Para o jornal O Globo a especialista do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Comissão de Política da Abrasco, Ligia Bahia falou neste sábado, 18 de maio, sobre os interesses divergentes de planos ou hospitalares. Confira:
Hospitais e médicos têm sido responsabilizados pela escalada de custos da saúde. Existem métodos para conter despesas, ajustar preços e qualidade. Reembolsos de atividades assistenciais, que evitam carregamentos indevidos de contas, foram implementados pelo SUS e mediante negociações individualizadas entre algumas empresas de planos e hospitais privados. Assim, a briga entre a Amil e o grupo D’Or poderia, em tese, ser contornada pela aplicação de um princípio geral e práticas já testadas.
Grupos econômicos de planos ou hospitalares têm interesses divergentes. Os primeiros procuram controlar acesso e pagar menos pela assistência; os segundos, dependendo dos incentivos, tendem a facilitar a utilização de procedimentos. O ponto de equilíbrio entre as partes requer acordos para retirar barreiras para diagnósticos e terapias caras e preços justos. Mas essa regra não se aplica, sem adaptações, a planos privados verticalizados —quando a empresa do plano é proprietária de hospitais e laboratórios —e a grupos hospitalares e unidades de diagnóstico oligopolizados. O modelo também perde validade perante a permanência de hierarquias pré-modernas, prévias aos cânones liberais dos mercados, tais como atendimento muito diferenciado para ricos, remediados e pobres.
Portanto, o anúncio de descredenciamento de hospitais da rede D’Or, no Rio de Janeiro e Região Metropolitana de São Paulo, pela Amil (UnitedHealth) tem a intenção de contenção de despesas, mas vem misturado com manobras costumeiras de reorientação de demandas. Quem tem contratos tipo “plano gargalhada AAA” não será afetado, e os clientes AA possivelmente serão desviados para unidades verticalizadas. O movimento da maior empresa de planos no Brasil antecipa uma assistência mais segregada.
Considerando a totalidade da oferta de planos e hospitais privados, a segmentação se acentua. Ricos vão para antigos e novos hospitais seis estrelas com direito a intervenções robóticas, medicamentos de última linha, prescritos por orientação de médicos assistentes e chefs de cozinha franceses, ou pelo menos nomes afrancesados. Clientes de planos menos que básicos são internados em estabelecimentos com quartos coletivos, por vezes sem ar-condicionado, nos quais a realização de uma simples e essencial broncoscopia precisa de autorização, que demora a ser liberada. Ricos, remediados e menos que remediados com igual caso clínico e contratos da mesma empresa ficam expostos a padrões assistenciais distintos.
Estabelecimentos de internação para ricos são muito caros, exigem contratação adicional de pessoal para manter hospedagem superpersonalizada e equipamentos, frequentemente ociosos, em função de um volume relativamente pequeno de demanda. Não existem hospitais exclusivos para uma determinada classe social em países desenvolvidos. Nos EUA e Canadá, é possível pagar por quartos particulares, mas os hospitais têm corpo clínico próprio e se destinam ao atendimento da população. O parque hospitalar para ricos pode até ser bom para o marketing, mas pressiona os custos totais da saúde. Portanto, a redução dos gastos médico-hospitalares e a melhoria da qualidade do atendimento não encontram defensores genuínos em componentes do setor privado nacional. A construção de mais hospitais custosos e exclusivos nos posicionam na contramão das tendências internacionais. A era do ninguém tem que se meter em negócios privados da saúde é página virada.
A matriz da UnitedHealth está enredada no debate central sobre a sustentabilidade de sistemas de saúde. As críticas de seu principal executivo à proposta do democrata Bernie Sanders — de restringir a atuação de seguradoras privadas — provocaram queda do valor das ações da empresa. É muito cedo para prever resultados das eleições americanas e suas consequências sobre gigantescas seguradoras de saúde. Mas a ideia de seguro universal sob um único plano administrado pelo governo e financiado pelos contribuintes ganhou adesões e emitiu alertas para investidores. Grupos econômicos que fixam desigualdades concentram sentimentos polares: antipatia social e atração por dividendos financeiros, extremos que não convergem para a melhoria da saúde.