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O contexto geral e específico da Saúde Bucal Coletiva sob a lente da pandemia

Uma área da saúde que possui tantas especificidades e ao mesmo tempo que afirma a radicalidade da Reforma Sanitária brasileira como elemento de distinção e estratégia de construção. Realizado na terça-feira, 14 de julho, dentro da programação da Ágora Abrasco, o colóquio Desafios da Saúde Bucal Coletiva frente à Covid-19, mostrou uma Saúde Bucal Coletiva coesa, crítica e que sabe do seu lugar e papel no cenário da Saúde Coletiva brasileira.

Com coordenação de Paulo Capel, docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), a sessão teve como painelistas os docentes Samuel Moysés (PUC/PR e UFPR); Paulo Frazão (FSP/USP): Daniela Carcereri (CCS/UFSC) e o odontólogo e dirigente sindical Sylvio da Costa Júnior, do sindicato dos odontólogos do Estado de Santa Catarina (SOESC).

Na abertura, Paulo Capel situou o terreno em que o debate seria dado. “Tanto no Brasil como nos demais países, os profissionais de Saúde Bucal são um dos mais expostos. No entanto, independentemente do avanço da Covid-19 sobre as cidades, as pessoas continuam tendo problemas de dor e infecções bucais, o que nos afeta em nosso trabalho na rede de saúde. A prática odontológica nos coloca desafios para além dos consultórios.”

Na sequência, Samuel Moysés fez uma leitura arguta de como as políticas efetuadas em menos de 2 anos de governo Bolsonaro foi capaz de desmontar pilares da sociedade e do Estado brasileiros. O desmonte de órgãos da Cultura, com Biblioteca Nacional; desmandos nas políticas educacionais, como o desrespeito à autonomia universitária e as mudanças na Capes; e nas políticas ambientais; a desintegração das relações internacionais; a militarização do Ministério da Saúde foram apresentados num rápido passeio de dados encontrados nos noticiários.

“Tudo o que foi dito aqui vem acontecendo, com instituições sendo empurradas para o abismo, será que sairíamos incólumes? Diante desse sóbrio contexto, quais impactos políticos e sociais afetam diretamente a saúde bucal coletiva?” provocou Samuel Moysés, citando o adiamento do inquérito SB Brasil 2020 e de Saúde Bucal indígena como as perdas mais visíveis.

Para ele, a pandemia permite olhar com uma lente de aumento as mazelas e desigualdades, que já estavam postas, e com a complexa situação, até mesmo expectativas mais legalistas precisam ser entendidas dentro do contexto de reação.

“Há algo que muitos vem acreditando que seria a inclusão da saúde bucal coletiva no SUS por meio do projeto de lei 8131/2017, apresentado simultaneamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que propõe a inclusão da saúde bucal na lei orgânica da saúde. É claro que gostaríamos de ver isso acontecer, fazendo da saúde bucal uma política de Estado, de caráter permanente. […] No entanto, se o conjunto dessas políticas públicas vem sendo sistematicamente atacadas, não há Brasil Sorridente que sobreviva. Não vamos ter a tábua de salvação pela legislação ou por algum acordo técnico e tácito” concluindo com um convite à ação. “É um momento de trincheira, de muita luta e resistência”.

Um projeto anticapitalista:

Paulo Frazão seguiu a toada aprofundando alguns aspectos já levantados por Samuel Moysés, reforçando a análise da falta de uma coordenação federativa no enfrentamento da Covid-19 e os efeitos causados. “Ainda hoje observamos hospitais federais com leitos fechados, e não temos um sistema de informação que reconheça os diferentes graus de morbimortalidade” apontou o docente.

Ele ressaltou necessidade de um projeto da saúde bucal para além de uma visão estrita de odontologia, e de corte eminentemente coletivo e anticapitalista. “Particularmente os profissionais de saúde bucal acham que seu papel é somente de retaguarda para emergências, deixando de aproveitar oportunidades de trabalho em saúde, explicou o abrasquiano, destacando o papel dos profissionais inseridos nas equipes de Atenção Básica. “Temos muito a colaborar com as diferentes etapas da vigilância e também em ações comunitárias, além de redimensionar as salas de espera e demais atividades das equipes de atenção primária.

Ao final, ele destacou o papel da Abrasco e demais entidades da Saúde neste momento em construir o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia da Covid-19 e tomar o documento como ação política para o cenário eleitoral que se avizinha. “Precisamos fortalecer o movimento pela Frente Pela Vida, bem como o Plano Nacional de Enfrentamento da Covid-19 e trazer suas recomendações para serem debatidas nos processos de eleições municipais”.

O histórico da área em diálogo com a Reforma Sanitária:

Daniela Carcereri, professora do Departamento de Odontologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina, tratou mais detidamente do processo histórico da saúde bucal coletiva no SUS, num total diálogo e paralelismo com o do processo da Reforma Sanitária no Brasil, e do trabalho do cirurgião dentista na atenção básica e na saúde.

“Cabe ao SUS ordenar a formação na área de saúde, nas diferentes esferas de governo. Como conquistamos o SUS? Temos de mostrar o quanto a Saúde Coletiva é fruto de uma luta política que envolveu toda a sociedade brasileira” apontou a docente.

O ano de 1986, quando da realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, também aconteceu a I Conferência Nacional de Saúde Bucal, seguida pela segunda edição, em 1993, e a terceira, em 2004, “quando fomos capazes de organizar uma 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal e pensarmos coletivamente a criação de uma política, num trabalho árduo de formação na área” destacou Daniela.

“Muitas políticas indutoras foram colocadas em ação para pensar a formação do cirurgião dentista, e demais profissões da saúde. Precisamos olhar o quanto fizemos para podermos resistir” completou a abrasquiana.

Saúde Bucal envolta aos mesmos problemas e que precisam de uma saída:

Sylvio da Costa Júnior, do Sindicato dos Odontologistas de Santa Catar e dirigente da Central Única dos Trabalhadores do Estado (CUT/SC), lembrou que o Brasil não tem ministro da saúde de fato compromissado com a Saúde Pública há muito tempo. “Mandetta, que se pintou como amigo da ciência, encerrou o Programa Mais Médicos e os de saúde da família nos territórios”.

O dirigente relembrou que os problemas da saúde bucal estão diretamente ligados aos das demais áreas da saúde: faltam profissionais, EPI, coordenação de um gabinete de crise; sobram negacionismo e terrraplanismo. “Na periferia, não tem leito, não tem respirador. Na periferia não tem nada. Todo o dia tem ataque aos trabalhadores. Cabe a nós, todos nós, o papel de vanguarda. Cobramos dos mais pobres posturas críticas. No entanto, nós mesmo não fazemos.” reforçou Sylvio Jr, convocando a sociedade para um posicionamento diante do quadro desolador: “vamos às ruas”. 

Findas as exposições, os debatedores Cláudia Flemming Colussi (UFSC), Evelise Tarouco da Rocha (SMS Porto Alegre/RS), Guadalupe Sales (UNIT e CRO-SE), Marco Antônio Manfredini (CRO-SP), Moacir Paludeto (SMS Arapongas/PR), Paulo Santos (SES/PE), Rodolfo Pimenta (UEFS), Sonia Cristina Lima Chaves (UFBA) e Vitória Macedo (SMS Manaus/AM)  trouxeram suas colaborações, abordando desde aspectos da formação da odontologia, sua inserção no debate social dos demais cursos da saúde, as especificidades do campo da saúde bucal coletiva, promovendo ao final um diálogo com os expositores, que apresentaram algumas respostas e novas indagações. 

Clique abaixo e assista à sessão na íntegra:

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