“De concessão em concessão, o inferno está forrado de traições às boas-intenções” – foi com esta paródia de um ditado popular que o professor Gastão Wagner de Sousa Campos, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, inicia a apresentação do documento ‘Um projeto Aberto’ – as linhas gerais que constituem o programa da chapa candidata à gestão 2015-2018. Confira o texto na íntegra:
Projeto Aberto é um conceito e um compromisso. Indica esforço para agir de forma democrática e construtiva. Indica recusa ao formalismo e à hipocrisia. Indica abertura à controvérsia e busca de composição de sentido e de objetivos em comum. Nosso programa apresenta valores e diretrizes, mas também perguntas. Apresentaremos nossa maneira de compreender o contexto e o papel da Abrasco, indicaremos as linhas com que atuaremos, entretanto, ao mesmo tempo, apostaremos na interação dialógica permanente entre diretores, associados à Abrasco, trabalhadores e organizações da Saúde Coletiva e da sociedade. Nosso desafio é consolidar um projeto comum, apesar das diferenças de interesses e de perspectivas. Em grande medida, vários elementos programáticos desse projeto já vêm sendo trabalhados pelas direções da Abrasco que nos antecederam. A tarefa da atual diretoria é complexa, deveremos dar continuidade aos programas instituídos, mas, ao mesmo tempo, reconhecer impasses, desafios e imaginar novos caminhos.
A Abrasco faz parte do movimento sanitário. Contribui para mudanças políticas e sanitárias em um processo denominado de reforma sanitária. O movimento sanitário, apesar de suas quase quatro décadas de existência, inovou o modo de fazer política. Tem sido um movimento autônomo, procurando escapar ao controle do complexo médico industrial, do Estado, dos governantes e de partidos políticos. Vários analistas demonstraram, contudo, que todo esse esforço resultou em uma “reforma incompleta”. Cumpre à Abrasco prosseguir com essa luta histórica, respondendo ao novo tempo da globalização e da experiência de conviver com a democracia. A atuação da Abrasco tem se centrado na defesa das políticas públicas, da justiça social e da democracia. Na produção de conhecimento e de práticas em prol do direito à saúde, dos direitos humanos, sempre a partir de uma racionalidade centrada na defesa do ser humano e do planeta. Indicando, ainda, maneiras concretas – políticas, instituições, leis, práticas sociais – com que estes valores e princípios poderão se realizar no contemporâneo, especificamente no Brasil e entre os distintos grupos sociais.
É fundamental consolidar e aprofundar a relação da Abrasco com movimentos e organizações internacionais que defendem o direito à saúde, a democracia e a inclusão social de regiões, etnias e das pessoas em geral. É estratégico nossa integração às Associação Mundial e Latino-americana de Saúde Pública. Seguiremos com o fortalecimento da Saúde Coletiva como campo de saberes e práticas, promovendo a divulgação científica, a formação de pesquisadores e profissionais, o acompanhamento crítico das instituições e com a participação na formulação de políticas de saúde, de educação e de ciência e tecnologia.
1 – Nossa época e o papel da Abrasco:
Vivemos uma época complexa. Particularmente difícil para aqueles comprometidos com políticas públicas e com a Saúde Coletiva. Nos últimos trinta anos, fortaleceu-se a ideia de que o progresso depende da extensão da racionalidade do mercado capitalista para todas as esferas da existência. A solidariedade, a proteção aos vulneráveis com leis e com políticas sociais, a constituição de espaços públicos voltados para produção de bem-estar social, tudo isto deveria ser abolido e substituído pela competição e pelo acesso a bens e serviços a depender do mérito das pessoas e organizações. Em geral, o mérito é medido pela capacidade produtiva, avaliada segundo metas e objetivos restritos a interesses do capital, dos grupos dominantes e do crescimento econômico. O sucesso das políticas nacionais é aferido, por exemplo, com base nas taxas de inflação, superávit primário para pagamento de dívidas usando o orçamento público e câmbio flutuante. Por que não as medir usando IDH, taxa de desemprego, aumento na esperança de vida, distribuição de renda, direitos sociais e políticos?
