História e Memória
Brasília, 27 de setembro de 1979
O marco inicial da história da Abrasco começa em Brasília, em 1979, durante a 1ª Reunião sobre Formação e Utilização de Pessoal de Nível Superior na Área da Saúde Coletiva, na sede da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS). Pesquisadores, trabalhadores e estudantes da área participaram da Assembleia de de Fundação da entidade, formalizando a constituição da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
O objetivo do grupo era criar um espaço de diálogo entre pessoas e instituições envolvidas com os programas de pós-graduação em medicina social, medicina preventiva e saúde pública, e também formar uma entidade interlocutora da comunidade científica, que começava a se unificar na área da Saúde Coletiva.
Quase uma década antes da criação do Sistema Único de Saúde, o acesso aos hospitais públicos era restrito às pessoas com vínculo empregatício, o que garantia contribuição com a Previdência Social. Quem não tinha emprego formal dependia de caridade e filantropia.
A formalização da Abrasco como entidade científica vinha também da expectativa de produzir conhecimento a fim de subsidiar políticas de enfrentamento às iniquidades em saúde e contribuir para a universalização do direito à saúde no Brasil.
Movimento da Reforma Sanitária
Para compreender esse movimento, é importante lembrar o contexto político da época. Entre 1964 e 1985, o Brasil esteve sob uma ditadura civil-militar, que torturou, exilou e matou milhares de pessoas. Somando-se à resistência organizada que exigia a redemocratização do país e a anistia aos presos políticos e exilados, na metade da década de 1970, profissionais de saúde, militantes estudantis e sindicais reivindicavam a ideia de saúde como direito, que passaria a ser conhecido como Movimento da Reforma Sanitária. Ainda que com características específicas, o surgimento do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), em 1976, e da Abrasco resultam deste nascente movimento social.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, foi um marco importante para o movimento sanitarista. Na ocasião, foram elaboradas as primeiras diretrizes para a criação de um sistema de saúde público, gratuito e universal. No mesmo ano, aconteceu o 1º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão, no Rio de Janeiro, cujo tema foi “Reforma Sanitária e Constituinte: garantia do direito universal à saúde”, refletindo as discussões do momento.
No ciclo que compreende a preparação e mobilização da 8ª Conferência até o processo da Assembleia Nacional Constituinte, encerrada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, Abrasco e Cebes tiveram um grande protagonismo político, contribuindo decisivamente para a inclusão do Sistema Único de Saúde na Carta Constitucional.
O SUS é uma grande vitória do povo brasileiro. No entanto, desde os debates em torno da sua regulamentação, que aconteceram logo após a Constituinte e resultaram na Lei 8.080/1990, o SUS vem sofrendo com ataques aos seus pilares, com destaque para o subfinanciamento crônico. Por isso, a Abrasco permanece, ao longo das décadas, atuando para que a universalização do direito à saúde seja uma realidade em nosso país.
A Abrasco é uma entidade científica
O objetivo dos associados fundadores, de criar um espaço de troca de saberes, segue vivo durante os mais de quarenta anos da instituição. A Abrasco estimula a produção de conhecimento científico, a formação de docentes e pesquisadores para compor as instituições de ensino e pesquisa, assim como técnicos e sanitaristas para atuar na gestão e nos serviços do SUS.
Nos anos 1990 e 2000, período marcado pela implementação e estruturação do SUS, a Associação participou ativamente dos intensos debates a respeito da reorganização dos serviços de saúde, com a municipalização, de como suprir carências do sistema e garantir a sua sustentabilidade, por meio de financiamento adequado e estável.
Ao mesmo tempo, a Abrasco atuou para consolidar a Saúde Coletiva como área de conhecimento. A criação da área de Saúde Coletiva na Capes, em 1993, e do Comitê de Assessoramento de Saúde Coletiva e Nutrição no CNPq, em 2000, foram dois marcos da institucionalização da Saúde Coletiva e do seu reconhecimento como área de conhecimento específica. A existência de uma área própria na Capes e a demanda do sistema de saúde permitiram a expansão dos Programas de Pós-graduação stricto sensu observada nesse período, ampliando, inicialmente, a oferta de cursos de mestrado e, na sequência, de doutorado e mestrados profissionais.
Assim, a Saúde Coletiva passou de apenas seis PPGs, existentes no momento da fundação da Abrasco, concentrados nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, para 25 programas, em 2000, e 57, em 2010, sendo 41 programas acadêmicos e 16 profissionais, presentes em todas as regiões do país, ainda que de maneira desigual.
O processo de implantação do SUS e a consolidação da Saúde Coletiva foram acompanhados, no interior da entidade, pela formação de 15 grupos temáticos, da Comissão de Ciência & Tecnologia em Saúde, em 1995, do Fórum de Coordenadores dos PPG em Saúde Coletiva, em 1997, e da reorganização da Comissão de Política, Planejamento e Gestão da Saúde, em 2001.
O crescimento da comunidade de profissionais, pesquisadores e estudantes de Saúde Coletiva demandou a criação de novos espaços de circulação e divulgação do conhecimento produzido na área. Foi neste período que a Associação passou a editar dois periódicos: Ciência & Saúde Coletiva, criada em 1996, e Revista Brasileira de Epidemiologia, publicada desde 1998.
A realização de congressos temáticos também favoreceu a ampliação desses espaços. Dessa forma, além de dar continuidade às edições do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, a Abrasco passou a organizar mais três eventos técnico-científicos: o Congresso Brasileiro de Epidemiologia, desde 1990, o Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, desde 1995, e o Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde, desde 2010.
