Debora Diniz – antropóloga, integrante do GT Bioética da Abrasco, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética – escreveu ontem (12/11), em sua coluna mensal da revista Marie Claire, sobre a união de movimentos pela democracia no Brasil. Confira:
Sabe por que ninguém solta a mão de ninguém? Porque houve um dia seguinte inesperado às eleições presidenciais: há uma união entre o que antes era uma diversidade de movimentos, grupos ou lugares de fala. Todos continuamos singulares e essenciais à luta política, mas agora acomodamos as fronteiras de nossas identidades e construímos uma identificação partilhada – nós somos os que não soltaremos as mãos uns dos outros. Quem somos? Um bando de gente diferente, de todas as formas e jeitos, crenças e classes, com um único propósito: garantir que a democracia seja pacífica no Brasil.
A frase “ninguém solta a mão de ninguém”, além de bonita, tem um sentido político que desconcerta os regimes de reconhecimento que moviam os movimentos sociais. Uma das conquistas da pós-modernidade foi não mais falarmos no homem, branco, rico, ocidental e heterossexual como representando a todos nós. Homem não é mais sinônimo de humanidade. Isso permitiu que falássemos de nós, mulheres, também no plural: somos mulheres jovens, idosas, indígenas ou negras, com ou sem deficiência. Do plural de mais gente que o homem como humanidade foi que surgiram os diversos outros – as siglas que só crescem em novas representações, LGBTIQ é uma delas. Ou tantas outras que ainda venham a reclamar um nome como forma de existir.
Não abandonamos nossas singularidades, ao contrário. É a partir delas que nos moveremos para a criatividade da crítica política. Há quem busque o sarcasmo, como o recém-criado grupo no Twitter Jair me arrependi – por ali há de tudo: muito humor, mas mais ainda capacidade de pôr gente junta para a consciência política. Não há uma identidade única por trás da comunidade que cresce a 10.000 seguidores por dia desde a sua inauguração. Não há um líder, pois é o grupo se construindo com sua própria vontade de dar a mão. Há quem busque nos próprios saberes o encontro político, como os terapeutas que se lançaram a oferecer suporte às comunidades LGBTIQ venezuelanas na fronteira. Ou quem diga: casem-se logo e cá estamos para celebrar o amor, no caso de famílias não heterossexuais.
Esse sentido de união a partir das singularidades não estava instalado há poucas semanas no país. Foi conquistado pela clareza do que não se quer para o futuro. O movimento #EleNão foi uma de suas expressões, mas longe de ter sido o único. Se antes falávamos em identidades, agora nos movemos por uma identificação partilhada – queremos uma democracia pacífica e inclusiva, por isso nossas existências serão a razão do encontro para a crítica política que se inicia.