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Ação de inconstitucionalidade pauta debate da macrojustiça do direito à saúde no STF

Thiago Campos no pleno do STF em 19 de outubro de 2017 – Foto: Reprodução TV Justiça

No último 19 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF)  iniciou um julgamento que entrará para a história da alta corte e do Sistema Único de Saúde (SUS): a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.595, – acesse aqui a peça – que questiona os dispositivos aprovados na Emenda Constitucional nº 86 (EC 86/2015) que reduzem o financiamento federal para as ações e os serviços públicos de saúde.  “Essa será a primeira vez que o Supremo se debruçará sobre o aspecto orçamentário do direito à saúde”, argumenta Thiago Campos, advogado e vice-presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa). Junto com o também advogado Fernando Facury Scaff, Campos fez a sustentação oral pelo mecanismo do amicus curiae, em nome do Idisa.

Na sustentação – clique aqui e acesse – o advogado, também membro da Comissão de Direito à Saúde da seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) e associado da Abrasco, afirmou que a redução nos recursos de destinação obrigatória representa, na prática, a perda ao direito à saúde. Ele destacou que a EC 86/2015 desrespeitou a regra que veda o retrocesso dos direitos sociais, pois em 2016 o valor aportado para a saúde foi menor que o do ano anterior, motivando, pela primeira vez, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) a reprovar o relatório de gestão do Ministério da Saúde. “Este julgamento é extremamente importante, pois externará à comunidade jurídica em geral e à sociedade que os direitos sociais devem ser implementados pelo Poder Público mediante à garantia de orçamento adequado, não permitindo retrocesso social”, reforçou ele em entrevista à Abrasco.

A ADI 5595 foi impetrada pelo então procurador Rodrigo Janot em 29 de setembro do ano passado e teve seus dispositivos suspensos em caráter liminar pelo ministro relator da ADI, Ricardo Lewandowski, em 31 de agosto deste 2017. Na inicial do julgamento do dia 19, foi lido o relatório da ADI e tomadas as duas sustentações orais dos amicus curiae, passando, na sequência, à leitura dos demais processos da ordem do dia. Assim que retornar ao plenário, o julgamento da ADI seguirá o rito da corte, com a leitura do voto do relator, seguida da colheita dos votos dos demais ministros. “A decisão cautelar proferida pelo ministro Lewandowski foi bastante elogiada pela profundidade e clareza dos elementos jurídicos em que se baseou, sendo um elemento a se considerar favoravelmente para quando do julgamento”, ressalta Thiago Campos, que lista também as demais ADI já impetradas no STF que questionam a EC 95/2016, que congela por 20 anos os investimentos em saúde e educação. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Abrasco: Como o STF tem votado e compreendido o tema do direito à saúde em suas jurisprudências?

Thiago Campos: Essa será a primeira vez que o Supremo se debruçará sobre o aspecto orçamentário do direito à saúde. O que temos visto é o Poder Judiciário manifestando-se sobre o acesso à saúde, no que veio a se denominar fenômeno da Judicialização da Saúde. Como pontuamos nas sustentações orais, o Supremo deixará de se debruçar sobre a microjustiça do acesso à saúde para passar a debater a macrojustiça do direito à saúde. Isso já vinha sendo trazido à discussão desde a Audiência Pública realizada em 2009 pelo então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, ele já pontuava que o Poder Judiciário estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), não tendo condições de avaliar critérios de justiça distributiva – o quanto disponibilizar e a quem atender, na perspectiva da macrojustiça. É por isso que este julgamento é extremamente importante. Externará à comunidade jurídica em geral e à sociedade que os direitos sociais devem ser implementados pelo Poder Público mediante à garantia de orçamento adequado, não permitindo retrocesso social, sob alegações de arrefecimento econômico com impacto no orçamento. A fixação da tese assegurará elementos para os debates que virão envolvendo a EC/95 e dará aos direitos sociais um novo patamar dentro do nosso ordenamento jurídico.

