Na última quarta-feira (27/05) a Ágora Abrasco iniciou uma nova série de painéis que buscam articular diferentes redes de formação e produção de conhecimento sobre o coronavírus. O evento Covid -19: a interface de conhecimentos biomoleculares, clínicos e da saúde coletiva reuniu Naomar de Almeida Filho, Jaqueline Goes de Jesus, Sidarta Ribeiro e Drauzio Varella – a coordenação foi de Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Associação.
Naomar de Almeida Filho, vice-presidente da Abrasco, professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e pesquisador convidado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), apresentou o espaço justificando a presença de personagens de áreas tão diversas da saúde – e a necessidade da interface de conhecimentos: “Temos uma tarefa: como introduzir uma articulação de racionalidade comum, pactuada entre diversos campos científicos, para que tenhamos possibilidades de dar respostas orgânicas; que sejam capazes de atravessar, recortar, transitar os distintos planos de realidade que envolvem esse projeto complexo, esse evento crítico, que é a pandemia da Covid-19?”, questionou.
Iniciando o espaço transdisciplinar, Jaqueline Goes de Jesus, coordenadora da equipe que sequenciou os primeiros genomas do novo coronavírus no Brasil, fez uma fala partindo do campo biomolecular. A pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Universidade de São Paulo (IMT/USP) explicou a importância da detecção do genoma de um vírus, que traz informações importantes para entender a prévia da transmissão – como o surto chegou até a população em estudo – e dá condições para a ciência predizer os caminhos da pandemia. “No genoma encontramos a estrutura da partícula viral e analisamos o acúmulo de mutações ao longo do tempo, o que nos permite estimar a taxa de transmissão e monitorar a epidemia – já que cada vez que um indivíduo transmite para o outro as mutações no processo intra hospedeiros servem como impressões digitais nessas sequências virais”.
Sidarta Ribeiro, neurocientista e diretor da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), também abordou o aspecto biológico do vírus. Para o pesquisador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o controle do contato com animais silvestres será fundamental para reduzir futuros surtos. Segundo ele, o desmatamento no Brasil pode transformar o país no próximo epicentro mundial de alguma doença ainda desconhecida. Outra medida de prevenção necessária é recuperar a ciência e tecnologia no país: “Ainda não temos vacina – não só porque é difícil fazer vacina, mas também porque não demos prioridade. Desde o golpe contra a presidente Dilma Rousseff o Brasil sofre cortes violentos no seu orçamento de Ciência, Tecnologia e Inovação. Fica difícil reagir quando nossa tropa de cientistas está desarmada, desequipada e desmoralizada, sem bolsa”.
“No começo de janeiro, eu estive entre os otimistas. Não achava que fosse representar uma doença dessa gravidade. Mas quando tomamos consciência da tragédia nas UTIs dos hospitais do norte da Itália, entendi que aconteceria uma desgraça no Brasil”, disse Drauzio Varella, médico cancerologista e comunicador, que abordou o aspecto clínico da pandemia. Drauzio, que tem um extenso trabalho de diálogo e promoção da saúde com a população brasileira, afirmou que tem uma visão pessimista sobre o avanço da doença no país. Ele criticou o subfinanciamento crônico do Sistema Único de Saúde e a falta de um plano do governo feral para lidar com a pandemia: “A coordenação geral deveria vir do Ministério da Saúde. O país tem ministério – ou tinha – para quê? Tenho um pouco de noção de como é organizado o SUS. Vamos pagar um preço muito alto. Vai ter número de mortes com grande chance de se tornar o campeão mundial. Não é derrotismo, mas quando analisamos os números, é assustador”.
Leitos para Todos e Vidas Iguais
No final das exposições, enquanto os palestrantes respondiam perguntas do público, Sidarta Ribeiro questionou os demais palestrantes sobre a necessidade de fila única para os leitos de UTI. Drauzio afirmou que a fila única “tem que ser estabelecida”, e que o Brasil deve usar como exemplo a experiência de fila única do sistema de transplantes de órgãos – o maior do mundo. Já Jaqueline pontuou que a disparidade econômica no Brasil determina quem pode e quem não pode pagar um plano de saúde: “Os leitos precisam ser para quem precisam. Concordo com a fila única”. Naomar reforçou o posicionamento da Abrasco: “A legislação brasileira já define que todo cidadão deve ter acesso à urgência e emergência quando há ameça direta e imediata à vida. Por uma questão ética e política, essa questão deve se aplicar aos leitos de UTI”.