Em 11 de maio de 2016, o então ministro Aloízio Mercadante assinou a Portaria Normativa MEC N°13/2016, que definiu orientações para a indução das ações afirmativas nos programas de pós-graduação (PPG) do país. O texto determinou que as Instituições Federais de Ensino Superior montassem comissões internas e apresentassem propostas para uma maior inclusão de negros e negras nos bancos universitários em até 90 dias após a data de publicação, além de instituir um grupo de trabalho do Ministério da Educação para o monitoramento das ações. No meio do caminho houve um golpe. Mesmo assim, algumas universidades iniciaram seus debates internos e deliberaram pela aplicação das cotas raciais nas seleções de seus programas. No entanto, as medidas de monitoramento e ações de indução por parte do MEC estagnaram.
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Em abril deste ano, Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), enviou ao titular da pasta, deputado Mendonça Filho (DEM-PE), um pedido de esclarecimentos quanto ao cumprimento da Portaria. A solicitação foi resultado de questionamentos apresentados durante uma audiência pública realizada no Senado Federal que discutiu a centralidade das ações afirmativas e a permanência de estudantes cotistas nas universidades públicas brasileiras. Como resposta, o MEC limitou-se a informar que a Diretoria de Políticas de Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais (DPECIRER/MEC) recebeu propostas de reserva de vagas de dois PPG oferecidos por Institutos Federais de Educação, Ciência (Sul de Minas e Espírito Santo). A PFDC não reapresentou novos pedidos de esclarecimento.
Questionada pela reportagem do Portal Abrasco, a Comunicação Social da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) respondeu que não há um levantamento do número de PPG que implementam quaisquer tipos de cota em suas seleções. Informou também que, dentro de suas atribuições e conforme preconizado pela Portaria Normativa MEC n°13/2016, a Diretoria de Avaliação (DAV/Capes) acrescentou dois novos campos na Plataforma Sucupira para coleta de dados referentes à raça e necessidade especiais dos discentes dos PPG. No entanto, ainda não há dados disponíveis.
Levantamentos feitos por veículos de imprensa e associações científicas apontam que apenas duas universidades instituíram a política de reserva de vagas raciais para todos os seus programas: a Universidade Federal de Goiás (UFG), pioneira na adoção, em 2015, e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que em janeiro deste ano decidiu reservar 30% das vagas ofertadas em todos os processos seletivos de mestrado e doutorado a candidatos negros (junção dos autodeclarados pretos com pardos e variantes), e “uma vaga a mais em relação ao total ofertado nos cursos para candidatos enquadrados em cada uma das categorias de quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência e trans (transgêneros, transexuais e travestis)”. As seleções iniciadas no segundo semestre de 2017 já devem lançar o edital com a reserva de vagas.
Outras federais, como UFRJ, UFSCar, UFMT, UFES, UFAL, UFPI, UFRB e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) incluíram a reserva de vagas para alguns de seus programas – boa parte na área das Humanidades e Saúde. Entre as instituições estaduais, destacam-se a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pioneira na oferta de cotas tanto na graduação como na pós-graduação, respectivamente nos anos de 2003 e 2014, e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que acaba de aprovar cotas raciais para seus cursos de graduação e já reserva vagas nos PPG do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e mais recentemente na Faculdade de Educação (FE).
Retrato em branco e preto: Os números mais conhecidos sobre a presença de negros e negras na pós-graduação são de 2015 e foram apresentados em um estudo assinado (parte I, parte II e parte III) pela equipe do Programa Mulher e Ciência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O item cor/raça foi incluído na Plataforma Lattes em 2013 e os dados apresentados são relativos às folhas de pagamento de todos os bolsistas do CNPq entre os meses de março de 2014 a janeiro de 2015.
Das 91.103 bolsas financiadas pela Agência à época, bolsistas negros e negras representavam aproximadamente um quarto do total (26%). Já a participação de bolsistas brancos registrou um percentual de 58%. Amarelos e indígenas juntos não somaram sequer 2% e quase 11% do total não se declararam nos critérios de cor/raça. Individualmente, as mulheres brancas representaram o maior grupo: 59% do total de bolsistas, enquanto as negras (pardas e pretas) atingiram o percentual de 26,8%. Entretanto, a participação somente das mulheres pretas é pequena: 4,8%. Entre os homens, os brancos representaram 56,3%, os negros, 24,3% e os pretos 4,7%.
A marca do racismo fica evidente quando observados os percentuais pelos diferentes tipos de bolsa. O estudo é taxativo: a participação dos negros e negras decresce à medida que se eleva o nível de formação, em ambos os sexos. Em 2015, negros e negras superaram a marca de 30% do total de oferta de bolsas de Iniciação Científica (IC), voltadas a estudantes de graduação. Porém, a participação de pesquisadores negros e negras nas bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) – as de maior valor e concedidas apenas a líderes de grupos de pesquisa, docentes seniores detentores de títulos de pós-doutorado – foi de 9,5%, e 7%, respectivamente. As cientistas pretas não atingiram sequer 1% nessa participação e os cientistas pretos conseguiram apenas 1,2% da fatia das bolsas PB. A participação de pesquisadores brancos e brancas nas bolsas de maior valor registrou, respectivamente, 75,5% e 70%.