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Abrascão em Manguinhos: Um Grande Encontro Sobre Saúde Coletiva

Vilma Reis com informações de RioOnWatch e Fala Manguinhos

Matéria escrita por Edilano Cavalcante e produzida por parceria entre RioOnWatch e Fala Manguinhos!, como prática de comunicação comunitária produzida por e para Manguinhos, o Fala Manguinhos! tem em sua origem a defesa dos direitos humanos e ambientais, promoção de cidadania e saúde com a participação direta dos moradores e moradoras nas decisões que envolvem a Agência de Comunicação Comunitária de Manguinhos, a partir dos encontros do grupo de comunicação do Conselho Comunitário. A participação de comunicadores de coletivos foi diversa: o Abrascão 2018 recebeu representações do Movimento Popular de Favelas, Redes da Maré, Observatório de Favelas e Papo Reto.

Acesse aqui as fotografias de Brunna Arakaki, da Comunicação Cooperação Social / Fiocruz

A Fiocruz recebeu entre os dias 26 e 29 de julho o 12° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). O evento, apelidado de ABRASCÃO, tinha como tema esse ano o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), dos direitos e da democracia. Essas discussões são de especial importância em um cenário atual que inclui o desmonte do SUS, retrocessos nas leis trabalhistas, a desqualificação da educação pública (desde o ensino de base até o universitário), privatizações dos bens e reservas nacionais, em sua maioria sem a participação, para não dizer a aprovação, da população.

O público do congresso era a comunidade científica, mas representantes de movimentos sociais foram convidados para apresentar seus trabalhos e fazer provocações em algumas das mesas e rodas de conversa, refletindo em uma maior participação dos movimentos sociais em relação às edições anteriores. No entanto, a falta de apoio governamental para a realização do congresso resultou em taxas de inscrição muito altas, que impediam a participação de muitos como ouvintes, especialmente dos moradores da região.

O Fala Manguinhos! realizou a cobertura do evento a convite da Cooperação Social da Fiocruz, que também apoiou a participação de outros coletivos e organizações de favelas. Nós vimos nesse convite uma oportunidade de divulgação e popularização dos conteúdos do congresso, cujo ingresso era de um valor que impedia a participação de muitos, especialmente dos moradores da região. No intuito de aproximar os debates dos moradores de Manguinhos, ajudando a provocar ideias e propostas a partir do território sobre saúde pública, realizamos a transmissão ao vivo na nossa página de palestras e rodas de conversa.

Ainda com o intuito de disseminar o conhecimento circulado no evento, entrevistamos Leonídio Santos, coordenador da Cooperação Social da Fiocruz que participou da mesa “Estratégias para promoção da saúde e gestão territorial democráticas em favelas”, e Patrícia Evangelista, militante e moradora de Manguinhos, que fará parte da segunda parte dessa matéria. Confira abaixo a entrevista com o Leonídio:

Edilano Cavalcante: Leonídio, qual a importância do tema do evento e dele acontecer aqui na Fiocruz?
Leonídio: Mais de oito mil pessoas participaram das conferências, palestras, mesas redondas, rodas de conversas e atividades culturais nesses quatro dias. Foram quatro dias intensos, nos quais os pesquisadores, trabalhadores, estudantes e conselheiros de saúde e representações do movimento social apresentaram seus estudos, propostas e moções para fortalecimento do SUS, dos direitos e da democracia. Importante destacar que o congresso possibilitou intercâmbios, reflexões sobre as práticas em saúde, mobilização política pela saúde coletiva e aproximação de diferentes grupos atuantes na luta pelo direito à saúde.

A realização do congresso nacional da ABRASCO no Campus Manguinhos, no meu ponto de vista, significa muito para a Fiocruz, porque existe um alinhamento direto entre o tema “Fortalecer o SUS, Direitos e a Democracia” com a luta da Fiocruz por melhores condições de vida para a população e pelo compromisso com a democracia e a cidadania em nosso país.

O documento final do congresso que são orientativos para toda a comunidade que luta a favor da saúde coletiva também influenciarão a própria Fiocruz. Esses incluem “a defesa de uma sociedade democrática, justa, respeitosa da diversidade, solidária e orientada pela igualdade, com estratégias de promoção da equidade social, cultural, territorial, de gênero, de etnia e o combate a todas as formas de violência, intolerância, discriminação, racismo, homofobia, segregação e exclusão”; “a defesa do direito à saúde e do Sistema Único de Saúde, em seu caráter efetivamente público e universal, como pilar do sistema de proteção social e um projeto político da Nação e do povo brasileiro” e “a defesa da manutenção e avanço na garantia da integralidade da atenção a partir das políticas nacionais de saúde bucal, mental e de populações das políticas de equidade – LGBT, do campo, negra, indígena”.

