A Lei 13.301/2016, sancionada pelo presidente interino, Michel Temer, a qual autoriza o uso de aviões para a pulverização de substâncias químicas a fim de combater o mosquito Aedes Aegypti, é “antidemocrática”, diz Wanderlei Pignati, porque é contrária às indicações feitas pelo Conselho Nacional de Saúde – CNS, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems e Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass. De acordo com Pignati, essas entidades, juntamente com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, questionam a “eficácia da metodologia” de pulverização, já que essa prática tem causado uma série de problemas ambientais e à saúde, quando aplicada na agricultura.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos, o pesquisador frisa que o enfrentamento do Aedes Aegypti requer uma discussão acerca de como o mosquito tem se proliferado nas cidades brasileiras. “Vários estudos demonstram que o Aedes acompanha lixo, acompanha péssimo saneamento básico. Portanto, tem que ser feita uma atuação direta em relação ao saneamento. Há quantos anos não se investe em saneamento básico no país?”, questiona. O pesquisador ressalta ainda que é preciso “controlar os óvulos do Aedes” e afirma que a “pulverização aérea matará somente os mosquitos adultos”.
Wanderlei Pignati é graduado pela Universidade de Brasília – UnB, especialista em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz com a tese “Os riscos, agravos e vigilância em saúde no espaço de desenvolvimento do agronegócio no Mato Grosso”. Estuda a contaminação das águas e as bacias, além de participar de uma pesquisa no município de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso do Sul, onde há cinco anos ocorreu um grande acidente de contaminação por agrotóxicos por pulverização. Atualmente, leciona na UFMT.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – No final do mês de junho, o presidente interino, Michel Temer, sancionou a Lei 13.301/2016, que autoriza o uso de aviões para pulverizar substâncias químicas para conter o mosquito Aedes aegypti, o Zika vírus e o Chikungunya. Como o senhor avalia a aprovação dessa lei neste momento?
Wanderlei Pignati – A aprovação dessa lei decorre de uma solicitação do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola – Sindag. Já faz alguns anos que o sindicato solicitou que essa lei fosse aprovada, com a justificativa de colaborar com o enfrentamento do mosquito. No entanto, para nós, a aprovação dessa lei não é uma colaboração, pelo contrário, com a pulverização de substâncias, irá aumentar a contaminação da população. O PL foi aprovado rapidamente, e algumas das questões de como a lei vai funcionar ficaram a cargo dos municípios, porque a palavra final será dos municípios.
A Abrasco fez um documento e nos posicionamos no próprio documento do Ministério da Saúde. Além disso, o Departamento de Vigilância em Saúde e em Vigilância Ambiental também fez um documento não recomendando a aprovação da lei, mas, mesmo assim, o presidente interino a sancionou. Logo em seguida, houve uma manifestação do Conselho Nacional de Saúde – CNS, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass, pedindo que o presidente vetasse essa lei, mas, apesar disso, ele a sancionou.
Críticas à lei
Consideramos essa uma lei antidemocrática porque o Conass, que representa os secretários de saúde de todos os estados brasileiros, e o Conasems, que representa os secretários municipais de saúde de todo o Brasil, pediram para que o presidente vetasse essa lei. Então, se as autoridades de saúde municipais e estaduais são contra essa medida, ela é de interesse de quem? Essa é a primeira pergunta que fazemos. E depois nos perguntamos sobre a questão da eficácia dessa metodologia, porque já tem uma discussão acerca da problemática da pulverização aérea nas lavouras – soja, milho, algodão, arroz e trigo – e que deriva para a cidade. Imagine fazer pulverização sobre as cidades.
A pulverização aérea é bastante complexa; ela é apresentada como algo simples, mas tem de se considerar a questão da temperatura, do vento, da umidade, das distâncias. Mas como ficam essas questões na nova legislação?
O agrotóxico indicado e usado no Brasil hoje, no fumacê ou em casa, é o Malathion, um componente químico neurotóxico que causa diarreia, vômito e problemas neurológicos. A Organização Mundial de Saúde – OMS o classificou como possível cancerígeno em um documento publicado em março de 2015, junto, inclusive, com o próprio Glifosato. Além disso, também foi publicada pela revista The Lancet Oncology, uma das revistas mais respeitadas do mundo, uma nota da OMS classificando o Malathion como cancerígeno.
