O mercado de trabalho brasileiro continua sofrendo fortemente com a recessão econômica. No segundo trimestre deste ano, a taxa de desemprego no Brasil subiu para 11,3%,segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua publicados dia 29 de julho. Até o fim junho, o país tinha 11,6 milhões de pessoas procurando emprego. Este é o maior patamar de desemprego já registrado pela pesquisa desde o início da série, em 2012. A população desocupada cresceu 4,5% em relação ao primeiro trimestre que registrou um desemprego de 10,9%. Já na comparação com o segundo trimestre de 2015, o aumento foi de 38,7%. Naquela época a taxa era de 8,3%. Em um ano, houve um acréscimo de 3,2 milhões de pessoas desempregadas no Brasil.
Foi diante destes números que especialistas em saúde participaram do 14º Seminário Internacional Proteste de Defesa do Consumidor, que aconteceu em São paulo, na terça-feira, 31 de agosto. Nele, foram debatidos os impactos da crise econômica, tanto para o Sistema Único de Saúde quanto para o mercado de saúde suplementar. O aumento do desemprego e outros fatores trouxeram impactos para o setor de saúde suplementar e, consequentemente, para o SUS. Mais de 1,6 milhão de brasileiros deixaram de ter planos de saúde nos últimos 12 meses, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entre os participantes estava José Sestelo, vice-presidente da Abrasco e pesquisador do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre o Empresariamento da Saúde – GPDES, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Seminário contou ainda com a participação da professora Ligia Bahia, membro da Comissão de Política da Abrasco, com a palestra ‘A reconfiguração empresarial e seu impacto para o consumidor’.
Para a professora Ligia, direitos e consumo não são conceitos que se misturam facilmente – “Inicialmente significaram padrões opostos de condições e estilos de vida. No entanto, o movimento consumerista mundial tem traços fundamentalmente progressistas, priorizam o uso de bens e serviços que afetam diretamente a vida. No Brasil as entidades de defesa do consumidor são fortes aliadas nas lutas pela saúde, desde as que envolvem transgênicos, agrotóxicos, alimentos utltraprocessados até a rejeição aos planos baratos propostos pelo Ministro interino Ricardo Barros. O seminário foi uma oportunidade para reafirmar e renovar compromissos. Os consumidores declararam-se contra a redução de recursos para o SUS e restrição de coberturas de planos privados. Nós os pesquisadores presentes ao evento assistimos exposições relevantes sobre inquéritos de satisfação de entidades de defesa dos consumidores em Portugal e apresentamos evidências relacionando a privatização predatória com a segmentação e iniquidade do sistema de saúde no Brasil”
Para José Sestelo, a ideia central do seminário foi discutir o impacto da crise econômica sobre o setor de planos de saúde e seus reflexos sobre os clientes das empresas que atuam na intermediação da assistência médica – “O que se coloca no primeiro plano da discussão, portanto, é o aspecto econômico setorial e as relações de consumo implícitas. Existem, entretanto, aspectos estruturais que envolvem a economia setorial, os clientes e os prestadores da assistência que não podem ser deixados de lado se pretendemos construir uma descrição mais fidedigna dos fenômenos implicados e ampliar nossa capacidade de formulação de soluções efetivas para a crise. Em outras palavras, é preciso levantar o olhar para o conjunto do sistema de saúde, as políticas sociais promovidas pelo Estado, sua base de financiamento e os elementos políticos que sustentam essas estruturas”, explica Sestelo.
Para o pesquisador, a primeira questão a ser enfrentada diz respeito à decisão política de dotar o país de um sistema de saúde integrado e abrangente – “Essa decisão foi tomada no Brasil pelos constituintes de 1988 não por acaso. Ela pode ser entendida como uma resposta oportuna a uma crise sanitária e social que se arrastava ao longo do período final do regime militar. (…) Uma vez admitida a necessidade de estabelecer um nível alto de coordenação e integração entre as iniciativas assistenciais é preciso dar um segundo passo no sentido de ajustar e modular a articulação entre os elementos públicos e privados desse sistema de forma a evitar que seja disfuncional, ou seja, é preciso que cada coisa encontre o seu lugar e as diversas ações ocorram dentro de limites que assumam o fato de que a saúde é um bem de relevância pública. Não se trata de negar a possibilidade de espaço para a iniciativa privada nem para a prática comercial dentro do sistema, mas de delimitar mais claramente as interfaces de articulação entre esse tipo de negócio e a dimensão pública sabendo previamente que, em caso de dúvida, o que deve prevalecer é a necessidade sanitária e o interesse púbico”, ressaltou. “Em um país tão desigual às vezes se perde a noção de que, em alguns aspectos fundamentais da vida, todos estamos no mesmo barco e não é possível encontrar soluções particularizadas sem colocar em risco a sua própria segurança e de seus filhos e netos”, arrematou José Sestelo.
O Seminário contou ainda com a participação de José Carlos de Souza Abrahão, presidente ANS, que destacou que a atual crise tem impacto no sistema de saúde complementar – só em julho a perda foi de 170 mil beneficiários. Sandro Leal – superintendente da Fenasaude falou sobre os obstáculos atuais para as operadoras e mostrou que elas vêm buscando para diminuir despesas administrativas nesse atual momento de recessão da economia. Já Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do Centro de Estudos em negócios do instituto de pesquisa- Insper destacou que os gastos com plano de saúde vem aumentando, e que há pouco incentivo para a redução dos custos. Maria Inês Dolci, Coordenadora Institucional da Proteste, encerrou o debate ressaltando a importância da população cobrar seus direitos, especialmente nesse período de eleições -“devemos estar atentos às propostas”.