EC: A Fiocruz está localizada em Manguinhos, um dos bairros mais empobrecidos da cidade do Rio de Janeiro. Dentre muitos outros, um dos direitos mais urgentes de se garantir é o direito a vida, rotineiramente violado pelas ruas e becos de Manguinhos e nas favelas como um todo. No congresso foi debatida a saúde pelo viés da segurança? Teve participação de moradores de favela nesse debate?
Leonídio: No Congresso foram discutidas políticas públicas relacionadas à segurança pública, guerra às drogas e genocídio da juventude negra em favelas brasileiras. Essas temáticas foram debatidas com a participação de congressistas de outros estados brasileiros. Mereceu destaque o contexto de intervenção federal militar na Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, que vem gerando um crescimento de aproximadamente 40% no número de ocorrência de tiroteios nas favelas do Rio e dos municípios da região metropolitana. Os diversos pontos de vista foram expostos em mesas redondas, rodas de conversas e nas mesas de abertura e encerramento, com a afirmação da presidente da Fiocruz Nísia Trindade de que as vidas nas favelas importam.

A participação foi diversa e se fizeram presentes representações do Movimento Popular de Favelas, de ONGs (incluindo a Redes da Maré, o Observatório de Favelas), coletivos (Papo Reto, Movimentos), trabalhadores e conselheiros de saúde de Manguinhos, da Maré e de outros estados.

EC: Como pensar a democratização da saúde pelo viés da prevenção em áreas de favela?
Leonídio: O SUS inovou em relação às políticas anteriores de saúde por não apenas focar na prevenção e na assistência, mas por ampliar as ações de saúde, incorporando a dimensão da vigilância e promoção. Com isso, a ideia de prevenção que culpabiliza as pessoas por suas doenças, focada numa atenção hospitalocêntrica, se apresenta como superada. No âmbito do SUS, sob os princípios da universalidade, integralidade e da participação social, a saúde se constrói não apenas para as pessoas, mas com as pessoas. Neste sentido, é importante fortalecer e aprimorar os mecanismos de participação existentes no setor da saúde, mas também garantir a presença do Estado através de políticas públicas efetivas, transparentes, participativas, contínuas e territorializadas.

EC: Isso tem a ver com a construção de territórios saudáveis, uma das bandeiras da Fiocruz?
Leonídio: Território é um termo polissêmico, especialmente pelo seu uso em diversas disciplinas. Uma parte importante da literatura em saúde o assume na perspectiva das relações de poder, o que é importante para se pensar em como ele pode ser saudável. Pensar o ‘saudável’ passa por reconhecer que não existe saúde sem moradia adequada, emprego, lazer, transporte público de qualidade, segurança pública que preserve a vida e valorize direitos, dentre outros aspectos. Nesse sentido, o território saudável se forma enquanto um espaço social em que as políticas públicas em suas mais diversas vertentes se concentram na sua operacionalização com foco na vida humana e ambiental, atuando com equidade e por meio de mecanismos participativos, e se ajustando às dinâmicas territoriais onde está inserida. Num país desigual como o Brasil, cuja democracia sequer foi plenamente implementada, é essencial constituir e fortalecer as ações organizadas e coletivas e estabelecer mecanismos de governança democrática territorial, especialmente nas periferias, bairros empobrecidos e favelas.

EC: Como a ABRASCO planeja democratizar e disponibilizar as idéias, aprendizados e metas construídas durante esses quatro dias? E qual é o próximo passo para continuar debatendo saúde e a garantia dos direitos?
Leonídio: Como a comunidade Fiocruz contribuiu nos debates nas diversas áreas temáticas e campos de discussão relativos à saúde coletiva, também absorverá as contribuições advindas das conferências, palestras, mesas redondas e rodas de conversas realizadas no congresso. Em linhas gerais pode-se apontar que essas contribuições poderão reverberar nas ações da instituição e poderá influenciar os debates nas câmaras técnicas e nas unidades da Fiocruz.

As moções e o documento final aprovados no congresso poderão ser utilizados pelos movimentos sociais organizados, conselhos gestores, pesquisadores e militantes da educação popular em saúde para nortear os debates e ações junto à população e aos trabalhadores da saúde, como os Agentes Comunitários de Saúde.

 

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