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Reunidos em Brasília entre 9 e 12 de dezembro, cerca de 1.500 docentes e estudantes participaram da 31ª Reunião Brasileira de Antropologia (31ªRBA). Dentre as inovações desta edição do encontro anual da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), uma delas diz respeito especialmente ao campo da Saúde Coletiva. Com o propósito de fazer um balanço das interfaces das duas áreas científicas, a mesa-redonda “Antropologia e Saúde Coletiva: Convergências, Impasses e Possibilidades” reuniu abrasquianos que atuam em ambas sociedades na tarde do dia 10 para debater preocupações objetivas e leituras subjetivas a respeito de teoria e metodologias de pesquisa que constituem e forjam intervenções e práticas voltadas a corpos, pessoas e populações. Outra novidade que estreitou esse laço foi a eleição do professor Sergio Carrara, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), à vice-presidência da ABA.

A mesa teve a participação de Daniela Riva Knauth, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Grupo Temático Gênero e Saúde (GTGen/Abrasco); Inara do Nascimento Tavares, professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e integrante da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CCSHS/Abrasco); Maria Luiza Garnelo Pereira, pesquisadora da Fiocruz Amazônia, integrante do Grupo Temático Saúde Indígena e conselheira da diretoria da Abrasco; e de Martinho Braga e Silva, professor do IMS/Uerj e coordenador da CCSHS/Abrasco. A coordenação da mesa foi de Carlos Guilherme do Valle, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Tanto na mesa como nas entrevistas posteriores, os docentes apresentaram uma variada gama de olhares sobre essa interface. “Tentei refletir um pouco sobre a imagem que cada uma das áreas tem da outra e, como apesar das aproximações que tem se dados nos últimos anos, ainda há uma distância entre as áreas, visto que mesmo os antropólogos acabam sendo separados entre aqueles que frequentam a Abrasco e aqueles que frequentam a ABA”, pontua Daniela.

Já Luiza Garnelo enfatizou o aprofundamento dessa interface em ambos os campos, com potenciais contribuições para o aprimoramento das práticas de atenção à saúde propiciado pelo escrutínio das realidades locais, aporte forte da Antropologia. “Esse embricamento amplia o escopo das abordagens no campo da saúde, cada vez mais interessado nas dimensões sociais do processo saúde-doença-atenção. Tal ampliação leva os sanitaristas a necessitarem de suporte teórico e metodológico oriundo das ciências sociais e humanas para sustentar suas investigações e propostas de ação”.

Para a pesquisadora, no entanto, é importante que a Antropologia recuse o caráter instrumental que, por vezes, os profissionais de saúde tendem a lhe conferir. “Superado esse primeiro ponto de estranhamento, o conhecimento antropológico tem potencial para produzir saberes e abordagens que favoreçam o ponto de vista de grupos sociais e de tornar público seus modos de compreender e de agir em saúde”.

Assim como Daniela e Luiza, Martinho Braga e Silva ressalta a grande procura do público presente à mesa-redonda e citou mais elementos que aproximam as áreas. “Pensando a partir da atuação da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, esse diálogo começou em 2017, com a presença do professor Carlos Guilherme do Valle no simpósio da nossa Comissão realizado dentro do Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, realizado em Natal (RN) e agora nesta mesa da 31ª RBA. A ideia é continuar essa aproximação no 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, que acontecerá no próximo mês de setembro, em João Pessoa (PB), e que será antecedido pela 3ª reunião de Antropologia da Saúde (RAS), prevista para Natal”.

Daniela traz mais elementos para pensar o estreitamento das áreas. “Um fator fundamental é a expansão de cursos de graduação na área de Saúde Coletiva, tendo em seu corpo docente antropólogos. Assim, antropólogos que até então desconheciam a área, passam não só a conhecê-la, mas se confrontam com questões que não são tratadas no âmbito da própria Antropologia”, argumenta a gaúcha. “Se há alguns anos vínhamos observando um incremento de interesse da área da Saúde Coletiva pela antropologia, hoje podemos observar também o movimento contrário, ou seja, um interesse da antropologia e dos antropólogos pela Saúde Coletiva.

Não por acaso o núcleo de coordenação da CCSHS/Abrasco é formado em sua maioria (quatro em seis pesquisadores) por antropólogos, seja de formação graduada ou pós-graduada. “Hoje na Comissão temos uma forte diversidade regional e essa grande presença de antropólogos, o que valoriza a busca pela alteridade, o respeito à diferença e valorização do olhar do outro”, completa Martinho.

Muito o que conversar: Os pesquisadores foram unânimes ao analisar que a conjuntura brasileira para os próximos quatro anos exigirá bastante das associações científicas e acadêmicas. “Diante dos pronunciamentos prévios à posse de Jair Bolsonaro, tão marcados pelo antagonismo às Ciências Humanas e Sociais e aos direitos de minorias, só nos resta desejar que entendam futuramente a importância de respeitar valores de terceiros, ainda que discordem deles”, reflete Luiza Garnelo.

Daniela Knauth defende a importância das entidades em garantir a liberdade de cátedra para a discussão de temas próprios à disciplina, como diversidade cultural e religiosa, gênero e sexualidade, destacando a parceria estabelecida entre a ABA e demais entidades com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) para respaldar as práticas de docência e de pesquisa de seus associados. “É fundamental também a produção de estudos consistentes e em menor tempo a fim de fornecer dados e análises que possam ser utilizados em defesa de grupos mais vulneráveis, como as populações indígenas e quilombolas; mulheres e pessoas LGBTQI+”.

Para Sergio Carrara, o momento é de reforçar redes. “Associações como a ABA e a Abrasco, entre outras associações científicas, têm se mostrado fundamentais para a defesa da democracia. Se poder viver sem constrangimento às diferenças que nos marcam é uma dimensão importante da saúde individual e coletiva, a Abrasco e a Aba continuarão tendo muito o que conversar. Leia a entrevista completa com o professor do IMS/Uerj e vice-presidente da ABA.

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