A manhã do dia 5 de abril trouxe a notícia da apresentação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Polícia Federal de Curitiba (PR), onde foi preso. Mas “Cantar nunca foi só de alegria. Com tempo ruim. Todo mundo também dá bom dia” disse Nísia Trindade, presidente da Fiocruz, na mesa de abertura do Seminário Preparatório Ciência e Tecnologia, Universidade Pública e Saúde, para o Abrascão 2018. “Todos estamos ainda sob o impacto desta madrugada, mas com tempo ruim também damos bom dia como canta Gonzaguinha: este Seminário é um bom dia deste tipo”, arrematou Nísia.
A abertura contou ainda com a participação de Hermano Castro – diretor da ENSP/Fiocruz e Luis Eugenio Souza– coordenador do Comitê de C&T da Abrasco. Eugenio lembrou um artigo de Luis Fernando Veríssimo onde o escritor diz que “Precisamos urgentemente de um “Epa” para acabar com esse clima. Pessoas trocando insultos nas redes sociais, autoridades e ex-autoridades sendo ofendidas em lugares públicos, uma pregação francamente golpista envolvendo gente que você nunca esperaria… Epa, pessoal”. Para Luis Eugenio este Abrascão será um momento importante na resistência pela democracia do Brasil. O 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva também foi pontuado pela fala do professor Hermano Castro que classificou a agenda da Abrascão como a agenda positiva vai mostrar que a sociedade tem saída: – “E esta saída passa pela luta da saúde. A academia está pronta para dar esta resposta ao país”.
A manhã do primeiro dia do Seminário debateu as estratégias de desenvolvimento e inovação em saúde, mais especificamente as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo e as Plataformas Inteligentes, com apresentações de Carlos Gadelha (Fiocruz), Reinaldo Guimarães (Uerj) e Célia Almeida (ENSP/Fiocruz), sob a coordenação de José da Rocha Carvalheiro (IS/SES-SP).
Ao longo de sua apresentação, Reinaldo Guimarães pontuou como algo extremamente importante a expansão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, mas chamou atenção: – “Porém, tivemos políticas insuficientes no ensino fundamental e médio. Tivemos ainda regras importantes de fomento no sentido de fortalecer o lado da demanda na arquitetura do processo de inovação e tivemos um ponto fora da curva: uma desgraça, uma das políticas públicas mais negligenciadas do Brasil que é a politica de propriedade intelectual e que nos brindou com a concessão de patentes por decreto, criando uma enxurrada de aprovações massivas de patentes. Um exame sumário da patente precede a concessão favorecendo um balcão de negócios em que se trata de interesses muito distantes daqueles da Saúde Pública”, explicou Guimarães.
Carlos Gadelha enfatizou a relação entre as ciências sociais e a saúde coletiva: – “Não dá mais para aceitar polarizações binárias entre o campo da saúde coletiva e o campo da ciência biomédica; entre o campo da assistência e o campo da promoção; entre o campo do desenvolvimento industrial tecnológico e o campo do SUS: entre várias outras polarizações” Gadelha lembrou que foi Sérgio Arouca, quem criou a área de Ciência, Tecnologia e Inovação junto com sua batalha para a formação do SUS no Brasil, área foi consolidada e fortalecida em 1987, um ano antes da Constituição brasileira com Arouca. Então, que polarização é essa? Perguntou Gadelha. “Temos que pensar em como a saúde está inserida na base produtiva de inovação neste país, questionar como é que saúde está inserida nos direitos sociais, na reconstituição do campo da ciência, tecnologia e inovação, como é que ela está inserida no desenvolvimento sustentável? A ciência e tecnologia é um elemento central na construção soberana do SUS, nós não seremos donos das nossas provisões tecnológicas e científicas se nós não tivermos uma base de conhecimento e análise crítica para a proposição de políticas de tecnologias. A Academia e as instituições públicas têm o papel fundamental de pautar a agenda de saúde e do SUS, agora no presente e futuro, como elemento indutor forte dos elementos de tecnologia e inovação e ter a preocupação de uma visão não utilitária e imediatista do conhecimento”, enfatizou Gadelha.
A pesquisadora Celia Maria de Almeida, pesquisadora titular ENSP/Fiocruz e membro do Comitê de Assessoramento em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde da Abrasco, pediu desculpas por estar afônica mas fez algumas considerações. Célia pontuou as mudanças na área da governança global da saúde e seu ponto de interseção com desencadeamento da hegemonia política economia social e neoliberal que tem se consolidado paulatinamente nestes útlimos 30 anos: – “E é interessante que este processo na realidade não se resume na perspectiva econômica: é muito mais amplo. Essa dominância do setor privado no processo de decisão das políticas vem crescendo desde então, e como que a saúde está dentro desse processo? e como que ela tem sido percebida pelos formadores de políticas?”, questionou Célia.
À tarde do primeiro dia, a sessão “Inovação e Saúde Pública”, as pesquisadoras Cláudia Chamas (CDTS/Fiocruz); Erika Aragão (ISC/UFBA) e Laís Costa (ENSP/Fiocruz) expuseram diferentes, porém complementares aspectos do processo de inovação em saúde, destacando entraves, lógicas e desafios para a constituição de processos mais inclusivos e democráticos. A coordenação foi de Luis Eugenio de Souza, coordenador do PPGSC/ISC/UFBA e presidente da Abrasco (2012-2015).
