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“Temos de despatriarcalizar e descolonizar o Estado brasileiro” apontam pesquisadoras negras

Pedro Martins

Na véspera do dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, a Ágora Abrasco dedicou um espaço especial para o debate das mulheres negras e suas vivências em nossa sociedade. Foi com muita profundidade, sensibilidade e força que as participantes do painel Mulheres negras no contexto pós-pandemia e as barreiras no acesso a direitos sociais e de saúde” abordaram conquistas e problemas que fazem parte do cotidiano dessas mulheres. E para ter um debate que conseguisse abranger a diversidade de experiências que o tema pede, foram essenciais as presenças das debatedoras Elaine Oliveira Soares (coordenadora da Política de Saúde da População Negra da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e integrante dos GT Racismo e Saúde da Abrasco); Lucélia Luz (professora do DSS/UnB e integrante dos GT Racismo e Saúde da Abrasco) e Wânia Sant’Anna (vice-presidente do conselho curador do Ibase e integrante da Coalizão Negra por Direitos). Além das três painelistas, o evento contou com a coordenação de Alaerte Leandro Martins (fundadora da Associação Pelourinho da Lapa e integrante da Rede de Mulheres Negras do Paraná).

Pandemia escancarou sexismo e racismo já existentes

Para iniciar o debate, Elaine Oliveira frisou que todas as “conquistas no campo dos direitos foram às custas de feridas nos corpos das mulheres negras”. Elaine destacou a importância da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Segundo ela, essa política é fruto do esforço e abnegação dessa população, mas apenas 193 dos mais de cinco mil municípios do país têm a instância para implementar o programa. Além disso, Elaine apontou diversos mecanismos de as sociedade reafirmar as desigualdades e manter privilégios para determinados grupos excluindo a maioria negra da população. Sobre o cenário pós-pandêmico, Elaine acredita que o Estado deve manter o reforço nas desigualdades: “Neste contexto de pandemia, e mesmo de pós-pandemia, as previsões não boas, principalmente para as populações vulnerabilizadas, desempregados, sem moradia, em sua maioria negra. A perspectiva é de que os recursos fiquem menores sob o argumento de estarem escassos”.

“As causas das desigualdades sociais são multifatoriais. Mas, muitas vezes, ocorre um silenciamento sobre essas desigualdades estruturais e a pandemia”. Foi com essa frase que Lucélia Luz abriu sua intervenção no painel. A professora destacou que o racismo e o sexismo sempre foram elementos presentes e fortes em nossa sociedade e que a pandemia só expôs ainda mais essas desigualdades. A falta de um olhar mais direcionado para as populações fora dos centros urbanos foi problematizada também. Segundo Lucélia, as maioria das seis mil comunidades quilombolas estão na zona rural do país e ficam desassistidas pelas políticas de saúde e assistência social. Para o pós-pandemia, ela alertou para a necessidade de reforço de um trabalho intersetorial: “ Reforçar o elo do SUS com o SUAS é fundamental. Também temos de despatriarcalizar e descolonizar o Estado brasileiro. Desnaturalizar o sexismo e o racismo. O primeiro passo é reconhecer a importância de dialogar sobre isso”.

Com racismo não há democracia!

A fala que Wânia Sant’Anna tinha preparado para o painel ficou de lado diante de uma experiência que ela vivenciou momentos antes do início do debate. Segundo ela, foram alguns minutos de tiroteio intenso próximo à sua casa. Diante do fato, Wânia enfatizou: “Não há humanidade que resista, que esteja aqui e não imaginar o que aconteceu lá fora. Não sei quantos corpos caíram, mas provavelmente caíram. O fato é que nós precisamos parar. Não era para cair nenhum deles”. Partindo dessa experiência, Wânia ainda expôs toda a construção da desigualdade racial no país, o genocídio da população negra e a falta de políticas de Estado para resolver tais questões. Ela questionou ainda como pode se dar a construção social daqui para frente: “Como vai ser? Do jeitinho esculhambado e racista? Até onde estamos dispostos a dizer ‘não tô nem aí’. Ficamos 132 anos fazendo desse jeito mequetrefe e tocando o barco. Mas aviso, desse jeito não vai ter jeito. É barbárie”. E para realmente o país virar nação e viver com democracia, a pesquisadora destacou a campanha promovida pela Coalizão Negra por Direitos “Enquanto houver racismo, não heverá democracia!”.

Confira a íntegra do painel na TV Abrasco:

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