Portanto, caso a lei seja posta em prática, essas substâncias vão atingir toda a população, penetrarão nas casas, nos hospitais e nas escolas, vão cair na água dos córregos e das lagoas que estão dentro das cidades. E a população será retirada para que isso seja feito? Não, ninguém vai retirar a população, que é o recomendado quando é feita a pulverização. Mas então, como essa pulverização será feita?
IHU On-Line – A lei não determina quais substâncias podem ou não ser utilizadas. Mas, de modo geral, a pulverização seria feita com o Malathion, então?
Wanderlei Pignati – A lei não determina qual substância usar, mas hoje o fumacê, que é aplicado nas casas, é feito com o Malathion.
IHU On-Line – Há uma unanimidade entre os profissionais de saúde acerca da contrariedade da lei?
Wanderlei Pignati – Essa decisão é unânime dentro da Abrasco e é quase unânime entre os próprios secretários estaduais e os secretários municipais de saúde. Espero que os prefeitos escutem os pareceres técnicos, não só da Abrasco, mas a nota técnica do próprio Ministério da Saúde, que é do Departamento de Vigilância Ambiental e de Vigilância em Saúde do Trabalhador.
O único argumento colocado nessa proposta do Sindag é uma pulverização que foi feita em São Paulo, em 1975, na baixada santista, para combater um surto de encefalite que existia à época, mas o pico da epidemia foi em 1976. Ou seja, não existe nenhum trabalho nesse sentido. Alguns trabalhos foram feitos em outros países, mas também sem muita avaliação, e agora é preciso, realmente, basear-se em toda a questão técnica que envolve o benefício desse tipo de prática.
IHU On-Line – A pulverização já foi realizada em algum local após a aprovação da lei?
Wanderlei Pignati – Não. Mas aí ficamos com um pé atrás e um pé na frente, porque pode ser que algum prefeito antidemocrático autorize a pulverização.
IHU On-Line – Que tipo de prática poderia substituir a pulverização neste caso de enfrentamento ao Aedes, ao Zika e Chikungunya?
Wanderlei Pignati – Esse surto de dengue, que acontece a cada quatro ou cinco anos no Brasil, é uma epidemia, que está virando uma endemia. Entretanto, tem que se discutir o fundamento disso: por que o Aedes aegypti se prolifera? Por que se proliferam outros mosquitos em nossas cidades? Vários estudos demonstram que o Aedes acompanha lixo, acompanha péssimo saneamento básico. Portanto, tem que ser feita uma atuação direta em relação ao saneamento. Há quantos anos não se investe em saneamento básico no país? Não dá para jogar a culpa na população.
Tem que controlar os óvulos do Aedes, aliás, essa pulverização aérea matará somente os mosquitos adultos, e os óvulos? No ano seguinte vamos fazer uma nova pulverização? É preciso combater os óvulos onde eles se desenvolvem; é essa a questão que propomos, porque a forma de combate atual não deu certo. Há algumas décadas se pulveriza o fumacê, e muitos municípios já o suspenderam porque observaram que ele não faz efeito e o mosquito fica resistente. Portanto, o uso de veneno não é indicado para erradicar o mosquito; é preciso combater os criadouros, os focos e fazer saneamento básico, acabar com o lixo.
IHU On-Line – Há algum tempo havia uma dificuldade em relação aos registros e diagnósticos de contaminação por agrotóxicos no país. Tem aumentado o número de registros e diagnósticos de intoxicações por agrotóxicos?
Wanderlei Pignati – A análise dos casos de intoxicação aguda depende, inclusive, do banco a ser analisado. Hoje existem, principalmente, dois bancos: o Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan e o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – Sinitox, e se fizermos uma comparação do que vem acontecendo nos dados estatísticos, fica evidente um aumento, nos últimos 10 anos, de intoxicações.
