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“Sem investimentos o futuro será de agravamento da situação atual” – Entrevista com Luiz Facchini sobre os 10 anos da Rede APS

Pedro Martins

Luiz Facchini – UFPEL /Rede APS-Abrasco. Foto Kio Lima

A Rede de Pesquisa em Atenção Primária em Saúde da Abrasco (Rede APS) completa este ano 10 anos de existência com uma atuação que fortalece o debate sobre o tema no país tanto do ponto de vista teórico, quanto no campo prático da atuação profissional e das políticas públicas. Para conhecer um pouco mais deste trabalho, conversamos com o professor Luiz Augusto Facchini, coordenador da Rede APS e presidente Abrasco 2009-2012. Facchini destacou diversos pontos do trabalho desenvolvido pela Rede e apontou a necessidade de maiores investimentos em APS para enfrentar os atuais e futuros desafios da saúde no país: “Sem investimentos o futuro será de agravamento da situação atual, especialmente para as populações mais pobres e vulneráveis”.

Nesta trajetória de 10 anos, a Rede conseguiu cadastrar mais de 9 mil membros mantendo uma estratégia de comunicação desburocratizada e horizontal com informações sem atualizadas. Além disso, a Rede também produziu articulações institucionais que ajudaram o desenvolvimento de diversos trabalhos e pesquisas em todo o país. No momento de pandemia, vale destacar a pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS”, que se propôs a identificar os principais problemas e as estratégias de reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) utilizadas no enfrentamento da Covid-19 nos municípios brasileiros. Facchini comentou a pesquisa e os demais trabalhos da Rede APS.

Confira como foi a entrevista.

Qual a importância da formação da Rede APS na Abrasco e para o debate de saúde coletiva?

Luiz Augusto Facchini: Com a formação da Rede de Pesquisa em APS, em 2010, ocorreu um fortalecimento do debate sobre o tema no país. Com uma estratégia organizativa horizontal e pouco burocratizada foi possível articular as grandes demandas de gestores e profissionais de saúde sobre APS, sistematizar as respostas produzidas por pesquisadores e identificar lacunas no conhecimento. Com quase 9.000 membros cadastrados, a Rede apoia a tomada de decisão na gestão e nos serviços de APS. Também subsidia a definição da agenda de pesquisas necessárias para promover as mudanças no cuidado à população, realocar recursos, qualificar serviços e ações, divulgar boas práticas e construir uma saudável interação com outras entidades e organismos nacionais e internacionais.

2- Em 10 anos de atuação, qual o balanço sobre a atuação da Rede junto aos profissionais de saúde e pesquisadores?

Luiz Augusto Facchini: Em 10 anos de atividades a Rede de Pesquisa em APS apoiou a grandes iniciativas do SUS de expansão e qualificação da Estratégia Saúde da Família. A Rede incentivou o debate e a participação da academia na avaliação externa do PMAQ (Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica) e do Programa Mais Médicos. Também apoiou a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) no desenvolvimento da Plataforma de Conhecimento do Programas Mais Médicos, na avaliação de experiências de APS FORTE em Porto Alegre, Brasília e Teresina e na análise das 1294 experiências municipais inscritas no Prêmio APS FORTE. No âmbito do ensino incentivamos a formação do PROFSAUDE, rede nacional de Mestrados Profissionais em Saúde da Família, constituída por 22 universidades localizadas em todas as regiões do país e lideradas pelo Abrasco e Fiocruz. O PROFSAUDE visa formar docentes e preceptores em Saúde da Família já teve duas turmas de 200 alunos cada com profissionais da área de medicina e neste mês de agosto inicia sua terceira turma, com mais 200 profissionais de medicina, enfermagem e odontologia. Ao longo do tempo a Rede tem apoiado a divulgação do conhecimento por meio da publicação regular de Boletins semanais e a participação em números especiais sobre APS de revistas científicas, como por exemplo, Saúde em Debate e Ciência e Saúde Coletiva. Em 2019, a Rede lançou a publicação online quadrimestral APS em Revista com o objetivo de ampliar a comunicação e a articulação sobre o tema entre pesquisadores, profissionais, gestores e população.

