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Saúde mental e pandemia: os possíveis novos imaginários e a disputa de narrativas

As dificuldades do isolamento, o perigo de ser infectado e outras questões que afetam a saúde mental no cenário da pandemia da Covid-19 foram debatidas no colóquio da Ágora Abrasco do dia 19 de maio. Com o tema “Saúde Mental e Covid-19: quais estratégias para lidar com essa realidade?”, especialistas abordaram desde as possibilidades de abertura para grandes mudanças até o reforço de desigualdade de classe, raça e gênero. O colóquio foi coordenado pelo conselhieiro da Abrasco, Deivisson Vianna (DSC/UFPR) e contou as apresentações de Benilton Bezerra (IMS/UERJ), Debora Noal (Cepedes/Fiocruz), Eduardo Mourão Vasconcelos (ESS/UFRJ) e Valeska Maria Zanello de Loyola (UnB).

Abertura para um novo imaginário coletivo e disputa de narrativas

O primeiro debatedor a falar foi o professor Benilton Bezerra reforçando a análise de que a pandemia escancarou as desigualdades existentes em nossa sociedade. Entretanto, Benilton frisou que “num cenário improvável de chegar uma vacina e acabar com tudo, é provável que tudo volte a ser como antes e esqueçamos todas as desigualdades que a pandemia mostrou”. Para ele, é necessário também notar os espaços que foram abertos como no início da luta antimanicomial: “O que existe para nós agora é como o que aconteceu nos anos 1960, berço da reforma psiquiátrica. Ali o imaginário coletivo estava aberto para mudanças grandes no mundo. Depois dos anos 1980, com a queda do muro de Berlim, isso secou”. Nesse sentido, o debatedor apontou que “o vírus trouxe à tona coisas que estavam ali e que não eram vistas. A desigualdade se tornou pela primeira vez na história algo desfuncional”. Benilton alertou ainda que como parte desse processo de ressignificação da desigualdade, gerou-se o consenso acerca do papel fundamental do SUS no país.

A pesquisadora Debora Noal, deu continuidade ao painel expondo dados sobre a necessidade de cuidados com a saúde mental para os diversos segmentos da população e apontou: “A OMS entende que uma pandemia pode afetar entre um terço a metade da população com manifestações psicopatológicas. Quanto mais rápido pensarmos em estratégias de cuidado, menos as pessoas serão afetadas”. Debora apontou ainda as mudanças as quais as pessoas precisam se adaptar que vão desde o distanciamento físico de pessoas queridas até a impossibilidade de enterrar seus mortos. Ela fez questão de lembrar um ponto que as equipes de saúde devem trabalhar com as pessoas: “Tem muita importância de as equipes de saúde mental lembrarem às pessoas a diferenciar o afastamento físico do afastamento afetivo”.

A pandemia e as desigualdades sociais, raciais e de gênero

A forma diferente como cada grupo lida com as questões da pandemia foram abordadas por Eduardo Vasconcelos. O professor apontou que “as mulheres, por exemplo, estão mais expostas. A maioria das famílias são sustentadas por mulheres e , por isso, há um maior estresse nelas. Além disso, há o aumento do número de casos de violência doméstica”. Sobre quem necessita de um olhar urgente da saúde mental, Eduardo não teve dúvidas em apontar: “No campo da saúde mental, o mais urgente são os trabalhadores da saúde, que lidam com isolamento da família, risco de serem contaminados, escolha de quem vai morrer e a morte de colegas. Eles são um grupo que precisam de olhar urgente”. O professor da UFRJ ainda apontou a necessidade de reforço da coletividade nos grupos de atendimento, inclusive com liderança dos usuários da rede.

A última debatedora a expor foi Valeska de Loyola, que apontou que a pandemia expôs diversas fissuras de nossa sociedade, especialmente as desigualdades sociais, raciais e de gênero. Valeska centrou sua intervenção nas questões raciais e de gênero: “Nós por conta de termos o útero que gera os seres humanos fomos sempre colocados no lugar do cuidado materno e o homem no do espaço público. Somo colocadas no lugar do cuidado dos outros em detrimento de nós. Diferentemente dos homens que cuidam de si, independentemente dos outros”. Esse lugar do cuidado, que a pesquisadora denominou como “dispositivo materno” é reforçado durante a pandemia inclusive nas profissões que acabam tendo maior trabalho, como enfermeiras, cuidadoras e outras ligadas de forma muito forte à figura das mulheres. Valeskaa falou também dos trabalhos de home office, feito, por exemplo por professoras, apontando que “ninguém pensa na vida delas, nos cuidados delas com as famílias dela”. Por fim, afirmou que “é necessário discutir masculinidade e saúde pública. A masculinidade é um mal à saúde pública hoje. Quantas mulheres são estupradas? O número de feminicídios é um problema de saúde pública também”.

Em seguida o debate foi aberto a uma série de debatedora que refletiram sobre como a pandemia pode nos fazer rever as formas de relacionamento e a necessidade de se debater como acolher os usuários da rede de saúde mental nesse cenário, lembrando que a maioria vive em situação de vulnerabilidade. Além disso, os ataques às instituições feitos pelo presidente da República foram lembrados. Além das instituições ligadas a outros poderes, também as universidades, instituições de pesquisas e até mesmo o SUS têm sido atacados. Essa fato expõe que a pandemia atinge ainda mais os mais pobres que dependem de tais instituições ligadas ao Estado.

Assista a íntegra do colóquio na Tv Abrasco:

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