Além de promover o intercâmbio entre estudantes, professores, pesquisadores, integrantes de movimentos sociais, gestores e trabalhadores da saúde, esses encontros se constituíram como cenários para a produção dos consensos políticos e científicos e manifestação de dissensos que contribuíram para reforçar a Saúde Coletiva como um campo plural e, em consequência, passaram a ocupar um lugar central na identidade e na vida institucional da Abrasco.
Reforma
Institucional
Além do fortalecimento da pós-graduação em Saúde Coletiva, a Abrasco também atuou na implementação dos cursos de graduação em Saúde Coletiva. Apesar da existência, desde 2002, do bacharelado em Administração em Sistemas e Serviços de Saúde, na UERGS, a graduação em Saúde Coletiva foi impulsionada pelos incentivos previstos no REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). Entre 2008 e 2014, foram criados 21 cursos, em todas as regiões do país, sendo 16 em Instituições Federais, 3 em Instituições Estaduais e 2 em Instituições Privadas. Contudo, após seis anos de tramitação, somente em 2022 o Ministério da Educação homologou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Saúde Coletiva. A expansão do bacharelado colocou em evidência as mudanças que estavam em curso na Saúde Coletiva. Para refletir e atualizar a Abrasco ao novo momento do campo, em 2010 foi desencadeado um processo de reforma institucional, que deveria ser concluído no final de 2011, mas se estendeu até 2014. A Assembleia Geral de 2011, no 8º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em São Paulo, foi palco de uma deliberação importante: o nome da entidade de “Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva” para “Associação Brasileira de Saúde Coletiva”. Entretanto, apesar da retirada da “pós-graduação” do nome da Associação, a Assembleia reafirmou o caráter científico da Abrasco, rejeitando a ideia de associação corporativa ou profissional.
Já a Assembleia de 2013, realizada no 6º Congresso Brasileiro de Ciência Sociais e Humanas em Saúde, no Rio de Janeiro, aprovou o novo Regimento Interno da entidade, normatizando o funcionamento dos Grupos Temáticos, dos Fóruns e das Comissões. Dessa maneira, as Comissões passaram a ser compostas por representantes dos associados institucionais da Abrasco. Outra mudança aprovada em 2013 foi a ampliação do número de vice-presidentes, de 5 para 10, e de conselheiros, de 5 para 11.
A indicação de representantes dos associados institucionais para as Comissões e a ampliação do Conselho buscaram fortalecer a presença das instituições nessas instâncias da Abrasco. Além disso, essas medidas e a ampliação da Diretoria tiveram como objetivo assegurar a pluralidade e a diversidade no interior da Associação.
Em 2014, na Assembleia realizada no 9º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em Vitória, foi aprovada a criação de uma nova estrutura: os Comitês de Assessoramento. Com essa alteração, a Comissão de Ciências & Tecnologia em Saúde passou a se chamar Comitê de Ciência & Tecnologia em Saúde.
Além de regulamentar o funcionamento das estruturas existentes e criar novas, durante e após o processo de reforma institucional, a Abrasco expandiu e diversificou ainda mais a sua composição com a criação, em 2010, da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde e do Fórum de Graduação em Saúde Coletiva, em 2014, do Fórum de Editores de Saúde Coletiva, em 2016, do Comitê de Relações Internacionais e de mais seis Grupos Temáticos, entre 2013 e 2019.
Pandemia de Covid-19 e resistência:
história recente da Abrasco
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de Covid-19. Entre 2020 e 2022, mais de 600 mil brasileiros morreram em consequência das complicações da doença. Segundo estimativas, pelo menos 400 mil mortes poderiam ser evitadas, se o governo da época agisse de acordo com as orientações científicas, com o objetivo de salvar vidas.
Desde o início da crise sanitária, a Abrasco atuou para produzir respostas e enfrentar a negligência do Governo Federal, em especial, do Ministério da Saúde. A doença chegou ao Brasil em um cenário de piora das condições de vida das populações vulnerabilizadas, com aumento da fome e de desigualdades, retirada de direitos e estrangulamento de políticas sociais imposto pela Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos por 30 anos.
A mobilização do movimento sanitarista foi essencial para a resistência: junto com outras entidades da saúde, a Abrasco articulou a Frente Pela Vida, que reuniu outras organizações da sociedade civil. Além de manifestações, a Frente Pela Vida esteve presente em diversas audiências públicas em âmbito Legislativo, produziu documentos – como um Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19 – e denunciou as ações negacionistas, inclusive para órgãos internacionais. A pressão da Frente Pela Vida foi fundamental para garantir que a população brasileira fosse vacinada contra a Covid-19.
A Abrasco também participou de processos como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF Nº 709), movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) junto ao Supremo Tribunal Federal. O objetivo era garantir cuidado com os povos indígenas, diante da doença, assim como um plano de vacinação para essa população.
Fortalecer o SUS
Diante da instabilidade política e social no país, a entidade envolveu-se no movimento pela retomada democrática. Em 2022, ano de eleição presidencial, a Associação lançou a campanha “Sem o SUS, não há saúde para todos”, a fim de pressionar candidatos a apresentarem suas propostas relacionadas ao SUS, e conscientizar a sociedade sobre a importância do sistema.
Dossiê Abrasco - Pandemia de Covid-19
Para além da inserção institucional da Abrasco, os associados estiveram imersos na produção e troca de conhecimentos para a promoção da saúde, prevenção de riscos e da doença, além do tratamento da Covid-19. O Dossiê Abrasco - Pandemia de Covid-19 conta essa história.
Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19
Apresentado em diversos eventos universitários, em conselhos de saúde e em movimentos sociais, o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 traz uma visão sobre a complexidade da pandemia de Covid-19 vivenciada no mundo e, em particular no Brasil. Nesse olhar, vários eventos biológicos, biomédicos, tecnológicos, populacionais e sociais ocorrem em simultâneo, o que exige também múltiplas formas de entendimento e de resposta.