo no Brasil. O banimento da pulverização aérea na Europa, o fato de que 22 dos 50 agrotóxicos mais consumidos aqui são proibidos lá e, agora, esse relatório são argumentos de peso na luta contra os agrotóxicos e as consequências do agronegócio convencional, que precisam ser revistas.

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