As intoxicações por agrotóxicos dobraram nos últimos sete anos, passando de 5 mil para 13.167 casos de intoxicação aguda, ou seja, quase triplicou o número de ocorrências. Essas intoxicações por agrotóxicos são divididas em várias categorias, segundo informações do Sinan, pois você pode considerar outras fontes menores. Se analisar os casos segundo o Sinitox, os dados mostrarão que o número de intoxicações é menor, porque muitos estados não têm o sistema nem o Centro de Informações Antiveneno – Ciave.
O Sinan divide os casos de intoxicação em agrícola, doméstica, de saúde pública, raticida e veterinária. O último dado disponibilizado pelo sistema é de 2014, e verificamos que a intoxicação agrícola passou de 2.178 para 3.849 — quase dobrou; a intoxicação doméstica passou de 442 para 1.327; de saúde pública passou de 121 para 184; raticida passou de 1.971 para 4.998, ou seja, dobrou também; e veterinária passou de 334 para 897. Isto é, a intoxicação aguda quase triplicou nesses últimos anos. Segundo um estudo da OMS, para cada um desses casos notificados, existem outros 50 casos não notificados, logo, se multiplicarmos 13 mil por 50, veremos que há mais de 600 mil casos de intoxicação aguda, porque aquele que só teve uma diarreia ou um vômito vai para casa e não notifica a intoxicação. Além disso, existem os casos de óbitos por intoxicação de agrotóxicos, que passaram de 218 em 2007 para 318 em 2012.
“Segundo um estudo da OMS, para cada um desses casos notificados, existem outros 50 casos não notificados”
IHU On-Line – Quais as novidades acerca das pesquisas que demonstram os impactos dos agrotóxicos na saúde? Como tem se avançado nessas pesquisas no país?
Wanderlei Pignati – Há uma rede de pesquisadores estudando essa questão no Rio Grande do Sul – Pelotas, Porto Alegre -, em Santa Catarina, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e Mato Grosso. No Rio de Janeiro tem o Instituto Nacional de Câncer – Inca, com o qual pesquisamos sobre a relação entre agrotóxicos e câncer.
Além da intoxicação aguda, existem as intoxicações crônicas, que causam efeitos psiquiátricos, pois existem vários agrotóxicos que, por serem neurotóxicos, causam irritabilidade e depressão, e alguns causam até distúrbios cognitivos. Vários agrotóxicos, não somente os inseticidas, são neurotóxicos e diminuem a acuidade auditiva e ocular, alguns causam até a doença de Parkinson — não estou dizendo que a doença é só causada pelos agrotóxicos —, e outros são desreguladores endócrinos e causam o mau desenvolvimento do feto.
Outros agrotóxicos causam diabetes, hipertireoidismo, infertilidade, aborto, ou seja, uma série de desregulações endócrinas. Além disso, causam depressão imunológica, pois vários deles são genotóxicos — destroem os genes —, vários são teratogênicos — causam encefalia, espinha bífida, malformações intestinais —, outros são mutagênicos — induzem defeitos no DNA do espermatozoide — e muitos são carcinogênicos — causam câncer de mama, de ovário, próstata, intestino, esôfago etc.
IHU On-Line – O que o senhor tem constatado a partir da pesquisa que realiza sobre uso de agrotóxicos na bacia do Juruena, em Mato Grosso? Quanto agrotóxico é usado nessa região e quais são os impactos da produção agrícola no entorno da aldeia Xavante-Maraiwatséde quanto à contaminação por agrotóxicos na saúde humana?
Wanderlei Pignati – No Juruena, que pega Sapezal, Campos Novos e Campos de Júlio, que têm grande plantação de algodão, soja, milho e girassol, estamos concluindo as pesquisas feitas acerca da água, do ar, da chuva e dos alimentos. Por exemplo, em algumas aldeias e ilhas dentro do Xingu, já temos constatado vários danos com contaminação e já fizemos uma devolutiva para algumas aldeias, algumas terras indígenas do Xingu e outras fora, como a Marãiwatsédé e outras que ficam à beira do Xingu.
Agora estamos ampliando a pesquisa a partir dessa área em que já foi constatada a contaminação de alguns rios e lagos dentro das terras indígenas. Estamos ampliando alguns estudos, inclusive, junto com a Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, que é a antiga Escola Paulista de Medicina, que atua lá dentro, ou seja, faremos uma pesquisa mais ampliada dentro da terra indígena.