Os abrasquianos Rosana Onocko e Paulo Amarante participaram da matéria “Saúde mental brasileira sofre de instabilidade”, produzida pela repórter Iara Binderman para o especial “6º fórum a saúde do Brasil”, que circulou em evento realizado pelo grupo Folha e foi publicado em 27 de maio.
Os docentes criticaram as mudanças pelas quais as políticas de saúde mental, álcool e outras drogas vem passando a desde 2015. Num movimento paulatino, conquistas como as promovidas pela lei 10.126/2011, que garantem os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, e pela portaria Nº 3.088/2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no âmbito do SUS, estão sendo abandonadas, relegando as ações de humanização e desospitalização em prol de modelos manicomiais, como a internação compulsória e a abstinência forçada como única estratégia de dessensibilização para consumos abusivos de substâncias lícitas e ilícitas.
Coordenadora do Grupo Temático Saúde Mental, Rosana Onocko destaca que a aplicação de políticas públicas para o setor não pode ficar à mercê de opiniões ou de compromissos eleitorais de cada governo, e que princípios como a integridade da pessoa humana, a política de humanização e o Projeto Terapêutico Singular (PTS) devem ser respeitados e mantidos. “O sistema deveria ser mais estável”, diz.
Paulo Amarante, também coordenador do GTSM/Abrasco, ex-vice-presidente da Associação e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), ressalta ainda que o desmonte em curso resgata um modelo de política em saúde mental questionado nos últimos 40 anos e que destinava 97% dos gastos para hospitais psiquiátricos, agora travestidos em ‘comunidades terapêuticas’. “Aumentar os leitos de psiquiatria é mais fácil, a internação aparentemente é mais resolutiva para a família, mas para quem sofre o problema significa perder a visibilidade”, diz Amarante.
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Saúde mental brasileira sofre de instabilidade
O Brasil apresenta as maiores taxas de incapacidade causada por depressão (9,3%) e ansiedade (7,5%) do continente americano, segundo estudo da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).
Em relatório publicado em março, a organização diz que os investimentos atuais estão abaixo do necessário para abordar a carga dos transtornos mentais na saúde pública.
Segundo o Ministério da Saúde, a previsão orçamentária para a área de saúde mental em 2019 é de R$ 1,6 bilhão, menos de 1,5% do orçamento total da pasta para a atuação neste ano (R$ 122,6 bilhões).
A média mundial de gastos com saúde mental é de 2,8% do total destinado à saúde —um percentual baixo na avaliação de organismos internacionais como a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Falta dinheiro, mas a questão não é só orçamentária, diz Rosana Onocko, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coordenadora do grupo temático de saúde mental da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). “A aplicação de políticas públicas para a saúde mental fica à mercê de opiniões ou compromissos de cada governo. O sistema deveria ser mais estável”, diz.
Para Paulo Amarante, do Laboratório de Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz, a área precisa de políticas de Estado não atreladas a mudanças de governos.
Além de recursos, é preciso ter em conta para onde o dinheiro é destinado. “Estamos vivendo um desmonte de toda a política pública de saúde mental dos últimos 40 anos, quando foi revisto um modelo que, até o final dos anos 1970, destinava 97% dos gastos para hospitais psiquiátricos”, diz.
À época, novas correntes da psiquiatria condenavam internações indiscriminadas nessas instituições. Então, vagas hospitalares foram fechadas e centros de convivência e residências terapêuticas ganharam importância.
Com o que Amarante chama de “desmonte atual”, somado ao aumento do número de pessoas que perderam seus planos de saúde, cresceu a demanda por hospitais psiquiátricos, em sua avaliação.
“Aumentar os leitos de psiquiatria é mais fácil, a internação aparentemente é mais resolutiva para a família, mas para quem sofre o problema significa perder a visibilidade”, diz Amarante.
Internação tampouco é tratamento para quem sofre de depressão ou ansiedade, classificados oficialmente como transtornos comuns. Há um gargalo para o atendimento desses casos. “Nos centros de atendimento, como os Caps (Centro de Atenção Psicossocial), há muita demanda para transtornos graves, como esquizofrenia. Para os comuns falta espaço”, afirma Onocko.
Segundo o Ministério da Saúde, R$ 153 milhões estão destinados neste ano às ações da Rede de Atenção Psicossocial.
Um instrumento para ações preventivas seria a lei 13.819, sancionada em abril, que determina a notificação compulsória por estabelecimentos de saúde e instituições de ensino de casos de violência autoprovocada.
“É bom ampliar cuidados, mas uma portaria não dá conta, é preciso oferecer apoio, ampliar a rede de acolhimento”, diz Amarante.
O Ministério da Saúde informa que a assistência às pessoas com transtornos mentais acontece de forma integral e gratuita em diversas unidades do SUS em todo o Brasil. Entre os serviços de referência para acompanhamento estão as 42 mil Unidades de Saúde da Família e os 2.589 Centros de Atenção Psicossocial.