Nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, apesar da escassez de conhecimentos, era mais simples fazer projeções de futuro, com base na taxa de transmissão do vírus e nas proporções de casos graves, hospitalizações e óbitos.
De lá para cá, parte da população teve infecção, ganhando algum grau de imunidade; chegaram —com alcance e velocidade muito heterogêneos pelo mundo— diversas vacinas, altamente efetivas para reduzir casos graves e óbitos, mas que não impedem a transmissão. Novas variantes do Sars-CoV-2 têm surgido, com características diferentes da original, inclusive no que se refere à possibilidade de escapar da imunidade adquirida. Atitudes, comportamentos e ambientes mudaram. Além disso, começam a se tornar disponíveis alguns medicamentos que apresentam bons resultados no tratamento da doença.
Fazer previsões tornou-se uma tarefa de grande complexidade. Embora os casos e óbitos diários no Brasil tenham caído muito desde o início de 2022 e seja improvável uma explosão semelhante às outras que houve, a situação é de intranquilidade, com números que ainda indicam muito sofrimento humano.
Desenhar cenários para as próximas semanas ou meses é tarefa arriscada. Contrariando a ideia de que a crise passou, linhagens BA.2, BA.4 e BA.5, derivadas da variante ômicron, fazem aumentar os casos em vários países e podem infectar até quem teve infecção recentemente. Persistem incertezas quanto à duração da proteção conferida pela doença e pelas vacinas e sobre a possibilidade de efeitos prolongados da Covid.
É certo que o vírus continuará circulando, e tem se tornado comum ouvir que precisamos aprender a conviver com ele. Esta frase esconde uma pergunta essencial: qual é a intensidade tolerável para esta instável e perigosa convivência?
A alta cobertura vacinal e a diminuição na incidência não são argumentos para abandonar as medidas de prevenção. Ao contrário, representam a oportunidade desejada para levar a transmissão ao menor patamar possível e organizar ações deixadas de lado por negligência ou falta de capacidade durante os períodos mais críticos. Um plano continua sendo necessário e deve incluir:
1 – Reforçar a vacinação. Quem não recebeu as doses indicadas deve ser convocado por ampla campanha de comunicação oficial e busca ativa pelas equipes de saúde. O comprovante de vacinação deve ser cobrado em todas as oportunidades (trabalho, educação, eventos, viagens etc.);
2 – Retomar o uso de máscaras de boa qualidade em ambientes fechados. É medida barata, de eficácia comprovada e sem contraindicações;
3 – Testar de forma ampla, com acesso fácil e sem custo. Com ou sem sintomas, o Sistema Único de Saúde deve oferecer acesso fácil à testagem, orientação e comprovantes para justificar ausência ao trabalho ou estudo. Os autotestes devem ser fornecidos sem ônus pelo SUS, por estabelecimentos de ensino e empregadores, ampliando a possibilidade de que cada um se engaje também na proteção coletiva;
4 – Rastrear contatos. Com número menor de doentes, é possível identificar quem teve contato recente com casos, realizar exames, orientar isolamento e quarentena. Dessa forma, pode-se interromper as cadeias de transmissão. Não é demais lembrar que manter em atividade pessoas com quadro leve tem resultado em mais transmissão, afastamentos e mesmo casos graves;
5 – Organizar a vigilância laboratorial, com monitoramento da circulação de vírus entre pessoas assintomáticas e um programa consistente de análise genética, com integração do trabalho realizado por laboratórios de saúde pública, instituições de pesquisa e laboratórios privados, de forma a aumentar a quantidade de testes capazes de identificar as variantes do vírus e melhorar a representatividade regional.
A pandemia continua causando muito sofrimento. O período em que ela parece estar mais branda não deve gerar relaxamento, mas ser aproveitado com chance rara para fortalecer as medidas e diminuir o quanto for possível a circulação do vírus.