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Saúde Coletiva: a resistência pela existência – por Roger Flores Ceccon

Vilma Reis com informações do Sul21

Nos últimos anos, o campo da Saúde Coletiva tem contribuído para apontar caminhos para a efetividade do Sistema Único de Saúde e para melhorias nas condições de saúde da população brasileira, principalmente no que tange à formação acadêmica, à pesquisa e aos processos de trabalho em todos os modelos assistenciais. Embora os desafios sejam múltiplos e ainda se tenha muito a trilhar, a Saúde Coletiva e o SUS se mostraram essenciais para o país, tendo em vista a história de organização sanitária e as necessidades sociais da população brasileira.

A Saúde Coletiva contribuiu no reconhecimento do quanto o social impacta no processo saúde-doença e nas condições de vida que levam determinados grupos populacionais a adoecer. Vem apresentando contribuições científicas acerca dos padrões de morbi-mortalidade; acerca da transição social, demográfica, epidemiológica e nutricional da população brasileira; contribuído no planejamento e gestão do SUS; na alocação de recursos financeiros em áreas estratégicas e locais prioritários; produzido um debate profícuo em torno de temas desafiadores, como as desigualdades de gênero, racismo, aborto, violências, drogas, etc. Tem contribuído para melhoria de indicadores de saúde, como mortalidade infantil e doenças infecto-contagiosas, para a ampliação da Atenção Básica em todos os estados brasileiros, e na produção de práticas de saúde inovadoras, solidárias, dialógicas, compreensivas e éticas, pautadas nos princípios da universalidade, equidade, integralidade e justiça social.

Entretanto, a Saúde Coletiva, compreendida como um campo de conhecimento interdisciplinar e científico no qual são produzidos saberes acerca do objeto “saúde”, na qual operam disciplinas que o contemplam sobre vários ângulos e são produzidas práticas por profissionais de saúde, busca na sua essência reconhecer que toda vida vale a pena ser vivida e cuidada. Toda vida importa e tem valor. Isso quer dizer que o cuidado produzido independe de classe social, de quem tem e quem não, sendo responsabilidade do Estado seu desenvolvimento. Busca romper com a lógica econômica que regula as relações. Propõe, ainda, produzir um olhar sensível, humano, afetivo e solidário, priorizando àqueles que mais necessitam. É isso, dentre muito mais, que a Saúde Coletiva e o SUS, na sua essência, propõem. E por isso, e também muito mais, que acreditamos.

Propomos um sistema público e justo em um país com alta desigualdade social, com mais de 53 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, cuja taxa de desemprego chega a 13%; um país que vive o recrudescimento de doenças até então erradicadas, com redução da cobertura vacinal; vive com o aumento de homicídios e da mortalidade infantil; um país que retrocede nas políticas antimanicomiais, de redução de danos e liberação de agrotóxicos; e vive uma tentativa desenfreada pela privatização de serviços públicos. Um sistema que necessita, sim, ajustes e melhorias, mas jamais o desmantelamento.

Há, portanto, que se trabalhar pela formação e pesquisa em Saúde Coletiva (e outras áreas do campo da saúde), pelo fortalecimento do SUS e de demais políticas sociais para que possamos, de fato, efetivar o direito à saúde como um bem inalienável. É imperativo retomar com urgência o investimento ético-político-estético e financeiro no SUS, considerando sempre que saúde é sinônimo de dignidade e de bem-estar social. Diferentemente da Reforma Sanitária ocorrida no final da década de 1970, cujas pautas envolviam conquistas, é hora de um Movimento Sanitário pela garantia dos direitos que até hoje usufruímos, um movimento no cotidiano, nas relações micropolíticas, na existência. Na defesa pautada pelo diálogo ético, insistente, inteligente, justo, presente sempre. Resistência pela existência. Saúde é direito de todos e dever do Estado (que frase esplêndida!).

Saúde é aposta, é prioridade.

(Publicado originalmente no Sul21, em 6 de agosto de 2019)

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