Num mundo que tudo ouve, sabe e vê em tempo real, a comunicação é – ainda – um direito de poucos e um campo central para o debate e a disputa de ideias na sociedade. Para ampliar a influência nesta arena social e instituir uma política que fortaleça a interação entre os atores do controle social, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) organiza entre 18 e 20 de abril a 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde (1ª CNLCS). Diversas instituições e organizações, entre elas a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), a Associação Paulista de Saúde Pública (APSP) e a Abrasco estarão presentes neste fórum nacional e irão promover pré-conferências em duas das grandes capitais do país. A pré-conferência de São Paulo será na próxima terça-feira, 04 de abril, e a do Rio de Janeiro, no dia seguinte, 05 de abril.
Com o slogan “Direito à informação, garantia de direito à Saúde”, o objetivo do CNS é promover a interação entre os diferentes comunicadores da saúde e coletivos de comunicação para fortalecer visões positivas e protagonistas sobre o SUS e as políticas de saúde diferentes das quais se ouve e vê nos grandes jornais e nas emissoras de rádio e de tv. “Os grandes meios dedicam-se quase que exclusivamente a noticiar deficiências assistenciais do SUS, geralmente relacionadas a filas em hospitais. Dessa forma, a mídia hegemônica omite da população informações importantes que permitiriam aos cidadãos conhecerem o SUS e o amplo rol de ações e serviços disponíveis. São informações fundamentais para as pessoas não só cuidarem de seu bem-estar, mas que também exercerem com plenitude seu direito constitucional de acesso à Saúde”, traz o documento orientador.
A realização da conferência foi aprovada pelo Plenário do CNS em 27 de janeiro deste ano, durante a 289ª Reunião Ordinária do colegiado, tendo seu escopo definido pela Resolução CNS nº 540. A inscrição foi aberta como livre demanda e selecionados 600 participantes, priorizando comunicadores ligados aos Conselhos municipais e estaduais de saúde. A programação conta com uma mesa de abertura e uma de encerramento, além de seis mesas de debates, abordando os desafios da área e da comunicação do SUS nos diferentes contextos contemporâneos, como as novas mídias, o espaço das salas de aula e a perspectiva integrada do direito à saúde e à comunicação. A Abrasco estará presente nas mesas do dia 20, com a participação de Rodrigo Murtinho, vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e integrante do Grupo Temático Comunicação e Saúde (GTCom/Abrasco) na “mesa 5: Informação em Saúde como direito”, e de Bruno C. Dias, jornalista da Associação, na “mesa 6: Experiência de coletivos de comunicação”. Confira aqui a programação completa.
Na luta por uma narrativa “100% SUS”: Por ser uma conferência livre, a 1ª CNLCS não segue a obrigatoriedade de realizar conferências municipais e estudais. No entanto, os movimentos sociais da saúde e as instituições e coletivos interessados nesse debate irão promover pré-conferências. Num processo de construção compartilhada, APSP; FSP/USP; Rede HumanizaSUS; Instituto de Saúde (IS/SMS/PMSP); Rádio WebSaúde USP; CUT-SP; Setorial de Saúde do Partido dos Trabalhadores; Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Cine Tornado Festival; Conselhos Municipais de Saúde de São Paulo e de Pindamonhangaba organizam a atividade no quadrilátero da Saúde na capital paulistana.
Allan Gomes de Lorena, sanitarista e dirigente da APSP, ressalta que os movimentos sociais da saúde precisam investir no debate da comunicação para fazer frente ao discurso privatista da saúde promovido pelos grandes meios. “Temos de ser agentes de uma narrativa 100% SUS, reconhecendo o que há de bom, o que funciona e o que dá certo, mas, também apontando os desafios que temos de superar no cotidiano nos espaços da atenção, gestão, vigilância e participação social do SUS”.
Para ele, que integra o coletivo de comunicação da APSP, ampliar o debate da democratização da comunicação passa por uma melhor compreensão e efetivação da própria construção do SUS. “A política de comunicação no SUS deve seguir os princípios básicos do sistema de saúde. Compreender os desafios da gestão, da atenção e da participação social são essenciais para fabricar uma política de comunicação para o SUS”. Na programação da atividade paulistana participarão também Fernando Lefréve, professor aposentado da FSP/USP; Marina Pitta, do Coletivo Intervozes, e Conceição Lemes, do Blog da Saúde/Portal Viomundo. Ao final, será definida a redação final de uma carta a ser encaminhada à conferência nacional. Acesse aqui a programação completa da pré-conferência paulista.
Para além das narrativas: No Rio de Janeiro, o evento é capitaneado por diversas unidades técnicas da Fiocruz, como o ICICT e o Canal Saúde, juntamente com o coletivo Intervozes, e apoio da Abrasco e do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). Rodrigo Murtinho relembra que os movimentos sociais da Comunicação e da Saúde já têm um acúmulo sobre o temário, tanto na produção científica apresentada em congressos como nos debates públicos, como os Diálogos Pense SUS, que resultaram no documento “Direito à comunicação e informação para consolidar a democracia e o direito à saúde”, aprovado como moção na 15ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em dezembro de 2015.
“Esse é um ótimo momento para que possamos aprimorar o debate desses temas candentes. É importante ter uma rede de comunicação estruturada em defesa do SUS, mas também é fundamental discutir o papel estrutural das políticas de comunicação de uma forma ampla, relacionando às questões do direito à saúde à radiodifusão, um debate público que está interditado; e ao direito à internet, que muitos acham ser um terreno democrático, mas que vem sofrendo ataques permanentes no Congresso Nacional. Em ambos os casos, são temas que definem os atores com maior poder de fala na sociedade”.
Na atividade realizada na cidade do Rio de Janeiro, o debate “Comunicação e o Direito à Saúde” contará com a participação da jornalista Bia Barbosa, integrante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC); do jornalista e ativista Diego Francisco, e da pesquisadora Inesita Soares de Araújo, do ICICT/Fiocruz e coordenadora do GTCom/Abrasco. Acesse aqui a programação da pré-conferência carioca.
“A comunicação, para além de sua dimensão instrumental, é um campo de conhecimentos que evidencia o modo como as relações de poder se instituem na sociedade. Nesse desmonte do SUS e de outras conquistas da sociedade, a dimensão simbólica, discursiva, tem um papel fundamental. A realização dessa Conferência, nesse momento, tem o mérito de amplificar essa importância, de dizer: estamos na luta, ajudando a pensar, ajudando a fazer”, reforça Inesita, que abordará as diferenças e as convergências entre direito e acesso à comunicação e à informação. “Defendo que o sentido desse direito à comunicação seja ter direito à voz, a ter canais para se expressar, ser ouvido e levado em consideração. Infelizmente, o pensamento dominante no campo da saúde é a concepção de que comunicação é sinônimo de informação, em que pesem todos os esforços para se pensar diferente. Esse direito à voz não tem estado em pauta, e sim o direito ao acesso à comunicação produzida pelas instituições de saúde, o que também é importante e muito necessário, mas é só um lado da história”, completa Inesita. Assim como na pré-conferência de São Paulo, a atividade do Rio também pretende reunir subsídios para um documento de contribuição ao fórum nacional.