02 de dezembro de 2013
Foi publicado no jornal O Globo, artigo do professor e pesquisador Cesar Victora, atual presidente da Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), sobre o lugar da saúde dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Confira na íntegra:
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) têm ocupado um papel central na agenda global até 2015. Dos oito objetivos, três dizem respeito à saúde: redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos, redução da mortalidade materna e controle de doenças infecciosas como a Aids e a malária.
Destes três objetivos, o Brasil só não atingirá o da mortalidade materna. Alcançamos também enorme progresso na redução da subnutrição infantil, uma das metas do objetivo de erradicar a pobreza. Mais importante ainda, logramos diminuir as brechas entre a saúde de pobres e ricos, ao contrário da grande maioria dos demais países.
Na medida em que os ODMs são — ou deixam de ser — alcançados, existe intensa mobilização internacional para definir novos objetivos para o período pós-2015. Países ricos e pobres, órgãos das Nações Unidas, fundações filantrópicas e a sociedade civil estão debatendo dentro de um processo que deverá ser concluído.
Assim como ocorreu para os ODMs, a nova agenda direcionará os investimentos globais, públicos e privados, para os próximos 20 anos, o que justifica a acirrada competição para definir as novas metas. Sustentabilidade e equidade serão sem dúvida dois pilares da nova agenda, que deve incluir questões como mudanças climáticas e segurança internacional.
Alguns argumentam que não deveria haver um objetivo específico para a saúde, uma vez que esta já representou três dos oito ODMs. Este seria um grande equívoco, pois a saúde não é importante por si só, mas contribui para o desenvolvimento econômico, assim como para o bem-estar individual e social. Não obstante, mesmo dentro do setor saúde há um debate intenso.
Argumenta-se que a saúde materno-infantil e as doenças infecciosas já receberam suficiente atenção, sendo agora necessário priorizar as doenças cardiovasculares, o câncer e as doenças mentais. A Organização Mundial da Saúde propõe que a meta seja a cobertura universal — ou acesso de todos os indivíduos a serviços de saúde.
Como sanitaristas, questionamos este conceito por reduzir a saúde ao consumo de serviços médicos e, portanto, por ignorar seus determinantes sociais e ambientais. Questionamos ainda o fato de que a meta não discrimina o tipo de serviços de saúde aos quais seria garantido o acesso — se serviços públicos, universais, com alta qualidade e equidade, ou serviços com fins lucrativos contratados a partir de seguradoras privadas.
A nova meta de saúde deve contemplar tanto os determinantes médicoassistenciais quanto os determinantes sociais. Esta precisa ainda dar igual ênfase aos distintos tipos de doenças e incapacidades que afligem nossas populações. O indicador que mais bem capta estas distintas dimensões é expectativa de vida saudável. Ao indicar o número médio de anos vividos sem incapacidades importantes, esta medida capta a totalidade da experiência de saúde de uma população, que propicia a oportunidade de um trabalho conjunto para garantir a todos o direito a uma vida plena.