+ Leia o artigo O STF pode controlar o orçamento público?, de Maria Paula Dallari Bucci

Abrasco: Qual é o peso que o voto de um relator desempenha sobre os demais juízes da corte, tendo em vista que o ministro Lewandowski concedeu liminar suspendendo a EC 86/2015?

Thiago Campos: Em regra, a decisão judicial não deve depender da subjetividade do julgador, mas sim pautar-se na teoria do direito, nas suas fontes e leis, e especialmente, no caso, na Constituição Federal. Contudo, o que presenciamos cotidianamente é que cada um dos ministros vota conforme o seu próprio convencimento, nem sempre com elementos próprios do direito. Nesse sentido, um voto robusto do relator tem efeito sobre os demais ministros, mas não é possível afirmar o grau de influência que tal voto terá. No caso da ADI 5595, a decisão cautelar proferida pelo Ministro Lewandowski foi bastante elogiada pela profundidade e clareza dos elementos jurídicos em que se baseou. Ele cita voto do ministro Celso de Melo, utiliza referências doutrinárias das doutoras Ana Paula de Barcellos e Elida Graziane Pinto, do professor Fernando Facury Scaff e do especialista Francisco Funcia, e fixa sua tese no texto constitucional. É, portanto, uma decisão muito robusta do ponto de vista técnico-jurídico, sendo um elemento a se considerar favoravelmente para quando do julgamento.

+ Leia o artigo Uma brecha para salvar o SUS, de Grazielle David

Abrasco: Há outras ADI que questionam a EC 95/2016. Quais são e como estão sendo encaminhadas?

Thiago Campos: Já são muitas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade em curso no STF para questionar a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que congelou por 20 anos os gastos sociais, instituindo um novo regime fiscal. A primeira delas (ADI 5633) foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) em dezembro do ano passado (2016). Há ainda a ADI 5643, ajuizada pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal (Fenasepe); a ADI 5658, apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e a ADI 5680, de autoria do Partido Socialismo e Solidariedade (PSOL). Mais recentemente foram ajuizadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5715 e 5734), respectivamente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). As ações foram distribuídas por prevenção à ministra Rosa Weber, que ainda não se manifestou sobre o tema.

Abrasco: A Abrasco é uma sociedade científica da Saúde Coletiva. No entanto, cada vez mais esse universo se aproxima do campo jurídico, por uma série de fatores. Para você, como operador do direito e associado Abrasco, qual o papel que a Associação e demais entidades estritamente da saúde poderiam promover para ampliar a conscientização/aproximação de seus temas e pautas com os operadores do direito comprometidos com a efetivação do direito à saúde e com o fortalecimento do SUS?

Thiago Campos: A aproximação dos temas da Saúde Coletiva com os do Direito tem reacendido o debate sobre a construção de um campo próprio de estudos, o que denominamos Direito Sanitário. Ainda pouco reconhecido entre nós, o estudo do Direito Sanitário já produz em diversos países um ambiente melhor, senão de menor grau de conflitos, ao menos com maior abertura para soluções adequadas e tecnicamente acertadas do ponto de vista sanitário. A interface entre o direito e a saúde é inevitável dentro de um sistema normativo cada vez mais transversal e multidisciplinar. Nesse sentido, entendo que a Abrasco tem um papel fundamental no fomento desse debate e na construção desse campo do saber, criando pontes necessárias, tanto na formação de novos profissionais das carreiras do direito quanto na formação dos sanitaristas. Decodificar linguagens, construir interfaces e projetar saberes de forma harmoniosa permitirão a construção cada vez mais robusta do sistema de saúde que desejamos.

Assista ao início do julgamento da ADI 5595, com a leitura do relatório de instrução e sustentação oral dos advogados Fernando Facury Scaff e Thiago Campos (começa em 9’16” e vai até 39’40”)

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