Método e as determinações na saúde são duas das marcas do pensamento epidemiológico. O que está além dessas marcas e como demais campos do conhecimento se relacionam com a epidemiologia marcaram a apresentação de Maurício Lima Barreto, professor aposentado do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), professor honorário da London School of Hygiene and Tropical Medicine, da London University, membro da The World Academy of Sciences (TWAS) e ex-presidente do 3º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, realizado em 1995, na cidade de Salvador, que recebeu no início da sessão junto com os demais ex-presidentes uma homenagem da Abrasco (confira aqui). A coordenação foi da professora Maria Amélia Veras, do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
“Venho aqui trazer ideias de um velho epidemiologista que tem trabalhado diaturnamente nesses temas e tem preocupações sobre a própria disciplina.” Inicialmente, Barreto disse que buscou seguir a proposta de tema da Comissão Científica, mas encontrou mais barreiras do que aportes. “Na definição clássica, fronteira é o sentido de limite e, mais recentemente, virou sinônimo de área perigosa, belicosa. Preferi então o termo Bordejando, pois nem sempre se consegue trabalhar pela rota principal dos rios, mas sim, navegar por outros caminhos”.
Em um congresso repleto contribuições e estudos, Barreto preferiu seguir o caminho da filosofia e da sociologia das ciências para pensar avanços e deficiências da área, “uma ciência viva não é terminada, relativamente jovem e que está tentando superar suas deficiências, pois conta com forças internas que a mantém em constante movimento de recriação”.
Para Barreto, o conhecimento epidemiológico encontra-se no topo das grandes ordenações do pensamento, seja no corte da área biomédica, onde responde pelas questões populacionais, seja na área das ciências humanas, que o coloca a pensar as situações de saúde e vida das coletividades. No entanto, esse topo não é uma garantia ou segurança, segundo o professor, dado que o conhecimento tende à especialização, como se vê na área, com já contam com diversas divisões, diversas epidemiologias como a social, a ambiental, a cultural/comportamental, a clínica, a molecular e a genética/genômica. “Quando a disciplina cria sub-ramos isso cria em problemas de gestão. O que unifica esses vários campos?”, questionou Barreto.
Junto com esse problema de gestão, o professor sinalizou outras situações críticas que atravessam a área, como o distanciamento da epidemiologia da Saúde Pública/Saúde Coletiva e as ideias do pesquisador neozelandês, que avalia o movimento interno dos campos do conhecimento como movimentos de atração e repulsão dentro de um contexto maior da construção do conhecimento.
Outra crítica foi o excessivo aporte nos métodos estatísticos. “O mainstream da epidemiologia se preocupa com os métodos, aqui houve debates sobre isso o tempo todo, mesmo que de forma mais arejada, sem perder a importância do rigor do método. Acredito no senso de missão, que compõe a sustentação dos saberes científicos. O nosso está em manter-se conectado c om o Sistema de Saúde, e logo, sempre envolvido com questões políticas”, definiu Barreto , destacando o papel central que a Abrasco e demais atores da Reforma Sanitária brasileira tiveram ao emplacar o termo equidade no texto constitucional.
Mesmo com a crítica aos modelos, Barreto destacou como são fundamentais para o trabalho de medir, analisar, classificar e categorizar construtos tão complexos. “Temos de repensar o uso desses métodos, mesmo sendo parte central de nosso trabalho, ”, completou Barreto, fazendo referências sobre algumas tipologia de desenhos e modelos: os experimentais, observacionais, os quase experimentos e os modelos em camadas, além de novas modelagens que ganham espaço, como as análises multiníveis, diagramas causais e equações estruturais, e instrumentos da lógica contrafactual, comum os casos de estudos controle e nos coortes, e da lógica mecanística. “Nossos problemas são muito complexos e não se inserem apenas em um modelo. Temos de pesar os problemas e saber usar mais métodos, ainda mais agora que novos desafios, como o Big Data e linkage, que surgem no horizonte”.
Com tantas possibilidades, Barreto crê que o papel da disciplina só se fortalece, e que a nova versão do Dicionário de Epidemiologia traz o espírito central que move os epidemiologistas. “As causas estão nos objetivos centrais, e com todos esses instrumentos, não podemos cair no reducionismo, e sim realizar boas abordagens para entender como os grandes projetos afetam a saúde das populações. Essas são ideias a serem passadas para as futuras gerações”.