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Brasil corre o risco de ter um governo anti-SUS, diz pesquisador

Vilma Reis com texto da Casa do Oswaldo Cruz

“Há um risco de que, pela primeira vez, desde a constituição de 1988, tenhamos um governo com a postura anti-SUS”. A frase do médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão guiou os debates ocorridos durante a mesa redonda SUS: o que é e o que poderá ser, organizada pela Casa de Oswaldo Cruz, para refletir sobre avanços e paradoxos do projeto de saúde pública brasileiro, principalmente em meio à conjuntura política, social e econômica pela qual o país vem passando. Ao lado de Temporão, o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, Nilton Pereira Junior, e Ruben de Araújo Mattos, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, analisaram a trajetória do SUS em seus quase 30 anos de existência, desde os primeiros movimentos em defesa de um sistema de saúde universal e integral, à luta pela garantia constitucional e a inserção de instrumentos de controle social na sua estrutura.

Os debatedores apresentaram um sistema em constante processo de ampliação da cidadania e dos direitos sociais, com avanços em programas como imunização, atenção ao HIV/AIDS, transplantes e Saúde da Família, entre outros, redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida no país. Por outro lado, também expuseram as fragilidades, as negociações entre setores e interesses econômicos, que nem sempre resultaram em vitória para os defensores do sistema, produzindo o que os estudiosos chamam de SUS inconcluso, onde avanços científicos e tecnológicos convivem com precariedades e inconsistências.

No atual contexto, a viabilidade do SUS está sendo colocada novamente em cheque: O próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, já afirmou, em uma de suas primeiras declarações à imprensa, que um sistema de saúde integral e universal é inexequível. Para ele, a solução seria redimensionar o sistema e investir no segmento de planos de saúde simplificados, garantidos pelas empresas a seus funcionários. Mais do que uma opinião pessoal, esta é uma diretriz expressa no documento de governo “Uma ponte para o futuro”, que defende o fim dos gastos obrigatórios com saúde por parte do Estado.

Ex-ministro da Saúde, Temporão apontou o paradoxo: “Nesse momento em que a proteção do Estado se faz mais premente, a proposta de uma desvinculação da saúde das receitas governamentais é um contrassenso”. O presidente da Fiocruz Paulo Gadelha, presente à abertura do evento chamou atenção para os riscos envolvidos na decisão: “Somente levando em conta o avanço do perfil demográfico até 2030, o SUS precisaria aumentar sua receita em pelo menos 35%”, lembrou. Temporão afirmou que a situação tende a piorar, com o aumento do desemprego: “Está acontecendo uma volta das pessoas aos Sistema Único de Saúde, uma vez que os planos particulares estão ligados ao contrato de trabalho. Em São Paulo, a procura por medicamentos no SUS aumentou em 30%”.

Entretanto, o ministro Ricardo Barros não está sozinho nesse pensamento. A ideia é partilhada por uma parcela da sociedade, que conhece o SUS pelas notícias veiculadas pelos meios de comunicação, que expõem, principalmente, as mazelas do sistema. Esse é um processo ideológico que, segundo Temporão, faz parte de uma cultura que vê o SUS como saúde para os pobres e que cria uma falsa consciência de que o setor privado, ou o “mercado”, oferecem produtos de melhor qualidade: “Está se colocando uma dicotomia que é falsa, porque todos os brasileiros usam o sistema público de saúde. Seja para transplante, doenças crônicas, medicamentos de alto custo, vacinas, vigilância sanitária e epidemiológica, entre outros. É preciso ocupar esse espaço da mídia, gerando outros fatos de interesse para o público, o que hoje não acontece” aconselhou.

Para o médico Rubens Mattos, este é o momento ideal para refletir sobre o SUS que desejamos e como queremos que ele seja no futuro: “Que estratégias teremos que adotar para sua defesa e manutenção? Com quais redes teremos que dialogar? ”, indagou. Mattos desenhou a trajetória do sistema, chamando atenção para as escolhas feitas em momentos históricos cruciais e para as composições que foram primordiais no processo de construção. Citou como exemplo a atuação de governadores, prefeitos e secretários, nos anos 90, por meio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conass e Conasems). “Foram essas instâncias que evitaram o desmonte do sistema e garantiram sua manutenção, durante o governo Fernando Collor”, ressaltou.

Mattos chamou a atenção, no entanto, de que é necessário encontrar novos elementos de resistência. “Se a gente for esperar defensores do SUS, sem nos mobilizar, sem nos articular, não ganharemos a parada. Isso não se faz só no Congresso, temos que encontrar atores com o quais podemos contar hoje em dia”. O professor Nilson Pereira Júnior nconcordou: “Em momentos de maior dificuldade temos que fortalecer nossas entidades, mas também temos que ter capacidade institucional para fazer militância, organização social, combate, a luta, a resistência”, conclamou.

As eleições municipais poderiam ser uma boa oportunidade para buscar novas formas de fazer política, de disputar a ideologia, o poder simbólico, a consciência em defesa dos direitos sociais, de cidadania, pontuou o Pereira Júnior: “Temos que nos esforçar para diminuir nossas pequenas diferenças e nos aproximarmos, numa pauta comum, de unificação, de um consenso possível, não daquele que nos tira nossa identidade, mas que nos unifica em defesa de uma política com maior justiça social “ Temporão lembrou que a reforma sanitária é uma luta intergeracional, onde cada nova geração tem a responsabilidade de construir seus avanços e aperfeiçoamentos. “Estamos num processo de retrocesso, que ameaça a democracia, mas estamos vivos e atentos” avisou.

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