Nestes 35 dias que antecederam o 5 de junho de 2017, três massacres calaram a luta de 22 brasileiros. O primeiro foi em Colniza, no Mato Grosso, em 20 de abril, com 09 torturados e mortos. Em Vilhena, Roraima, no dia 29 de abril, foram encontrados 03 corpos carbonizados dentro de um carro, na mesma fazenda em que 05 trabalhadores foram mortos e três dos quais queimados ainda vivos em 2015, um crime impune. O ataque aos índios Gamela aconteceu no dia 30 de abril, em Viana, no Maranhão, com 22 feridos, 02 com mãos decepadas. O mais recente foi o que aconteceu em Pau d’Arco, no sul do Pará, no dia 24 de maio, quando foram mortos 09 homens e 01 mulher. Os dados comprovam que o governo federal não foi capaz de implementar uma política de desenvolvimento sustentável e, muito menos, uma política de regularização fundiária que respeite os direitos humanos das populações do campo.
Para estimular o debate neste Dia do Meio Ambiente, a Abrasco ouviu o GT Saúde Indígena e o GT Saúde e Ambiente para produzir um alerta, chamando os abrasquianos não somente à reflexão, mas, principalmente, à ação em defesa da vida. Não podemos simplesmente acreditar que essa nova onda de violência no campo não tenha relação direta com a atuação do Congresso, podemos?
Senado aprova as MPs 756 e 758 e Câmara a MP 759
As Medidas Provisórias 756, 758 e 759, recentemente aprovadas, liberam importantes remanescentes florestais na Amazônia para a ocupação privada, com o consequente agravamento do desmatamento, ameaça a povos indígenas, comunidades tradicionais e assassinatos derivados de conflitos fundiários. As duas primeiras reduzem a Floresta Nacional do Jamanxim e o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, e o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina. As três unidades de conservação perderam ao todo meio milhão de hectares, área equivalente à do Distrito Federal. As terras subtraídas das reservas se tornarão Áreas de Proteção Ambiental, categoria onde são permitidas atividades agrícolas, pecuárias e de mineração que não causem grandes danos. É a ofensiva contra as áreas de proteção e abrindo caminho para a legalização da grilagem – “Florestas e parques nacionais brasileiros correm o risco iminente de perder uma área de 80 mil quilômetros quadrados, o equivalente ao território de Portugal, alerta o World Wide Fund for Nature, conhecido pela sigla WWF, organização internacional de proteção ambiental. Em seu mais recente dossiê, divulgado dia 17 de maio, a entidade é categórica: “O Brasil vive uma ofensiva sem precedentes sobre as áreas protegidas”.
O Observatório do Clima, uma rede de 43 organizações da sociedade civil, formada há 15 anos para discutir mudanças climáticas no contexto brasileiro, alerta que o Brasil assiste a um empoderamento sem precedentes da bancada ruralista, com um ataque às áreas protegidas e a criminalização de indígenas por representantes de um agronegócio que se diz moderno, mas que não vive sem ajuda generosa do governo – “A saída para a crise depende, primeiramente, da depuração do sistema político, e a Lava Jato deve ser apoiada pela sociedade nesta tarefa. A resposta, porém, é muito mais ampla. Não adiantará meramente substituir governantes se os próximos que assumirem a liderança operarem sob as mesmas regras, arranjos e em prol de interesses privados e de curtíssimo prazo que degradam o meio ambiente, os direitos e o futuro do país. O Brasil precisa olhar para o longo prazo e adotar um modelo de desenvolvimento limpo – em todos os sentidos”.
Para o coordenador do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco, André Burigo, precisamos ampliar a visibilidade sobre os conflitos no campo, sobre os diferentes tipos de violência que são característica estrutural do agronegócio e não falhas pontuais do sistema – “Vejam a matéria publicada pela BBC Brasil “Com crise no governo, ruralistas aceleram votação de projetos polêmicos”, ninguém fala sobre a perseguição da Fundação Nacional do Índio – Funai, Conselho Indigenista Missionário – Cimi e Instituto Socioambiental – ISA. Também ninguém comenta e repercute os projetos de lei que tentam excluir a rotulagem de transgênicos; a MP em discussão e projetos de lei que destroem a legislação de agrotóxicos no Brasil; a revisão seletiva do Censo Agropecuário. Enfim… uma avalanche de destruição”, lamenta Burigo, pesquisador e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz.
Também na coordenação do GT Saúde e Ambiente, Gabriel Eduardo Schütz, alerta para as situações de retrocesso -“De uma situação que nunca foi boa, mas que consegue piorar ainda mais, estou me referindo à (a ordem não é de hierarquias) desregulação do uso de agrotóxicos, ao fim das rotulações; mudança na elaboração do mapa de procedimentos para o registro de agrotóxicos – MAPA por parte da Anvisa; mudança do censo agropecuário, CPI da Funai; expulsão e violências contra índios; o esvaziamento das atividades do Ministério da Saúde junto com os movimentos sociais; a judicialização da pesquisa científica e outros horrores”, diz o pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Carlos Coimbra, coordenador do Grupo Temático de Saúde Indígena da Abrasco que juntamente com a pesquisadora Ana Lúcia Pontes, também do Grupo, organizaram na semana passada o debate #DemarcaçãoJá – sobre os Retrocessos nos Direitos Indígenas no Brasil que aconteceu dia 30 de maio, na Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP, da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, no Rio de Janeiro – “Este debate sobre os retrocessos nos direitos indígenas no Brasil começou por ser uma atividade ‘professor e aluno’ mas foi crescendo, devido ao cenário atual de grande retrocesso de direitos e de aumento do racismo étnico. Os conflitos fundiários estão se acirrando e não temos conseguido acompanhar tudo com respeito. Os fazendeiros não estão de brincadeira e estão muito fortalecidos. Hoje, no Brasil, matar um índio é uma coisa menor e esse país me envergonha” lamentou Carlos.
Neste país onde o ‘Agro é pop’ crescem as áreas cultivadas mediante a expropriação das terras indígenas e camponesas. Os cinco primeiros meses de 2017 já registram 37 mortos no campo. O número de mortos superou a violência registrada em 2016, quando 27 pessoas foram assassinadas. Quais serão os números de 2018?