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SISTEMA PÚBLICO OU PRIVADO DE SAÚDE

Por Vitor Gomes Pinto e Geniberto Paiva Campos


Brasília, março/2013

 

À medida em que avança o século XXI e as sociedades se modernizam em velocidade exponencial, o setor saúde com seus custos crescentes consolida-se no papel de calcanhar de Aquiles para os governos e para as populações tanto dos mais quanto dos menos avançados países do planeta. Os tempos atuais mostram-se particularmente agitados e incômodos até mesmo para os modelos do Estado de Bem Estar Social ao qual se haviam acostumado os europeus.

O Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido, exemplar para o mundo inteiro, que resistiu à fúria de Margareth Thatcher, agora fraqueja diante da ofensiva liberal do governo conservador de David Cameron que mantém no comando da área a David Nicholson apesar da ruidosa campanha popular pedindo a sua renúncia. Nessa nova onda, gradativamente o modelo de sistema público de prestação de serviços cede espaço, suplantado por um regime híbrido no qual prevalecem os comerciantes que vendem seguros e planos de saúde.

Uma maior competitividade entre prestadores de serviços públicos e privados, num desmonte acelerado dos sistemas estatais e universais, é também a justificativa para as drásticas mudanças antes ocorridas na Holanda e agora para os cortes orçamentários nos programas federais de saúde aplicadas pelo governo de Mariano Rajoy de acordo com o ideário privatista do Partido Popular espanhol. Em Portugal, sempre orgulhoso do seu Sistema Nacional de Saúde, já metade das consultas médicas são feitas por instituições privadas lideradas por fortes grupos econômicos como o Espírito Santo Saúde. Ao saírem da proteção e do domínio soviético, os países do leste europeu abandonaram o modelo estatal de proteção universal e gratuita para caírem nos braços de variados sistemas de seguro privado ou da clínica particular pura e simples, a duras penas mantendo serviços governamentais para as crianças e suas mães. 

       
Avolumam-se as notícias de que o governo federal brasileiro está para lançar um pacote de benesses favorecendo as Operadoras de Planos de Saúde com o objetivo de deter a avalanche de críticas da população e, certamente, obter dividendos eleitorais junto às classes média e emergente.  Anunciando com fanfarras que a banda iria passar, a revista Veja em janeiro último (“Soluções instantâneas capazes de fazer o Brasil virar um foguete”) deu voz à proposta do economista André Médici de instituir planos de saúde para os mais pobres “com preços subsidiados para quem, efetivamente, não pode pagar”. A grande pergunta – de onde sairá o dinheiro? – acaba de ser em parte respondida em curta notícia da Folha de São Paulo de 27 de fevereiro: “Governo federal negocia para ampliar acesso a planos de saúde”. A presidenta Dilma Rousseff, acenando com um pacote de redução de impostos e financiamento para expansão da rede privada, vem se reunindo com representantes do Bradesco, Qualicorp e Amil. A proposta é vista como uma marca do Executivo na saúde, uma das áreas mais criticadas pela população.


De imediato a Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva – protestou contra o que denominou de escandalosa transferência de recursos públicos para o setor privado feita por quem deveria defender a Constituição (no artigo 196 diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” e no 199 que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”). A nota defende o SUS, considerando-o um sistema não consolidado, pois o gasto público é muito baixo para um sistema que por lei deveria ser de acesso universal e igualitário.


As apostas são de que a administração do PT, após dez anos em que deixou o Sistema Único de Saúde esvair-se à míngua de apoio e de recursos, investirá pesado no pacote que pelo menos no curto prazo lhe será politicamente favorável. Chegando ao meio do seu governo sem qualquer solução efetiva para o setor saúde, a presidenta parece cansada e quer soluções bombásticas. Primeiro tentou as UPAs, Unidades de Pronto Atendimento – hoje já estão em cem municípios brasileiros – que a ajudaram a conseguir o primeiro mandato, mas agudizou a desorganização do setor. Sem força ou vontade para regular a “suplementariedade” do setor privado, investiu no fortalecimento das relações com as seguradoras e cooperativas via Agência Nacional de Saúde e em medidas sem impacto positivo relevante como a Emenda 29 que não destinou mais recursos ao setor e o decreto 7508 de 2011 de regulamentação da Lei do SUS que burocratizou ainda mais o sistema.


Planos de saúde baratos servem a uma clientela jovem que normalmente pouco utiliza a rede de serviços, mas a oferta de consultas e exames laboratoriais básicos é inegavelmente um forte atrativo para quem hoje acha que está desprotegido. O SUS funcionará como retaguarda, tendo de arcar com atendimentos complexos, longas internações, toda a atenção primária (áreas que não dão retorno financeiro) e a proteção aos mais velhos e às doenças crônicas que hoje respondem pelo grosso das consultas e da mortalidade. Se, por um lado, pouca ajuda receberá do conjunto de medidas patrocinado pelo governo, por outro lado poderá ser severamente golpeado ao ver em muito diminuídas suas chances de ser financiado de maneira adequada. O SUS parece um organismo debilitado, com baixa imunidade, sujeito ao ataque de doenças e pacotes oportunísticos que ameaçam consumir-lhe as derradeiras forças.      
 

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