Vale notar que a hegemonia desse ponto de vista decorre também do fracasso econômico, social e político das experiências do denominado socialismo real no século XX. Para agravar, partidos e organizações com origem popular, a partir dos anos setenta do século XX, abandonaram a luta pelas reformas sociais e por políticas públicas. Aderiram ao mercado como solução mágica para todas as dificuldades. Socialdemocratas, socialistas, comunistas, populistas, desenvolvimentistas, legião deles atuam para penalizar à maioria, aos pobres, aos trabalhadores, aos aposentados, às periferias, aos pedestres, às políticas de defesa do ambiente e do bem-estar, para assegurar contratos e “direitos” do capital e dos grupos dominantes. “Privatização” dos sistemas, das organizações e dos espaços públicos constitui-se em um mantra ideológico, repetido à exaustão, sem evidências positivas que confirmem estas contrarreformas.
Este ambiente é desfavorável às políticas sociais, em geral, e à Saúde Coletiva, em particular. Apesar disto, milhões de brasileiros não desistiram de construir uma sociedade justa e democrática. O problema, como brincou Fernando Veríssimo, “ o que passa é que estamos muito desorganizados”. Crise nos movimentos sociais, desconfiança em partidos, intelectuais e políticas que antes representaram este projeto de inclusão e de emancipação.
A Abrasco é um dos organismos encarregados da Saúde Coletiva no Brasil. Área de produção de conhecimentos e de práticas sociais em defesa da vida. O que a tem envolvido tanto com a formação de profissionais e constituição de estruturas especializadas em Saúde Coletiva, quanto em contribuir para a Saúde Pública no Brasil e no mundo. Cabe, portanto, à Abrasco, disputar a formação da opinião pública e do discurso científico. Participar diretamente das políticas e da gestão em ciência e tecnologia. Realizar a defesa do direito à saúde, do SUS e de um Brasil justo e solidário. Manifestar-se contra agressões aos direitos dos grupos dominados, opôr-se à medidas discriminatórias e de desmonte de direitos por parte de empresas, dos governos, do parlamento, etc. Para isto deveremos atuar de modo integrado com entidades e movimentos sociais que apostem em um projeto de democracia e de justiça social.
Devemos aplicar ao nosso movimento as diretrizes e os princípios que propomos para o país. Retomar alguns valores esquecidos, e como o de que entidades e movimentos sociais devem resguardar sua autonomia em relação ao Estado, aos governos, à racionalidade do mercado, às religiões e aos partidos políticos. A Abrasco deve se firmar ainda mais como um ponto de articulação das instituições de ensino e pesquisa em Saúde Coletiva com os serviços, a gestão e os movimentos da sociedade civil. Além de nova campanha de associação à Abrasco, iremos promover maior interação entre associados, tanto individuais quanto institucionais, visando inclusive maior circulação e visibilidade das relevantes produções dos Grupos Temáticos e das Comissões, capazes de contribuir com posicionamentos e qualificação do debate sobre a Saúde no Brasil. Desenvolver esforço para estabilização financeira da Abrasco, buscando fontes de recursos que não comprometam nossa autonomia científica e política.
Terão, por óbvio, nosso total envolvimento com os projetos, seminários, oficinas e congressos que tanto traduzem o trabalho cotidiano e a missão da Abrasco; assim como os espaços de representação social na instâncias de políticas públicas e as estruturas hoje dedicadas à formação (Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação e o Fórum de Graduação) e à divulgação Científica (Revistas Ciência & Saúde Coletiva e Revista Brasileira de Epidemiologia), bem como outras revistas consolidadas em nossa área.
2 – Algumas propostas que falam por si mesmas:
2.1 – Editar uma nova revista para Abrasco (‘Saúde Coletiva em Ensaio’). Ensaio tomado em seu sentido mais amplo e generoso. Ou talvez com alguma outra denominação pelo estilo? Uma revista com teoria e crítica, organizada segundo regras bem mais abertas do que a dos atuais critérios para indexação. Uma revista que reflita sobre a Abrasco, sobre os modos atuais de produção e de divulgação de conhecimentos. Que trate de nossas fraturas. Um espelho que possa iluminar nosso modo de ser e de operar. Reflexão sobre política e gestão do sistema de pós-graduação e de classificação dos pesquisadores. Repensar a gestão pública, estratégias e programas do SUS. Triangulação de métodos, como realizar na prática? Modos de produção de dados ou de evidências, como perceber o claro-escuro? Como a linguagem matemática, a da história, da observação, da representação, dos discursos, das narrativas podem se complementar e apontar limites de esclarecimento? Estudos e considerações sobre a relação entre cientistas, professores, estudantes, sociedade civil, instituições e Estado. Governo, poder, cooptação, mercado, poder outra vez, concentração de renda e de poder. História do pensamento crítico e da resistência à dominação e exploração do ser humano. Diferenças e laços sociais entre gêneros, etnias, classes sociais, classes institucionais.
Não se trata de uma proposta de substituição das tradicionais e relevantes revistas do campo de Saúde Coletiva, algumas editadas pela Abrasco. Ao contrário, nos comprometemos com sua continuidade e aperfeiçoamento das mesmas. Trata-se de ampliar as formas de comunicação entre pesquisadores, entre produtores de conhecimentos e aqueles envolvidos com o dia a dia. Quem sabe permitir uma interlocução mais ampla e fluida com outras áreas da ciência e mesmo com setores específicos da sociedade civil. Esta revista, a “Saúde Coletiva em Ensaio” poderá se constituir em uma das formas de diálogo entre a diretoria e associados, entre e campo da Saúde Coletiva e a sociedade, servindo como estratégia para construção de projetos comuns mantendo sempre nosso Programa em Aberto. Uma forma permanente de consulta e de construção de estratégias em comum. Poderemos começar com uma revista eletrônica. Quem sabe editar dois mil exemplares para os amantes do formato livro, aqueles que amamos a materialidade do papel e, também, a própria Saúde Coletiva. Temos grandes editores entre nós. Uma obra em aberto.
2.2 – A Abrasco vai realizar AVALIAÇÃO NACIONAL e AUTÔNOMA, periódica, sobre o DIREITO À SAÚDE e, por decorrência, sobre o funcionamento do SUS. Avaliações independentes, comprometidas com a sociedade e com a defesa do atendimento às necessidades de saúde antes de todo e qualquer outro interesse. Avaliações a cada três ou quatro anos, financiadas por organizações de fomento à pesquisa, pela OMS/OPAS, e outras fontes de custeio. A pedra de toque deste projeto é a construção de credibilidade social, de compromisso com a busca da verdade. O que implicará em autonomia em relação aos governos. Não seria uma avaliação encomendada pelos gestores, poderemos aceitar apoio, mas não a contratação da Abrasco pelos órgãos do Estado brasileiro. Avaliação nacional e também com base nas Regiões de Saúde. Avaliação com triangulação de métodos: aportes da epidemiologia, política e gestão, ciências sociais; envolver usuários, profissionais de saúde, opinião pública. Avaliações centradas em problemas e desafios estratégicos. O relatório não poderia ser uma lista telefônica, milhares de indicadores, mas sínteses para divulgação entre especialistas e opinião pública.
Todos os Institutos, departamentos e órgãos de Saúde Coletiva poderão se associar e participar da construção das metodologias e da investigação. Construir agrupamentos regionais entre Universidades, Faculdades e Institutos; articular os relatores da síntese nacional.
Este projeto seria uma maneira para aproximar as áreas da Saúde Coletiva, poderá contribuir para superar parte da tensão, no sentido de entendimento e preservação das necessárias e inevitáveis diferenças, e, talvez, interromper o processo de afastamento que vem ocorrendo entre as várias áreas de conhecimento da Saúde Coletiva.
Este projeto poderá indicar um modo para a Abrasco contribuir com os grupos de pesquisa em Saúde Coletiva, não servindo como agente captador de recursos para tal ou qual agrupamento, mas tornando possível projetos nacionais com variações singulares por cada estado, região e mesmo por grupos de investigação. Priorizando a inclusão de docentes em início de carreira, dos grupos em formação, das Universidades e programas de pós-graduação criados recentemente.
3- Saúde Coletiva em pauta:
Pretendemos elaborar um plano de comunicação para uma Rede, composta por muitos e para muitos, que possa articular e mobilizar organizações e pessoas para se engajarem na discussão e promoção do sistema de saúde que defendemos. Por meio da diretoria e de um grupo executivo, manteremos relacionamento ativo e permanente com a imprensa, para que associados se pronunciem, escrevam e debatam temas de relevância, tornando a Abrasco referência para jornalistas e meios de comunicação. Visando mobilização mais efetiva e abrangente, daremos prioridade ao Portal da Abrasco e Redes Sociais, com aprimoramento de conteúdo, rotinas e ações de comunicação online.
4- Em defesa do SUS e de seu financiamento:
Em articulação com o movimento sanitário – CEBES, Conselhos de Saúde, CONASS e CONASEMS, usuários, trabalhadores e gestores -, integrar a luta por mais recursos para o SUS com a indicação específica dos serviços, programas e projetos adequados às necessidades de Saúde. Não faz sentido, e não tem tido efetividade política, prosseguir com o esforço de ampliar o orçamento do SUS sem esclarecer onde e como serão aplicados os novos recursos. A Abrasco poderá estimular e apoiar a elaboração, compartilhada com gestores e movimentos sociais, de projetos considerados prioritários, indicando seu custo, investimento e custeio, bem como a população e os problemas de saúde que serão trabalhados. Estimular um movimento que elabore e divulgue projetos de âmbito nacional, como políticas de pessoal, ciência e tecnologia, entre outros, e também planos para as Regiões de Saúde. Estes planos regionais deverão se fundamentar na organização de redes de atenção integral, indicando necessidades de expansão e qualificação da atenção básica (pelo menos 80% de cobertura), hospitalar e especializada (identificar e denunciar filas, indicando investimento e reformas necessárias para garantir cuidado), de urgência e da vigilância à saúde. Para iniciar e consolidar esse movimento poder-se-á eleger algumas Regiões de Saúde com um conjunto de atores sociais dispostos a elaborar Planos Regionais com indicação do modelo de atenção e dos seus custos.
5- Reforma do Estado e da gestão pública:
O caráter patrimonialista do Estado brasileiro não foi alterado com a democratização. O uso privado do orçamento público, tanto por meio da corrupção, quanto de sua apropriação por grupos de interesse político, empresarial e corporativo, compromete a sustentabilidade e eficácia das políticas públicas. Pouco se discutiu sobre a reforma da gestão pública. Grande parte das medidas para proteger o interesse público foram burocráticas, que enrijeceram ainda mais a administração direta. Em contrapartida, setores conservadores têm sugerido o caminho único da privatização: o estado e os serviços públicos deveriam ser privatizados ou ter sua gestão terceirizada para aproximá-los da racionalidade do mercado. Um remédio que liquida com o paciente, no caso, retira a função de proteção social da rede pública ao aproximá-la da concorrência e do produtivismo característicos do mercado. O SUS vem realizando algumas reformas do Estado e da gestão pública na saúde: gestão participativa e controle social, fundos de saúde, órgãos compartilhados de gestão entre os entes federados. Entretanto, estas mudanças foram insuficientes para limitar o patrimonialismo na saúde. A fragmentação, a manipulação partidária e corporativa da gestão do SUS agravou-se. O SUS nasceu bastante dependente da rede privada hospitalar e de serviços especializados, em vinte e cinco anos, a relação público e privado no SUS pouco se alterou. Esta dependência ampliou-se quando, a partir da década de noventa, optou-se pela terceirização da gestão da rede pública para organismos privados – OSs e Fundações. A opção por um sistema descentralizado com base nos municípios tem impedido a constituição de um sistema único, de redes regionais e integrais de atenção e tem ainda facilitado a manipulação clientelista e partidarizada do SUS.
A luta contra a privatização tem se centrado em movimentos de denúncia e de resistência. Urge passar-se à ofensiva e, além da crítica, elaborarmos, de forma participativa, novos desenhos e modelos para a gestão pública. Esta ofensiva seria o debate e a luta por um novo modelo de gestão pública no país. No caso da saúde, haveria que se reforçar o que já foi conquistado e vem sendo efetivado e ainda prosseguir com a reforma. Para debate com a sociedade, seria interessante sugerir-se alguns rumos para esta reformulação da gestão pública:
– Criar uma nova organização pública que integre e articule a gestão federal com a dos estados e municípios. Esta nova estrutura para o SUS seria tripartite – com financiamento e gestão compartilhadas, criando-se, contudo, um gestor único para as Regiões de Saúde, que passariam a ser a base do sistema;
– Nesta discussão, alguns têm sugerido a constituição de uma autarquia, ou um consórcio ou fundação pública nacional. O importante seria criar um sistema único de governança, de base regional, com poder compartilhado;
– Outro tema debatido tem sido o de ampliar a gestão participativa no SUS, ao mesmo tempo que se espera diminuir a influência do poder executivo sobre o cotidiano do sistema. Para isto, tem sido sugerido a constituição de Conselhos em todas as Regiões de Saúde, e que estes Conselhos indiquem os Secretários Regionais, considerando experiência sanitária e formação em gestão de sistemas de saúde. Tem sido proposto também a radical diminuição de cargos de confiança ou de livre provimento no SUS: todos os gestores de programas e de serviços de saúde dependeriam de concursos internos com avaliação da capacidade técnica e em gestão.
6- Elaboração de uma política de pessoal para o SUS:
Criou-se um contexto paradoxal no SUS, quando não se logrou, em vinte e cinco anos, a constituição de diretrizes de âmbito nacional, para o pessoal do SUS. O modelo de gestão do SUS produziu este descaso ao atribuir aos mais de cinco mil municípios, aos vinte e sete estados e a união, de maneira desconectada, a responsabilidade pela gestão de pessoal. A desvalorização do trabalho, dos trabalhadores e de servidores públicos pelo discurso neoliberal referendou este descaso. A Abrasco e o movimento sanitário terão papel importante no enfrentamento desta crise. A construção de uma política de pessoal para o SUS dependerá da instalação de um processo participativo, há bastante conflito de interesse. Como ponto de partida, a Abrasco poderá indicar algumas diretrizes:
– Pensar carreiras que contemplem direitos e interesses dos trabalhadores de saúde, mas também normatizem formas de se garantir a responsabilidade sanitária dos profissionais;
– Não há possibilidade de se criarem cinco mil carreiras diferentes no Brasil. Nesse sentido, seria razoável que se lutasse por carreiras nacionais, de responsabilidade da Organização Pública Tripartite e Nacional a ser organizada. Esta autarquia – ou algo equivalente – comporia fundo financeiro para salários, aposentadorias, formação, etc, com contribuição tripartite a ser pactuada. A gestão do pessoal ficaria a cargo das Regiões de Saúde, ou dos entes federados;
– Estas carreiras deverão incorporar o caráter republicano: concursos públicos (por estado da federação, por Regiões de Saúde ou nacional), progressão por mérito, caráter laico d exercício da função pública, entre outros;
– Como sugestão, poderíamos pensar na constituição de carreiras pelas grandes áreas temáticas do SUS: Saúde Coletiva/Vigilância à Saúde; Atenção Básica; Rede hospitalar e especializada; Urgência e Emergência; Apoio à gestão. Todos os trabalhadores de saúde como servidores do SUS Brasil.
7- Dentre as políticas públicas dar ênfase especial à Saúde Coletiva:
A Saúde Coletiva vem sendo construída no Brasil a partir de um movimento de crítica, mas também de incorporação saberes e de responsabilidades sanitárias da Saúde Pública tradicional. Este movimento tem sido possível graças a perspectiva transdisciplinar com que a Saúde Coletiva vem se constituindo. Os pilares epistemológicos de nossa área abrangem as ciências sociais, a epidemiologia e várias disciplinas concernentes às práticas sanitárias, gestão e políticas. Em nosso campo específico lidamos com a superposição de encargos sociais e de paradigmas originários da tradicional Saúde Pública, da Promoção à Saúde e da denominada Vigilância à Saúde. Em nossa compreensão, permanece em aberto a obra iniciada na segunda metade do século XX, referente a constituição de um novo paradigma e de novas práticas para a Saúde Coletiva. Podemos verificar que se consolidou, de modo razoável, o campo teórico da Saúde Coletiva, mas ainda necessitamos de maior elaboração sobre nosso campo de práticas. A criação dos Cursos de Graduação, a expansão da Residência (crise na médica e ampliação da multiprofissional) e a consolidação do Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, tem nos obrigado a se debruçar sobre o tema das práticas. Quais são os encargos e saberes necessários para estes “especialistas em Saúde Coletiva”
A Vigilância em Saúde no SUS também está fragmentada: ANVISA e Ministério da Saúde (SVS), programas estaduais e municipais. Em especial, vale investir nas formas de integração entre a racionalidade da Vigilância e o desafio de repensar as políticas e práticas voltadas para determinação social dos problemas de saúde. Aproximar-se de movimentos voltados para a reforma urbana, defesa do ambiente e do clima, de soluções para crise hídrica e energética, defesa de populações indígenas, denúncia e defesa do direito de outras populações vulneráveis – migrantes, presidiários, menores, mulheres, afrodescendentes, entre outras.
8- Especial atenção à formação de trabalhadores em Saúde Coletiva:
A Saúde Coletiva é tanto uma área específica de conhecimentos e de práticas, quanto componente da conformação de todas as outras áreas da saúde. Realizar ampla discussão sobre a formação e possibilidades de trabalho dos especialistas em Saúde Coletiva (qual seria a nossa denominação? Um dia foi de sanitaristas, hoje de especialistas em SC?). Formamos graduandos e especialistas para a rede de serviço. Formamos pesquisadores e professores para Universidades e Institutos de Pesquisa. Nosso aparelho formador se expandiu nos últimos anos: Graduação em Saúde Coletiva; Residência médica e multiprofissional em SC; Especialização em SC e em várias de nossas áreas especializadas – vigilância, saúde e ambiente, saúde e trabalho, gestão, etc -; Mestrado Profissional em SC ou áreas especializadas; Mestrado, doutorado e pós-doutorado em SC e áreas especializadas. Na relação com outras áreas da saúde tem bastante atualidade perguntar-nos sobre o escopo e as estratégias de nossa contribuição para a conformação da enfermagem, medicina, fisioterapia e várias outras especialidades e campos profissionais diferentes da SC.
9 – Como tratar nossa fratura? Abrir amplo processo de reflexão e de debate sobre a política e gestão em Ciência e Tecnologia:
Os abrasquianos estão divididos entre aqueles que apoiam a atual política do MEC/CAPES para a pós-graduação e outros que a criticam acerbamente. Em grande medida, esta política centra-se em um modelo de gestão com base em resultados, em que o órgão financiador não interfere diretamente nas organizações de base, mas as condicionam fortemente mediante sistema de avaliação com base em metas e indicadores. O desempenho favorável é premiado com mais recursos e direitos, o desfavorável com redução de orçamento e outras punições. Para alguns, este sistema vem produzindo “excelência acadêmica” e expansão e consolidação da pesquisa em saúde coletiva. Para outros, “produtivismo”, exclusão de alunos, professores e de programas e, o mais grave, uma ciência medíocre. Visões polares. Cabe a Abrasco reconhecer o contraditório e buscar mecanismos de superação do conflito. É importante apontar que este processo já produziu alguns acordos. A discussão democrática e aberta à crítica sobre os efeitos desse modelo de gestão é o caminho que pode resultar em novidades. Em geral, concorda-se que o sistema de avaliação por pares é necessário ao bom desempenho. O desacordo se refere aos critérios de avaliação e aos efeitos do atual modelo. Nos últimos anos, os coordenadores de pós-graduação em conjunto com avaliadores da CAPES e CNPq criaram um coletivo que vem reformulando vários aspectos considerados inadequados do sistema.
Devemos recolher análises de experiências, do Brasil e de outros países, pensar sobre novas formas de avaliar e repensar sobre as consequências impostas aos programas de pós-graduação em função da nota atribuída. Há algumas possibilidades de mudança que deveríamos considerar, entre outras:
– Ao invés de se trabalhar com uma lista de indicadores, solicitar a cada programa e a cada pesquisador/professor que indiquem entre três e cinco trabalhos relevantes naquele período – Estas obras poderão se referir ao conjunto de publicações em revistas indexadas; a apenas um artigo ou publicação que produziu algum novo conceito, novo método, nova teoria; a organização de um novo curso de pós-graduação; a um projeto público em que o pesquisador teve papel relevante; a uma nova estratégia pedagógica. Estas “obras” indicadas por cada programa e por cada pesquisador seriam avaliadas em profundidade pelos pares;
– A distribuição de recursos e de acesso a bolsas etc. não deveria depender principalmente do desempenho, isto produz “darwinismo social”, eliminação dos menos aptos, ainda quando os programas e professores excluídos sejam socialmente necessários. Para evitar o círculo vicioso e não premiar o desempenho inadequado produziram-se metodologias de apoio institucional e de elaboração de contratos para superação de problemas.
10 – A direção da Abrasco se compromete a trabalhar de forma colegiada e democrática. Promovendo diálogo e sistema de decisão em encontros presenciais e por meio virtual.
A ideia é que diretores e membros do Conselho Deliberativo se encarreguem da coordenação de projetos e programas conforme necessidade e afinidades eletivas, evitando a concentração de poder no presidente. Por meio do portal virtual, da nova revista eletrônica, em congressos, nos comprometemos a compartilhar com associados o trabalho de nosso coletivo.
E, por fim, lembrar o compromisso com um Programa em Aberto, com certeza iremos ampliando e corrigindo esta declaração original.