POSICIONAMENTO ABRASCO 

Nota de repúdio contra o repasse de verbas públicas às Comunidades Terapêuticas

Comunicação Abrasco

Foto: Akira Hojo/Unsplash

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco -, por meio de seu Grupo Temático Saúde Mental, manifesta repúdio sobre os mais de 89 milhões reais de dinheiro público, destinados, sem qualquer tipo de licitação, a Comunidades Terapêuticas pelo o Ministério da Cidadania. O Extrato de Inexigibilidade de licitação foi publicado em 09/12/2021 e nele a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas alega que há inexistência de competição em termos de serviços de saúde mental para destinar 89 milhões a diversas comunidades terapêuticas pelo país.

Enquanto vemos a Rede de Saúde Mental territorial desfinanciada, estagnada e ainda sendo desmontada pela desestruturação dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família que abrigavam profissionais de saúde mental na atenção básica, o governo federal desvia os escassos recursos para as comunidades terapêuticas. O financiamento público destes serviços vai contra as evidências científicas sobre o cuidado comunitário em liberdade, forma de atenção mais eficaz no cuidado de pessoas que possuem problemas relacionados ao álcool e outras drogas. A Organização Mundial da Saúde indica que as ofertas de cuidados para esta população devem ser integradas entre serviços de saúde mental e assistência social, numa perspectiva comunitária e territorializada, algo diametralmente oposto à iniciativa tomada pela Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas.

Além disso, existem inúmeros relatos e estudos realizados por diversos Conselhos Regionais de Psicologia e pelo próprio Conselho Federal de Psicologia entre 2011 e 2018 de práticas ineficazes e violações de direitos humanos provenientes destas instituições. Laborterapia, Trabalho institucional que substitui a contratação de profissionais pelo uso de mão de obra dos internos, práticas de leitura de bíblias, cultos e orações e ausência de projetos terapêuticos singulares são exemplos destes relatos. Tais práticas foram apontadas como comuns e passam longe de qualquer lógica ressocializadora e de tratamento que considere o cuidado compartilhado de pessoas com problemas relacionados ao álcool e outras drogas.

O próprio instrumento de dispensa de licitação não se sustenta. A inexigibilidade de licitação ocorre quando a contratação se dá em razão da inviabilidade de outras alternativas. O administrador público só pode realiza-la, após comprovada desnecessidade de licitação que ocorrem no caso de “fornecedor exclusivo” e “notória especialização” de acordo com a lei 8666/93. As Comunidades Terapêuticas não são nenhuma das duas coisas. Primeiro, pois não são os únicos serviços a fornecerem tratamento para pessoas com problemas relacionados ao álcool e outras drogas. Segundo, pois não possuem notória especialização neste campo de saber, já que possuem quadros diminutos de profissionais, não possuem produção cientifica no campo e muitas trabalham com voluntários sem qualquer formação. Por esta razão, nos causa estranheza o gestor federal escolher outro meio que não a licitação para a destinação de verbas públicas.

A Abrasco defende o financiamento dos Centros de Atenção Psicossociais, Unidades de Acolhimento em Saúde Mental, Centros de Convivência, Equipes de Saúde Mental na Atenção Básica, leitos de Saúde Mental em Hospital Geral e outros equipamentos territoriais que fazem parte do Sistema Único de Saúde. Diversas são as pesquisas brasileiras que demonstram a eficácia da atenção territorial fornecida.  Apontamos que o financiamento público de comunidades terapêuticas é congruente com um governo negacionista no campo da ciência, que escolhe financiar serviços de natureza não-publica e aplica práticas sem comprovação cientifica e desarticuladas das demais redes de atenção. 

Enquanto isso, vemos em quase dois anos de pandemia a ausência de qualquer plano ou política de saúde mental para tratar do aumento dos problemas relacionados ao álcool e outras drogas causados pela crise sanitária, econômica e social que vivemos

Por isso, solicitamos que as instâncias responsáveis pelo controle das políticas públicas brasileiras como o Ministério Público Federal e os Conselhos de Controle Social respectivos tomem todas as medidas necessárias para suspender este financiamento indevido e redirecioná-lo às políticas públicas estatais que muito necessitam de atenção.

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2021
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva



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