Representante de 11% do mercado de trabalho formal no país, totalizando mais de 6 milhões de pessoas economicamente ativas, os trabalhadores da Saúde são uma mão de obra indispensável para o país. No entanto, esse contingente está a serviço da sociedade brasileira ou é comandado por interesses outros? Há políticas de formação que pense em carreiras de forma vinculada às necessidades dos serviços públicos de saúde ou são os projetos corporativos que definem esse quadro? O seminário Formação Profissional em Saúde e Ensino da Saúde Coletiva convocou pesquisadores de renomado quilate para esse debate, realizado na quarta-feira, 07 de maio, no Centro de Convenções e Eventos Costa do Descobrimento, em Porto Seguro.
A mesa foi composta pelos pesquisadores Maria Helena Machado, da ENSP/Fiocruz; Célia Pierantoni, do IMS/UERJ; Isabela Cardoso Pinto e Jorge Solla, ambos do ISC/UFBA. A moderação foi de Luiz Augusto Facchini, da UFPel e conselheiro da Abrasco.
O grau de complexidade e de disputa nessa seara foi destrinchado por Maria Helena Machado, socióloga dedicada ao tema do trabalho em saúde e ex-coordenadora da Câmara de regulação do trabalho em saúde, do Ministério da Saúde, no governo Lula. “Isso ficou evidente para a população tanto no programa Mais Médicos e com a lei do exercício profissional, conhecida por todos como Ato Médico, mostrando que na saúde há uma grande disputa por mercado e espaço de trabalho”.
A pesquisadora marcou as diferenças teóricas entre profissão e ocupação e entre profissional da saúde e trabalhador da saúde, construindo um cenário do trabalho em saúde no Brasil, marcado pela mão de obra intensiva, acostumado a longas jornadas de trabalho e com diversos vínculos empregatícios, com boa parte trabalhando de forma ininterrupta. “Chegamos a um perfil comum no qual temos profissionais tecnicamente competentes, mas incapazes de terem uma boa prática por conta das extenuantes cargas horárias e dos baixos salários, conduzindo a um distanciamento perigoso, com um cotidiano cada vez mais marcado pelo desapego ao paciente e com a atividade diária centrada no diagnóstico”, definiu Maria Helena.
A balança das profissões: Um cenário de contornos bem parecidos foi apresentado por Célia Pierantoni, que frisou o majoritário papel do ensino privado na formação dos profissionais de nível superior, totalizando 83% do total de formados, o que dificulta a regulação sobre o ensino. Apesar da crítica inicial, a pesquisadora destaca que o quadro nos últimos dez anos é positivo. “Todas as profissões da área da saúde, exceto fonoaudiologia, cresceram de 2000 a 2012. Além disso, vemos uma mudança do paradigma em relação às regiões nacionais, com um processo de desconcentração do número de vagas na Graduação no Sudeste e o aumento da oferta no Nordeste, Centro-Oeste e Norte, respectivamente”.
No entanto, mesmo com o maior número de vagas e de escolas, foi consenso entre os palestrantes que esse aumento não significa necessariamente aumento do número de formados, nem é um cenário positivo em si. O caso mais emblemático citado foi o dos cursos técnicos de enfermagem, que passou por um crescimento vertiginoso, levando à redução salarial e uma perda completa da regulamentação da profissão. Dados da professora Maria Helena, que acaba de conduzir uma pesquisa sobre essa carreira, indicam a existência de mais de 700 escolas técnicas de enfermagem, formando cerca de 40 mil profissionais por ano.
Já o curso de medicina, apesar de manter em crescimento o número de vagas, segundo Jorge Solla, da UFBA, tem reduzido sua participação na formação de profissionais da área da saúde, passando de 13% em 2000 para 6% 2010. Célia Pierantoni reforçou essa análise. “A tendência é passarmos de 1, 1 médicos por 100 mil habitantes para 3, 5 a cada 100 mil, o que significa que sempre teremos um déficit de médicos, tanto da população quanto do mercado de trabalho”.
Corporações, um problema para o SUS: A excessiva especialização e o papel das corporações nos rumos das vagas no mercado de trabalho são os maiores entraves apontados pelos pesquisadores convidados. “Temos de trabalhar um novo escopo de práticas para a formação de novos profissionais, com atividades compartilhadas entre as profissões e práticas em constante aperfeiçoamento. No entanto, enquanto persistir o modelo do ‘jalecão’, no qual só um profissional – comumente o médico – tem o poder de fazer algo, não vamos avançar”, destacou Célia.
Jorge Solla concorda e citou o desserviço que as corporações fazem ao manter limitadas a abertura de vagas nas residências e toda a pressão que fazem pela não realização de concursos públicos. “Quem exerce a regulação não é o poder público, e sim a corporação de um lado e a iniciativa privada de outro”, definiu, dirigindo a crítica também à corporação da enfermagem, que “compra a briga com os de baixo, buscando proibir que os Agentes Comunitários de Saúde exerçam atividades como a aferição de pressão, ao invés de questionar o posicionamento dos médicos, que os impede de fazerem partos e outras atividades”.
A professora Isabela Cardoso Pinto destacou a baixa literatura sobre o assunto, e que cabe ao conjunto dos pesquisadores ampliarem os estudos sobre a questão, a começar com a avaliação dos parâmetros curriculares. “Apesar de conceitos como atenção básica e visão crítica e humanista estarem bonitinhos nos parâmetros curriculares, não formamos como devíamos”. A consequência, segundo a pesquisadora, é os cursos de Pós-Graduação tentarem dar conta das lacunas que a formação graduada não resolveu, uma descaracterização das atividades dessa modalidade de ensino.
Uma das ferramentas que ela vê como elemento que possa trazer mudanças a esse cenário são os novos cursos que despontam, oferecendo formações fora dos padrões tradicionais, como os próprios cursos de Saúde Coletiva e os bacharelados interdisciplinares, nos quais os estudantes tem uma formação, não só na área de saúde, mas também nas de humanidades e artes e posteriormente escolhe um curso da área de saúde para a formação específica. Para ela, o sucesso desse modelo, oferecido na UFBA e a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) são elementos que apontam para a necessidade de uma nova Reforma Universitária, não apenas visando a ampliação de vagas, mas sim a construção de um novo desenho de formação dos profissionais de saúde, um debate que precisa ser travado com dirigentes governamentais, reitores, docentes e pesquisadores. “É fundamental inserir o tema na agenda política do país”, completou Isabela.
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