O Brasil vivenciou um apagão de dados sobre a pandemia exatamente no momento em que o surgimento de uma nova variante, a Ômicron, contribuiu para desenhar novos cenários de riscos. Desde o início de janeiro de 2022 o número de casos de Covid-19 vem crescendo de forma acelerada e intensa, de modo que em menos de um mês já é quase o dobro do patamar alcançado entre março e junho de 2021. O número de óbitos, ainda que bastante inferior aos piores períodos de 2020 e 2021, apresenta uma reversão da queda que vinha apresentado no segundo semestre do ano passado, queda resultante, em grande parte, da ampliação da cobertura vacinal que reduziu em muito os casos críticos e graves, bem como as demandas de internação em leitos UTI.
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Embora a variante Ômicron apresente como característica um potencial de transmissão muito maior do que as anteriores, a contínua ausência de campanhas que estimulem medidas de proteção individual e coletiva como distribuição e uso de máscaras, distanciamento físico e social e higienização das mãos, combinadas com uma realidade de ônibus lotados nos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas do país e o aumento da circulação de pessoas no mês de dezembro e festas de fim de ano, vem contribuindo para o grande crescimento de casos no Brasil, com impactos crescentes no sistema de saúde e na mortalidade. Apesar de ter havido um início lento no processo de vacinação e da ausência de campanhas efetivas de estímulo para que a população se vacine, o fato de ter uma cobertura vacinal de 76,7% com primeira dose, 69,9% com esquema vacinal completo e 19,9% com dose de reforço vem contribuindo para que as taxas de mortalidade e letalidade sejam bastante inferiores às ondas de casos de 2020 e 2021.
O cenário atual é de ampla e intensa circulação de pessoas e do vírus (entre 70% e 90% das pessoas são assintomáticas), com cerca de 90% dos óbitos e 80% das internações concentrando- se em não vacinados ou em pessoas com vacinação incompleta. Em 31 de dezembro de 2021 a média móvel de casos era de 8.112, passando para 150.400 em 24 de janeiro de 2022, um crescimento de 18 vezes em menos de um mês. Mantendo-se esse ritmo os impactos na saúde da população e no sistema de saúde tendem a crescer, sendo urgente fortalecer as seguintes medidas para contenção deste crescimento:
- Universalização da testagem, com ampliação dos centros de testagem no SUS e disponibilização do autoteste mediante a utilização de todos os canais de distribuição disponíveis, devendo ser estudada a incorporação emergencial e provisória de testes de antígeno no “Saúde não Tem Preço”.
- Ampliação da cobertura vacinal para os diferentes grupos populacionais com busca ativa de quem ainda não tomou vacina e dos que tomaram apenas uma dose, além de aceleração da vacinação de crianças e adolescentes. Para a primeira dose ainda restam 36.324.558 sem vacinação e 50.432.973 de pessoas para completar o esquema vacinal com segunda dose. Parte desta população encontra-se nos municípios com menor IDH- M e menor estruturação do SUS, com percentuais cerca de 20% mais baixos para população com primeira e segunda dose. Essa desigualdade de cobertura também acontece regionalmente com municípios da região norte do país apresentando cobertura muito baixa e preocupante. A ampliação desta cobertura deve combinar uma campanha intensa e ativa do Ministério da Saúde de combate às fake news sobre vacinas, em particular para os grupos de crianças e adolescentes, bem como a adoção do certificado de vacinação nas escolas, locais de trabalho e ambientes fechados. Estratégias de busca ativa a partir da atenção primária, mutirões com oferta de vacinas em locais estratégicos, e a eliminação de barreiras burocráticas e/ou físicas para o acesso às vacinas devem ser imediatamente promovidas.
- Campanhas envolvendo a provisão de máscaras de maior poder de proteção para a população (máscaras cirúrgicas e PFF2) devem ser estimuladas pelo Ministério da Saúde e também pelas Prefeituras e empregadores. O estímulo ao uso delas em ambientes fechados e de grande concentração de pessoas deve ser promovido, além das medidas de distanciamento físico e social e da disponibilidade ampla de pontos para higienização das mãos com álcool 70%.
- Fortalecimento das equipes da atenção primária à fim de garantir acesso à vacina, testagem, ampla comunicação social e seguimento adequado para os casos de COVID como também para todas as outras doenças das quais houve retração no acompanhamento devido à pandemia.
Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2022
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva