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 NOTÍCIAS 

UFPB concede título de Doutor Honoris Causa à Maria Fátima de Sousa

Vilma Reis

A vice-presidente da Abrasco, Maria Fátima de Sousa, do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília, recebeu nesta quinta-feira, 08 de maio, em João Pessoa, o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal da Paraíba. A solenidade foi prestigiada pela Vice-Reitora da UnB, Sônia Báo; pela Diretora da Faculdade de Ciências da Saúde (FS), Lilian Marly de Paula; pelo Vice-Diretor da FS, Edgar Merchan Hamann, e pela atual coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), Ana Valéria M. Mendonça. Também participaram estudantes de grade Maria Fátima:

 

Discurso proferido pela professora Maria Fátima, ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Paraíba

Magnífica Reitora da Universidade Federal da Paraíba, Professora Doutora Margareth de Fátima Formiga Melo Diniz
Excelentíssimo vice-reitor da Universidade Federal da Paraíba, Professor Doutor Eduardo Ramalho Rabenhorst
Excelentíssima vice-reitora da Universidade de Brasília, Professora Doutora Sônia Báo
Senhora diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, Professora Doutora Lilian Marly de Paula
Senhor vice-diretor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, Professora Doutor Edgar Merchan Hamann
Senhora coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília, Professora Doutora Ana Valéria Machado Mendonça
Ilustríssimos estudantes, servidores e colegas da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de Brasília
Excelentíssimas autoridades aqui presentes, Queridas amigas e amigos, Senhoras e senhores, Boa noite!

 

Receber o título que me foi concedido, generosamente, pela Universidade Federal da Paraíba, é receber um galardão do mais alto valor. Não poderia receber maior honra da minha própria casa. Diga-se, uma imensa honra, pelo significado que esta Universidade tem na minha vida pessoal e profissional. Significado não somente no aspecto formal acadêmico, pois aqui não fui uma passante em busca de um diploma de enfermeira, de residente em medicina preventiva e social, muito menos de mestre em ciências sociais. Toda essa formação me enriqueceu, é bem verdade, mas o que de fato eleva minha alma é ter aprofundado nesta instituição minha formação como cidadã.

 

É ter aprendido nos mais diferentes recantos da nossa UFPB, a compreender a condição humana, nos dizeres de Hannah Arendt, a ler entre linhas os determinantes sociais e de saúde que limitavam as mulheres e os homens simples do povo a se tornarem sujeitos do seu próprio destino.

 

Aqui aprendi as lições de Paulo Freire:

 

“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.” Aqui aprendi a compreender que devemos colocar as pessoas em primeiro lugar, no patamar de uma ética e compromisso social com o desenvolvimento humano como nos instiga Amartya Sen e Bernardo Kliksberg. Posso dizer, Magnífica Reitora e demais autoridades, aqui nesta casa, aprendi a pensar o meu Estado, o Nordeste e suas inserções no Brasil. A consequência desta afirmação me faz lembrar um eco da frase do filósofo e matemático francês Pascal: “Nada é mais difícil que pensar”.

 

Senhoras e senhores, o dia de hoje, sem dúvida alguma ficará gravado em meu coração pois vocês não têm dimensão do simbolismo deste ato. Não me queiram arrogante, nem vaidosa aos extremos, mas cabe-me compartilhar alguns prêmios que a vida já me oportunizou receber, todos de muito valor, entre eles o Prêmio Sérgio Arouca à Excelência em Atenção Universal à Saúde, concedido pela Fundação Pan-Americana para a Saúde e Educação (PAHEF) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), e a Comenda Dom Helder Câmara, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), para citar os mais recentes. Mas nada, nada se compara como voltar ao meu Estado e ser lembrada pelos feitos do que aqui aprendi. Isso me faz lembrar Gilberto Freire, um sábio da mais alta expressão, não apenas no cenário nacional, mas em todo o ocidente.

 

Ele nos ensinou que, ao partirmos mundo afora em busca de respostas às nossas inquietações, não significa necessariamente esquecermos do nosso torrão. Acrescento: muito menos ser esquecido por ele. Por isso agradeço enormemente ao núcleo de estudos em saúde coletiva, do centro de ciências da saúde, aos membros do conselho universitário (CONSUNI), à professora Margareth Diniz e sua equipe de administração pela deferência. Magnífica Reitora, permita-me, com toda simplicidade de minha alma, trazer para esse momento alguns fragmentos de um bom tempo que aqui vivi, citando algumas pessoas, no desejo que, ao mencioná-las, elas se vejam contribuintes na base estruturante da fé que tenho na educação como potencial libertador do ser humano e comodesenvolvimento permanente, tanto das pessoas, como das sociedades.

 

Como nos ensinou Jean-Paul Sartre: « Eu sou aquilo que eu consegui fazer com o que fizeram de mim.” Esta casa e vocês fizeram de mim: Um ser inquieto. Uma pessoa, que acredita, assim como Jacques Delors, também de origem humilde, que ante os múltiplosdesafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Não como um “remédio milagroso”, não como um “abre-te sésamo” de um mundo que atingiu a realização de todos os seus ideais mas, entre outros caminhos e para além deles, como uma via que conduza a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guerras…”, acrescento de qualquer feição. Abro um parênteses: nos anos 60, em são José da Lagoa Tapada, interior do nosso estado, no ‘quebrar da tarde’, segundo meus pais, vim ao mundo.

 

Quando cheguei, a tarde se fazia noite e o relógio do destinocorria junto com a tradicional ave maria, ao som do rádio de pilhas que ficava entre o quarto principal e a sala de estar. Nasci pela mão de uma parteira, a quem aprendi ao longo dos meus primeiros passos e vozes a chamá-la de Mãe ‘Preta’ e pedir-lhe a benção em reverência a quem me trouxe à vida. Ela me fez compreender que não podemos separar os homens e mulheres por cores, mas uni-los em um verdadeiro arco-íris. Mais tarde, reaprendo com Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Mãe Preta, a senhora fez de mim uma amante da vida. Uma mulher que evita transitar pelas estradas, ruas e avenidas que interrompam a passagem de negros e brancos, mas que busca os caminhos onde todos juntos, construam uma humanidade viva, alegre, unida e feliz. Permitam-me agora, abrir o meu famoso pé de página…

Aos 12 anos de idade, ainda em São José da Lagoa Tapada, naquele cenário típico de João Cabral de Melo Neto, via-me como mais uma ‘Severina’, futuro incerto, das letras distante, se não fosse pela intervenção da igreja, que atravessou as linhas limítrofes do meu presente e futuro. No colégio nossa senhora auxiliadora, na cidade de Sousa, tive Madre Aurélia, Padre Mangueira e Antonio Mariz, este último, in memoriam, me concedeu bolsa de estudo por todo o tempo que lá fiquei. Com Remédios Mendes, Francisca Pinagé, Lilian e Eliane Gomes, e tantas outras colegas e irmãs da vida, naquele casarão aprendemos a ficar cada vez mais inquietas.

 

Guardo o colégio nossa senhora auxiliadora, no lado esquerdo do peito, porque lá pude viver muitas experiências na edificação dos valores e princípios que carrego pela vida afora. Entre tantas, a que mais me marcou foi a criação de uma escolinha, chamada por nós de ‘experimental’. Nela, matriculávamos as crianças, filhas de alcoólatras, trabalhadoras do sexo, todas das periferias da cidade de Sousa, não recebidas pelas escolas formais por não possuírem registro de nascimento e pela falta de vagas na rede pública de ensino. E nós, no desafio de lidar com as diferenças, juntávamos os ricos e os pobres em um mesmo ambiente, atitude que evidenciou temor em alguns e esperança de aprendizado em outros. Vocês fizeram de mim uma professora, não somente preocupada com os conteúdos do mundo da ciência exata, mas também com as perguntas e explicações do mundo das ciências humanas. Sigo aprendendo a pedagogia da solidariedade.

 

Magnífica Reitora e demais autoridades, Não posso deixar de mencionar minha professora de matemática, Elzira Mattos. Ela me ajudou na difícil tarefa de conquistar uma vaga na residência universitária, única condição de poder estudar aqui. Depois de várias entrevistas, comprovantes de ‘pobreza’, idas e vindas, conquistei a vaga no primeiro andar, quarto 106, dividindo por quatro anos aquele espaço com mais cinco irmãs do mundo. Lá, pude exercitar o que ensinara o colégio das freiras: “o ser humano é muito mais aquilo que desejaria ser do que aquilo que é”, e assim, envolvi-me novamente no movimento estudantil e nas tarefas de contribuir para a organização do meu novo lar – a residência universitária da UFPB. Ao ingressar no curso de enfermagem, muitos foram os professores que me ajudaram nesta travessia. Mas Miriam Nóbrega, compartilhou um outro jeito de fazer ciência.
Professora, a senhora fez de mim uma estudante que não se contentava com as primeiras respostas de verdades em aberto. Hoje, me faz lembrar Eric Hobsbawn, ao dizer que “o mundo não vai melhorar sozinho”. De certo, não acredito em verdade absoluta nem permanente, mas em movimentos de transformações e em movimentos infinitos de revelações de novos aspectos. Acredito em formulações de temas, perguntas, respostas e outras indagações, todas em forma de espiral, produzindo conhecimento. E este, revelando a realidade histórica em movimentos e transformações de um mundo que nunca permanecerá igual. À época, como presidente do centro acadêmico de enfermagem, Rosa de Paulo Barbosa, da nossa Universidade Federal da Paraíba, pude acumular outras experiências, desta vez com as bandeiras de lutas por uma universidade pública, gratuita, livre, democrática e para todos.

 

Nesta caminhada, Luiz, Márcia Rique Carício, Tânia Ribeiro, e tantos outros nos dávamos as mãos. Mas foi Roseana Meira, quem primeiro me procurou no centro acadêmico para unificarmos nossas agendas e conquistarmos a diretório central dos estudantes da UFPB. Meira, com você aprendi que a força da mulher não reside apenas em suas palavras, se não em seus atos. Vi de perto, quando organizei o livro: a saúde na cidade de João Pessoa: traços de uma história. Imagino que nunca esqueceu da lição de Rosa Luxemburgo: “No meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então, procuro uma razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo.”