A Rede APS completa 10 anos em cenário de grande crise sanitária, política, econômica e social do país. Qual a importância da atenção primária neste contexto?

Luiz Augusto Facchini: A pandemia de Covid-19 chegou ao país e agravou exponencialmente as crises econômica, social, política e sanitária decorrentes do modelo neoliberal em curso no país. Neste momento, conforme os registros oficiais, o país apresenta mais de 2,7 milhões de casos e cerca de 95 mil óbitos decorrentes da Covid-19. Há mais de um mês morrem mais de 1000 pessoas por dia do novo coronavírus, o que torna a doença a primeira causa de morte diária no país. Este cenário devastador requer coordenação nacional e abordagem sistêmica muito distinta da protagonizada pelo governo federal, alguns estados e municípios. Para evitar o desperdício dos escassos recursos é necessário uma forte ação de testagem com RT-PCR e vigilância de contatos de pessoas com teste positivo e com sintomas respiratórios. Esta ação somente será efetiva se a APS for articulada com as demais iniciativas, se houver investimento na infraestrutura dos serviços, principalmente de internet, computadores, celulares, equipamentos de proteção dos profissionais, testes, insumos para manejo clínico dos doentes e acompanhamento da população em seus domicílios. A todos estes investimentos é preciso somar iniciativas de educação permanente dos profissionais de APS tanto para o manejo da Covid-19 e usos de EPIs, quanto para a adaptação das atividades dos usuários regulares dos serviços, como por exemplo, gestantes e pessoas com condições crônicas de saúde. Portanto, para reduzir os efeitos perversos da pandemia, proteger a população e reduzir a mortalidade será necessário priorizar a APS, especialmente a Estratégia Saúde da Família e o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde.

A Rede APS desenvolveu a pesquisa “Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS” por meio de questionários com profissionais e gestores de saúde. Seria possível uma breve avaliação do que a pesquisa evidenciou?

Luiz Augusto Facchini: A pesquisa evidenciou carências importantes da rede básica de saúde para enfrentar os desafios da pandemia, mas também suas potencialidades. Em todo o país houve uma marcante mobilização dos profissionais de saúde da APS/ESF adaptando as atividades cotidianas nas UBS às exigências de segurança dos usuários e dos profissionais. A suspensão do atendimento foi pequena e a criatividade é a marca da resposta da APS. Infelizmente há necessidade de suprir os serviços com equipamentos de segurança e proteção dos trabalhadores, como por exemplo máscaras, óculos ou elmo e aventais impermeáveis. Também é preciso garantir materiais e insumos para diagnóstico, manejo e acompanhamento dos casos, como por exemplo, teste RT- PCR, oxímetro, oxigênio e termômetro infravermelho. Além disso é necessário propiciar a todos os serviços e profissionais da APS o acesso à internet de boa qualidade, telefone celular e computador, de modo a viabilizar o atendimento e o monitoramento remoto de usuários com Covid-19 e outros problemas de saúde. A pesquisa também identificou uma carência de capacitação e educação permanente dos profissionais para uso de EPIs, diagnóstico e manejo da Covid-19 e dos demais problemas de saúde. Este é um tema no qual a academia pode contribuir fortemente, além de subsidiar a organização dos serviços e o acompanhamento da evolução da pandemia.

Por fim, quais desafios o senhor vislumbra para o cenário pós-pandemia?

Luiz Augusto Facchini: O maior desafio, de meu ponto de vista, é garantir o financiamento para viabilizar os investimentos necessários e a adequação dos serviços e das práticas profissionais aos novos tempos. Em muitos lugares pequenos e remotos a APS/ESF é o único serviço de saúde disponível. Portanto, para enfrentar os desafios atuais e futuros será necessário no mínimo dobrar os recursos destinados à APS. Sem investimentos o futuro será de agravamento da situação atual, especialmente para as populações mais pobres e vulneráveis.

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