O Plenário do Supremo Tribunal Federal julga, a passos lentos, a Ação Direta de Inconstitucionalidade -ADI 5543 processada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que proíbem homens – homossexuais e bissexuais – de doarem sangue pelo período de 12 meses a partir da última relação sexual. As sessões de votação sobre o caso se estenderam pelas duas últimas semanas do mês de outubro, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos , ou seja, interrompeu a votação para que o processo fosse encaminhado para o seu gabinete. A justificativa da proibição vigente é que homens que fazem sexo com outros homens têm mais chances de portar o HIV e, portanto, transmiti-lo através da transfusão sanguínea.
A votação começou em 19 de outubro quando o relator do caso, ministro Edson Fachin, posicionou-se a fim de derrubar a restrição: “Apesar de não mais se verificar norma de proibição perpétua, ao se exigir mesmo assim lapso temporal de 12 meses, esta condição pode se revelar como negação de qualquer possibilidade do exercício desse ato maior de alteridade para todos que exerçam a sua liberdade [sexual]. Esta restrição que deriva dessa normativa consiste praticamente em quase vedação, de forma a violar uma forma de ser e de existir. Viola-se objetivamente a todas e cada uma dessas pessoas e também viola o fundamento próprio de nossa comunidade no respeito à diversidade que é a própria dignidade da pessoa humana”.
Na semana seguinte, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux fizeram coro a Fachin, completando 4 votos favoráveis ao veto, enquanto Alexandre de Moraes votou pela procedência parcial da ação, sugerindo uma mudança na regra e propondo que o sangue do grupo em questão deva ser armazenado durante o tempo entre a infecção pelo vírus e a possibilidade de detectá-lo, a denominada “janela imunológica”. Na última sessão (26/10) , quando votariam Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes , o último paralisou o processo. Na teoria, o ministro pode reter o documento por no máximo 20 dias, mas não há obrigatoriedade.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas Direito Rio , publicada em 2014 e intitulada “O Supremo e o tempo”, indica que 22% dos julgamentos em que foram solicitados pedidos de vista foram devolvidos no prazo. Os casos devolvidos depois dos 20 dias, no entanto, têm uma média de 443 dias de vista. Entenda mais sobre a pesquisa em matéria do portal Nexo.
Posicionamento oficial do GT de Gênero e Saúde da Abrasco
O Grupo Temático Gênero e Saúde (GTGen/Abrasco) posiciona-se a favor da queda da norma que proíbe homens homossexuais de doarem sangue. A coordenadora do GT, Daniela Knauth – professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – reforça o posicionamento justificando que o controle deve ser baseado na prática segura das relações sexuais e na investigação do material doado, independendo de orientação e sexo: “Somos favoráveis à suspensão desta restrição. O que deve ser considerado no momento da doação é ter tido relação sexual desprotegida, sem o uso do preservativo, seja hétero ou homossexual”.
Daniela explica que a alta prevalência de sífilis no país comprova que homens heterossexuais também estão igualmente expostos a doenças sexualmente transmissíveis, portanto, à AIDS. Assim, restringir o risco às relações homossexuais não é coerente: “A restrição da doação de sangue por homens que declaram ter tido relações sexuais com outros homens é uma forma de discriminação deste grupo, prejudicando não apenas os homossexuais, mas também as pessoas que necessitam de sangue”.