 

Essas e outras leituras dos clássicos das ciências políticas e sociais, entre eles Karl Marx, Augusto Comte, Émile Durkheim, Tocqueville, Marx Weber, Maquiavel, Michel Foucault, foram incentivadas pela professora Anna Rita Pessoa Pederneiras, que não mais está entre nós. Na residência da medicina preventiva e social, o professor Severino ramos, nosso amado Biu, meu eterno mestre, não me puxou apenas para aprender a conhecer os pensadores do campo da saúde coletiva, para citar apenas dois: Sérgio Arouca e Cecília Donangello, todavia, exerceu uma forte função na tarefa de me ajudar a ressignificar a vida. As professoras Gláucia Ieno e Tereza Mitsunaga, ajudaram, sem cansaço, em nossas atividades de extensão. Caaporã foi meu maior laboratório para compreender os processos de construção dos sistemas e serviços municipais de saúde. Aquela cidade foi para mim espaço real para o exercício da participação comunitária e para o aprofundamento do saber popular em saúde. Lá, eu, Simone, Assunção (in memorian), e minha querida colega, Leônia Batista, hoje professora desta casa, aprendemos o que é ser operárias do Sistema Único de Saúde.

 

Em 1991, nosso estado da paraíba, implantou o programa de agentes comunitários de saúde, o PACS, na condição de piloto para o Brasil, e muitas foram as mulheres paraibanas que ajudaram nesta tarefa. Cito algumas, sem a intenção de esquecer ninguém a exemplo de Danusa Benjamim, Arindelita Arruda, Rosa Maria, Bernadete Moreira, Sandra Sousa, Vilany Jesus, Juracema Medeiros, entre outras. Mais tarde, Campina Grande junta-se aos 12 municípios pioneiros na implantação do Programa Saúde da Família, o PSF. O grupo se amplia com a dedicação apaixonada de Lucielda, Berenice, Gicélia Santana, Ana Fábia e tantas outras. Elas, mulheres destemidas, seguramente me ajudaram a não elaborar o medo. Magnífica Reitora e demais autoridades, sei que estou me alongando nas revelações desta travessia, mas meu coração pulsa por mais duas manifestações. A primeira, para falar de uma brava mulher, no sentido mais nobre da palavra, minha mãe. Uma mulher que, aos 45 anos, teve a coragem de descobrir a luz no mundo das letras, alfabetizando-se no MOBRAL, e assim enfrentar a cidade de São Paulo, sonhando com a sobrevivência de seus filhos, sem perder a alma nordestina. Aqui me deixou, na casa de muitos, para aprender e nunca mais esquecer que a esperança, pode mais que o medo.

 

A segunda, para referir-me à casa que hoje me abriga, a Universidade de Brasília. Lá, fui acolhida no doutorado em Ciências da Saúde, depois como professora da Faculdade de Ceilândia, e hoje na Faculdade de Ciências da Saúde. Não posso esquecer das portas que primeiro se abriram para mim, o Núcleo de Estudos em Saúde Pública, do qual fui coordenadora. Hoje, ao lado dos jovens estudantes de Saúde Coletiva, relembro as palavras de Darcy Ribeiro em sua “luta incansável por uma universidade de necessidades”, acrescento: a serviço dos direitos humanos e de uma democracia social. Faz-me compreender, cada vez mais, a primazia da educação e da saúde no coração da sociedade brasileira. Assim, agradeço a prestigiosa presença da comitiva da UnBque me acompanha: a vice-reitora, professora Sônia Báo; a diretora da Faculdade de Ciências da Saúde, professora Lilian Marly de Paula; o vice-diretor da Faculdade, professor Edgar Merchan Hamann; a professora Ana Valéria Machado Mendonça, coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública; a Nara Irleia, que integra o corpo de servidores técnicos de nossa Faculdade; as estudantes de graduação em Saúde Coletiva, Grasiela Sousa Pereira e Raelma Paz Silva; e a mestranda em Saúde Coletiva, Remédios Mendes.

 

Magnífica Reitora, professora Margareth, peço que aceite os meus agradecimentos e tenha a bondade de transmitir aos seus colegas do egrégio Conselho Universitário, a expressão do meu profundo reconhecimento, com referência especial aos pesquisadores do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, na pessoa de Murilo Wanzeler, autor da propositura desse título. O mesmo será o farol que iluminará a construção coletiva de novas práticas libertadoras, a serviço da superação das desigualdades nas políticas públicas de educação e saúde.

 

Às senhoras e senhores, agradeço a honrosa presença, em especial, a do meu querido Eduardo Jorge Alves Sobrinho, que entrou neste auditório, silenciosamente, como se fosse possível passar desapercebido entre tantos amigos. Magnífica Reitora, com Eduardo também aprendi a compreender a necessidade de implantar o Programa Saúde da Família na maior cidade do nosso país, São Paulo.
Muito obrigada.

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