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Austeridade para além de conceitos e efeitos

Inês Costal e Patrícia Conceição com colaboração de Camila Reis - Observatório de Política

Muito se tem falado sobre políticas de austeridade e seus impactos sobre a saúde da população brasileira. Ainda que a revisão de literatura sobre a experiência de outros países aponte que medidas restritivas só agravam os efeitos negativos das crises econômicas, a austeridade é o caminho defendido e adotado pelo atual governo federal. Para compreender as consequências deste tipo de política para a vida das pessoas e para o aumento das desigualdades, os/as pesquisadores/as Isabela Soares Santos (Ensp/Fiocruz), Fabiola Sulpino Vieira (IPEA) e Carlos Ocké Reis (IPEA) se reuniram na mesa-redonda “Política de austeridade, injustiça social e precarização da saúde”, realizada no primeiro dia do Abrascão 2018.

A austeridade pode ser compreendida como uma severidade ou rigor fiscal em relação a gastos e despesas, caracterizada pela implementação de políticas governamentais que exigem grandes sacrifícios da população. Segundo a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Isabela Soares Santos, primeira convidada da mesa-redonda a se apresentar, as políticas de austeridade são uma espécie de acirramento das políticas neoliberais, que conviveram em uma correlação de forças com as políticas sociais durante 30 anos.

“É importante entender como as famosas políticas de austeridade fiscal podem interferir no Sistema Único de Saúde (SUS) e em todo o sistema de saúde e falar isso não só aqui, num ambiente acadêmico, mas em outros espaços, com outras linguagens, para atingir outros públicos”, ressaltou a diretora executiva do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), para quem o cenário torna-se mais trágico com a Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), “um genocídio que já começou a ser preparado no Brasil”.

Isabela elencou alguns efeitos percebidos em outros países que viveram a crise econômica e a imposição de políticas de austeridade, como aumento do desemprego e da pobreza, diminuição dos gastos públicos com políticas sociais, redução dos serviços de saúde, piora das condições de saúde de forma geral e da saúde mental especialmente, restrição do direto à saúde, aumento da taxa de suicídio e de doenças crônicas, além do retorno de doenças já erradicadas. Consequências como estas atingem proporcionalmente os mais pobres e vulneráveis, gerando um aumento da desigualdade. “O Brasil já é um país desigual e aqui esses efeitos tendem a ampliar ainda mais a desigualdade”, destacou. Clique aqui para acessar boletim do OAPS sobre o tema.

Para enfrentamento da situação, a pesquisadora defendeu a importância do trabalho de base e a construção de uma agenda que unifique projetos já formulados por diferentes entidades: “O papel da academia e dos movimentos sociais é compreender e analisar a conjuntura atual, resistir, propor e formular. […] Buscar o que nos une, o que cria identidade de luta”. Para acompanhamento e análise da conjuntura, alguns indicadores apresentados por Fabiola Sulpino Vieira, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e segunda expositora da mesa, sinalizam caminhos possíveis. Entre aqueles elencados por Fabiola estão desemprego; número de clientes de planos de saúde; gasto público com saúde total; participação do governo e das famílias nas despesas de consumo final de bens e serviços de saúde; taxa de suicídio; mortalidade materna e infantil; e saúde mental, considerando a escassez de informação sobre a prevalência de transtornos mentais no país.

Na apresentação intitulada “Austeridade fiscal no Brasil e o Sistema Único de Saúde”, a pesquisadora do IPEA citou as críticas ao uso do termo “austeridade” pelos neoliberais para justificar a moderação dos salários e da oferta de bens e serviços públicos, mas não os lucros. Ou seja, há uma restrição das políticas públicas, atingindo apenas uma parcela da população. Neste contexto, a EC95/2016 representa o “auge da austeridade no país”, na medida em que limita as despesas com as políticas públicas e impõe o congelamento do gasto mínimo com a saúde, provocando uma redução da participação das despesas com saúde em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “É uma forma de reformar o Estado sem fazer uma reforma porque está forçando as políticas públicas a regredirem, reduzindo a oferta de serviços”, explica Fabiola.

Como resultado, há uma diminuição da capacidade de resposta do governo em termos de oferta de serviços de saúde e das demandas de saúde da população. Segundo Fabiola, “o novo regime fiscal altera a constituição” porque altera a forma de apuração – enquanto o novo sistema fiscal apura as despesas com base no pagamento, o governo federal calculou o gasto mínimo com saúde de 2017 com base nas despesas empenhadas. Para a pesquisadora, a saída para reverter os efeitos da crise, a partir da experiência de outros países, está na preservação dos programas de proteção social para a retomada do crescimento econômico em prazo mais curto: “Preservar os programas sociais e proteger as pessoas é o caminho”.

Para além de diagnósticos, caminhos possíveis

Qual o papel da política de saúde para dinamizar um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil e, simultaneamente, derrotar a direita? Com esta questão central, o pesquisador do Ipea (RJ) Carlos Ocké Reis apresentou suas alternativas às políticas de austeridade, entre elas a revogação da EC95/2016; ampliação da regulação dos setores privados com atuação na saúde; reforma tributária, com mudança da composição da carga tributária para deixar de penalizar as classes populares e médias; auditoria da dívida pública; e recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

“É preciso traçar uma tática eleitoral para derrotar os golpistas, neoliberais e fascistas”, defendeu de forma enérgica. Para o pesquisador, a saúde pública pode ser escolhida como pauta da agenda progressista por sua potencialidade de mitigar os efeitos da crise na população, na perspectiva de que o “SUS reduz as desigualdades, enquanto as políticas de austeridade aprofundam a desigualdade”. Carlos destacou ainda as dificuldades da luta, que deve passar necessariamente pela mobilização dos/as trabalhadores/as: “Mesmo que ganhemos o governo em outubro, enfrentaremos sérios obstáculos para implementar essas propostas que consideramos fundamentais. É preciso criar condições políticas que viabilizem essas medidas”.

Ao final do debate, um representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS) divulgou uma campanha pela revogação da EC95/2016, apontada pelos/as três pesquisadores/as como estratégia central.

A austeridade é tema da cartilha “Austeridade, que história é essa? Como o arrocho pode afetar nossos direitos e como enfrentá-lo”, elaborada pelo Cebes e lançada na sexta-feira (27). Clique aqui para baixar a cartilha.

 

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