Claudia detalhou o processo de revisão geral, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), do programa de Estratégia Global e Plano de Ação em Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual. Juntamente com o grego Ellias Mossialos, ela coordenou o grupo de 18 pesquisadores que se debruçou durante um ano para avaliar e apontar diretrizes para acordos comerciais e de cooperação no âmbito do organismo, valorizando, entre outros aspectos, a promoção de mecanismos de financiamento sustentáveis; a ampliação do acesso e de transferência tecnológica. “Das 108 ações de inovação de grande impacto e difusão, há 33 que são plausíveis, viáveis e de baixo custo. Cabe aos países se comprometerem a flexibilizar o TRIPs (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights em prol da Saúde Pública e cobrar uma transparência nos custos de implementação”, ressaltou. A revisão será levada à Assembleia Mundial da Saúde, que acontecerá agora em maio, em Genebra, e deliberada pelo Comitê Executivo da OMS.
As diferentes estratégias das empresas de química fina e biotecnologia na implementação e venda de suas plataformas de inovação é o tema de estudo de Erika, que apresentou a distância crescente de valores e investimentos entre esses dois tipos de produto e, por consequência, o fosso da desigualdade entre as nações detentoras. “Ou aprendemos a domar essas tecnologias ou vamos continuar ampliando essa distinção por conta da nova trajetória tecnológica mundial”.
Laís Costa centrou sua fala na inovação social, que, ao contrário da percepção do senso comum, é um dos campos de maior incidência direta sob a vida da população e de grande constituição econômica. Ao negligenciar essa disputa política, facilita-se o sequestro do orçamento público e reduz-se a proteção social. “É necessário aprofundar o conhecimento da inovação nos serviços como garantia do seu caráter público, e isso passa por uma maior e melhor articulação dos grupos de pesquisa, novos valores sociais e pelo rompimento de ciclos de interesses privados”.
Proteção e tratamento de dados pessoais para pesquisa em saúde
Maurício Barreto, pesquisador da Fiocruz/BA, iniciou a mesa do segundo dia explicando o conceito de Big Data: um enorme volume de dados, com muita variedade e processados em grande velocidade. O SUS é uma fonte rica de pesquisas. Se integrado com programas de políticas públicas, como o Bolsa Família ou Estratégia de Saúde da Família – a intersecção de dados garantiria a construção de uma imensa base de dados. Entretanto, faltam diretrizes, respaldo legal e estrutura para os pesquisadores de saúde na utilização destes tantos dados gerados.
O Ministério da Saúde anunciou que mais de 57 milhões de brasileiros possuem Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) – o que significa a concentração do histórico, dados, procedimentos realizados e os resultados de exames dos pacientes do Sistema Único de Saúde atendidos na Atenção Básica. “O que acontece com estes dados, no entanto? É possível transformá-los em conhecimento? Elaborar soluções, resolver problemas? Há uma avidez imensa por parte dos pesquisadores”, pontua Maurício.
O pesquisador, contudo, apresenta os grandes empecilhos entre os cientistas e o manejo dos dados para a produção de conhecimento: são heterogêneos, fragmentados e, muitas vezes, indisponíveis. Não há uma política de proteção de dados adequada no país – portanto, não há uma política de disponibilizá-los para pesquisas e nem, tampouco, de privacidade dos usuários.
Miriam Ventura, docente da UFRJ, seguiu a exposição mergulhando mais a fundo a partir deste gancho: como garantir o direito à privacidade, o direito à proteção de dados e, ao mesmo tempo, o direito ao progresso científico, à liberdade de pesquisa? A professora traça um comparativo entre a informação (no caso, sobre a saúde do indivíduo) enquanto bem privado – que pode ser comercializado – e enquanto bem público – que perpassa por uma regulamentação e proteção do Estado – mas também poderia como uma fonte para os cientistas.
Tal como Maurício, Miriam apresenta uma série de questões, ainda sem respostas jurídicas e/ou governamentais – tropeços que os cientistas encontram: “Faltam parâmetros: como os dados devem ser coletados? Quais coletamos? Qual é o tratamento ? As pessoas não sabem o que acontece com seus dados. O prontuário eletrônico mesmo, os pacientes têm dificuldade de obter”. Ventura abrangeu ainda a problemática de que a saúde não se restringe a dados clínicos – é importante outros dados considerando os determinantes sociais, contextos e vivências dos pacientes.
Fechando o evento, o presidente da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) Ildeu de Castro Moreira, fez uma breve fala sobre seminários temáticos que serão realizados pela SBPC – em antecipação à sua 70º reunião – para a construção de proposições políticas. Ildeu cita o corte de 3,4 bilhões na Ciência e Tecnologia e a ameça à liberdade de pesquisa – como o caso do professor Carlini, intimado a depor porque pesquisa os efeitos medicinais da maconha – como exemplos da necessidade de candidatos políticos influenciados e pressionados pela comunidade científica do país.