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Visibilidade Lésbica: 72,94% afirmam sentir medo de se assumirem em serviços de saúde

O encontro Ocupa Sapatão reúne mulheres no Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, na Cinelândia, Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O ano é 2023 e nem pesquisas como o censo do IBGE ou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua produzem dados sobre a população lésbica brasileira. Há 27 anos, o dia da visibilidade lésbica busca dar conta de uma questão que norteia a experiência de milhares de pessoas: como fazer a identidade lésbica ser vista, escutada e amparada pelo poder público? 

Apesar da pesquisa do IBGE de 2019 ter incluído perguntas acerca da sexualidade, as opções apenas incluíam homosexualidade e bisexualidade, não produzindo dados que diferenciem gays e lésbicas, por exemplo. Fazendo um esforço na contracorrente para produzir dados sobre lésbicas e sapatões, os resultados da primeira etapa do Lesbocenso, lançado no dia 29 de agosto de 2022, deixam claro o quanto ainda é preciso avançar para garantir políticas públicas inclusivas, serviços de saúde capacitados e até mesmo, dados oficiais que dêem conta da diversidade da população brasileira. A iniciativa da organização da sociedade civil  Coturno de Vênus e da LBL que reuniu mais de 70 entidades feministas, LGBTQI+  entre outras de todo o país teve como objetivo realizar um mapeamento sociodemográfico das vivências de lésbicas e sapatão do Brasil. 

A busca por visibilidade é urgente!

A ausência de políticas públicas e sociais estende-se também ao acesso às informações sobre políticas públicas e violações de direitos, uma vez que os dados e informações sobre essa população são escassos e não estão disponíveis para acesso pelos meios oficiais do Estado brasileiro. 


Dados do Lesbocenso apontam que 66.54% das lésbicas ouvidas afirmaram ter sua identidade assumida em todos os espaços e lugares de convívio enquanto 31.69% se sentiam confortáveis para se assumir em apenas alguns espaços. Ao analisar os dados referentes à violência, é possível entender o motivo para esses resultados: 

Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), em conjunto com as Secretarias de Atenção Primária em Saúde e de Vigilância em Saúde, a partir dos dados do SINAN,  identificou que no Brasil, entre 2015 e 2017, foram registradas, em média, mais de 22 notificações de violências ao dia, o que significa quase uma a cada hora. 

Saúde das mulheres lésbicas

Essa invisibilização também tem seus reflexos na produção de dados sobre saúde de mulheres lésbicas e bissexuais. As práticas dos cuidados em saúde colocam no centro da atuação corpos e vivências de mulheres heterossexuais, o que resulta na formação de profissionais que não sabem como ocorre as práticas sexuais entre mulheres e, por isso, falham em oferecer o acolhimento e cuidado necessários. 

Toda essa desinformação e falta de preparo, colabora para uma maior vulnerabilidade ao adoecimento de mulheres lésbicas. Dados do Lesbocenso mostram que 72,9% das mulheres ouvidas afirmaram medo de falar que é sapatão ou lésbica em algum atendimento de saúde.

Segundo o relatório, as unidades de saúde se demonstram como espaços lesbofóbicos, considerando que boa parte das lésbicas entrevistadas relataram não se sentir confortável para falar sobre sua orientação sexual, além do desconhecimento em relação às ISTs/HIV/Aids. 

Para Laura López, integrante do GT Saúde da População LGBTI+ da Abrasco, nos atendimentos ginecológicos, mulheres cis lésbicas sofrem diferentes tipos de barreiras. “Esses atendimentos são baseados na pressuposição da heterossexualidade, com encaminhamentos vinculados aos métodos anticoncepcionais, tendo a certeza de que essa mulher se relaciona com um homem cisgênero, sem antes perguntar qual é sua orientação sexual e qual é o gênero da pessoa que está se relacionando.”, afirma a pesquisadora. 

Para Laura, o fato de não se incluir no procedimento perguntas básicas sobre identidade de gênero, orientação sexual e relacionamentos afetivo-sexuais no início de um atendimento, como parte do acolhimento, leva a silêncios e pressuposições que provocam efeitos nocivos para a saúde dessas mulheres.

Para que isso não ocorra, os serviços de saúde e o ensino em saúde precisam levar em conta a diversidade da população. “As violências que nós mulheres lésbicas passamos são cotidianas e os espaços de cuidado da saúde muitas vezes reproduzem esses ataques, infelizmente. Não existe só uma vivência, somente uma forma de ser mulher, somos diversas”, afirma Elisa Mendonça, lésbica, sanitarista e Secretária Executiva Adjunta da Abrasco.

Para Elisa, a maneira mais efetiva para isso ocorrer é com a presença de pessoas com vivências mais marginalizadas nos espaços de poder onde são feitas a formulação de políticas, tomadas decisões estratégicas em entidades e instituições e uma presença através de políticas institucionais, para que essas pessoas possam de fato conseguir permanecer.

“Esse é um debate para além das questões identitárias é uma questão de pensar a saúde de fato coletiva através da compreensão de que todas as pessoas são detentoras de direitos e acesso a uma vida plena.”, conclui.

Os levantamentos demonstram que ainda é preciso uma longa caminhada na produção de dados, mapeamento do perfil socioeconômico dessas mulheres e principalmente, uma atuação ativa e cuidadosa na aproximação entre as usuárias e a formulação de políticas públicas de acesso à atendimento de saúde capacitado, acolhedor e comprometido com a saúde da população brasileira em sua totalidade e diversidade.

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