O ano de 2015 é o último que o país tem dados sobre a contaminação de alimentos por agrotóxicos no Brasil. O Para – Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, divulgou seu último relatório em 2016, com dados referentes ao triênio de 2013 a 2015.
O documento fez uma série de alertas e apontamento de alimentos com problemas, mas desde então não há publicação dos dados. A previsão é que um novo relatório seja divulgado apenas no segundo semestre.
O Para foi criado em 2001 para avaliar, de forma contínua, os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal. Desde que foi criado, já foram analisadas mais de 30 mil amostras de 25 tipos de alimentos –e que representam mais de 70% do que é consumido de frutas, hortaliças, cereais, raízes e legumes no país. Nesse último relatório, foram apontadas irregularidades em 19,7% das amostras de agrotóxicos, que tiveram uso de material não autorizado ou extrapolaram o limite. Dos 25 tipos de alimentos pesquisados, 13 apresentaram algum grau de contaminação, com taxas de 0,1% a 12,1% das amostras.
Em uma resposta dada após pedido feito por meio da LAI – Lei de Acesso à Informação, em 8 de janeiro, a Anvisa informou que o Para foi “interrompido em 2016 em função da reestruturação do programa” e por isso “não será emitido relatório referente a esse período”. “As coletas da 1ª etapa do novo plano de amostragem plurianual foram retomadas em agosto de 2017 e finalizadas em junho de 2018. As análises laboratoriais das amostras correspondentes à 1ª etapa foram finalizadas em novembro de 2018. Os dados estão em fase de consolidação e análise estatística. As próximas etapas são a elaboração, revisão e publicação”, informou em janeiro.
“A gente não sabe o que aconteceu em 2016, 2017 e 2018”, afirma a pesquisadora em saúde pública da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva Karen Friedrich, que também é professora da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Para ela, quanto mais demora a publicação dos dados, menos eficientes se tornam as ações de educação e vigilância. “A gente estima que esses dados podem até vir a piorar, principalmente se a gente lembrar que hoje há uma diminuição significativa do incentivo à agricultura familiar, em especial na produção de alimentos orgânicos e agroecológicos”, diz. Friedrich acompanha o Para desde o seu lançamento e diz que o programa sempre mostrou contaminação de agrotóxicos nos alimentos e ajudava a balizar políticas para reduzir os danos. “Os resultados do último relatório foram muito preocupantes. Foi a primeira vez que a Anvisa fez isso: ela calculou o risco agudo que as pessoas poderiam manifestar ao consumir esses alimentos, ou seja, quais os efeitos depois do consumo.
Observou que 1% dos mais de 12 mil alimentos pesquisados poderiam provocar problemas de saúde logo após o consumo”, avalia. “Se a gente recordar anos atrás, por exemplo, a contaminação do tomate estava alta. No ano seguinte, essa contaminação já diminuía porque esses resultados causavam ações no campo para evitar contaminações e uso de agrotóxicos acima do permitido. O morango também era um caso muito emblemático e teve redução parecida”, completa. Um detalhe que Friedrich chama a atenção é que não se conhecem ainda os riscos de contaminação cruzada desses agrotóxicos.
“Apesar de não ter sido calculado, o risco de manifestar doenças a longo prazo pode ser ainda maior porque mais de 20% das amostras analisadas continham três ou mais agrotóxicos, e 1% tinha mais de 11. Os impactos dessas misturas são imprevisíveis”, explica. Segundo ela, a suspensão na publicação dos relatórios também fere o direito à informação ao consumidor. “A gente tem direito de saber o que é que tem no alimento que a gente consome, na água que a gente bebe. Essa informação serve também para orientar o agricultor se ele tá usando excessivamente, se ele está usando agrotóxicos proibidos para aquela cultura. É com isso que dá para fazer ações de educação no campo.”
Ações de monitoramento também ajudam a manter a saúde dos trabalhadores rurais. “É claro que do ponto de vista da saúde o ideal é que não se utilize nenhum agrotóxico, porque todos têm algum grau de toxicidade. Mas essa análise é fundamental para apontar se determinada cultura tem agrotóxicos usados em mistura e, se tiver, o estado pode ir àquele local e orientar ações de vigilância na saúde desses trabalhadores”, diz.
Questionada pelo UOL, a Anvisa disse que o Para “continua rodando, e as análises estão sendo feitas dentro do previsto no programa”. A assessoria do órgão diz que ocorreu apenas “uma mudança na periodicidade de divulgação” e não cita a paralisação da informação ocorrida entre 2016 e 2017. “Isso [mudança de periodicidade] permite que os relatórios tragam dados mais robustos e representativos, inclusive no sentido de identificar tendências em relação ao uso dos produtos agrotóxicos e no modo de uso no Brasil. A próxima rodada de divulgação dos dados deve acontecer no segundo semestre deste ano e vai trazer dados acumulados desde a última divulgação”, afirmou. Ainda segundo o órgão, o programa contou com orçamento de R$ 5 milhões para “análises e suporte, custos diretos do programa, nesta última rodada de três anos”.
(Reportagem “Governo fica 3 anos sem divulgar dado de testes com agrotóxico em alimentos” de Carlos Madeiro, publicada no UOL)