O 2º Simpósio Brasileiro de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, organizado pelo Grupo de Trabalho de Saúde do(a) Trabalhador(a) (GT-ST) da Abrasco, foi realizado nos dias 19 e 20/11/22 em Salvador/BA, 15 anos após o 1º Simbrastt. O 2° Simbrastt acontece em um cenário político, econômico e social de bastantes incertezas, fragilidades e tensões em um ano marcado pelos efeitos e prolongamento da Sindemia de COVID- 19, pelas eleições presidenciais no Brasil e por elevada precarização do trabalho no país e no mundo.
Confira o documento na íntegra.
A Sindemia afetou explicitamente setores econômicos de forma distinta, entre profissionais de saúde, professores, trabalhadores(as) uberizados(as) e setores econômicos diferenciados como a cadeia produtiva da carne, comerciários, petroleiros e outros. A taxa de informalidade no mercado de trabalho no segundo trimestre até julho de 2022 foi de 39,8%, com um recorde de 39,294 milhões de trabalhadores(as) atuando na informalidade no período, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE, 2022). Esses dados são ainda piores, se considerarmos outras formas de precarização, como as contratações por PJ (Pessoa Jurídica) e MEI (Microempreendedor individual), contratos temporários, por hora ou intermitentes, e o contexto de subutilização da força de trabalho.
O resultado da eleição presidencial demonstrou a opção da população brasileira pela democracia, pelo retorno dos direitos e da proteção social e pela erradicação da pobreza. Mas também evidenciou a enorme dimensão de um projeto político racista, xenófobo, misógino e autoritário, o qual é sustentado por alguns segmentos da sociedade e não deve ser menosprezado. Tais características já existiam na sociedade brasileira, mas passam a ser perigosamente importantes neste momento histórico, na medida em que o legislativo terá representantes poderosos desta vertente fascista que eclodiu no país.
O simpósio se apresenta como um espaço democrático para discussão de temas estratégicos sobre saúde do trabalhador e da trabalhadora, de forma a orientar a construção de recomendações e de uma agenda coletiva e propositiva a ser utilizada para fortalecimento desta área da saúde coletiva, buscando a ampliação do debate e o engajamento da sociedade nas lutas pelo trabalho digno, trabalho como direito humano e pela saúde pública e de qualidade no Brasil, na qual o(a) trabalhador(a) possa ser acolhido e assistido nos diversos pontos da rede de atenção.
Nesse período, importantes políticas públicas em ST foram incorporadas no Sistema Único de Saúde – SUS, com destaque para os 20 anos da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – Renast e para os 10 anos da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora – PNSTT.
O 2º Simbrastt aprofundou o debate sobre saúde e trabalho no mundo contemporâneo, em um contexto de ultraneoliberalismo, de reformas antidemocráticas, em cenário na qual o(a) trabalhador(a) se torna subalternizado na busca pela subsistência. Aponta possibilidades de reorganização da área no interior da Abrasco, bem como possíveis parcerias que se contraponham ao desmonte dos direitos e das instituições decorrentes da ação fascista contra a sociedade. As teses e propostas decorrentes do simpósio serão encaminhadas para a 17a Conferência Nacional de Saúde e para a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.
Após dois dias de discussões intensas, propostas intra, inter e transetoriais permearam o universo dos debates. Como resultado, foi encaminhado ao governo de transição um conjunto de 34 portarias, leis, decretos e emendas constitucionais que deverão se revogadas e/ou revistas, além de 4 recomendações.
Em termos de articulações, o GT-ST aprofundou sua aproximação com o GT Saúde e Ambiente e foi convidado a participar da elaboração da programação do próximo Simbravisa, além de ter sido convidado pela ABA (Associação Brasileira de Agroecologia) para participar da organização do Congresso Brasileiro de Agroecologia.
Segue abaixo um conjunto de 33 propostas, como resultante das discussões do 2º Simbrastt:
1. Redimensionar as análises e compreender o trabalho como Direito Humano, que ultrapassa características individuais e informações coletadas em anamneses, reforçando a sua centralidade na vida humana e no modelo de desenvolvimento da sociedade;
2. Revisar as normas legais e infralegais que atacam os direitos dos(as) trabalhadores(as) para compor o “revogaço” e “publicaço”;
3. Mudar o foco da vigilância em ST para a vigilância do direito humano, ainda que otermo “vigilância” deva ser problematizado e revisto;
4. Incluir a perspectiva da Vigilância popular e participativa como eixo estruturante daspolíticas de saúde do trabalhador e da trabalhadora;
5. Fortalecer o intercâmbio de informações dos sistemas de saúde, do trabalho e da previdência social, para uma melhor produção e comunicação de informações em saúde do(a) trabalhador(a);
6. Estimular a comunicação entre os diversos setores envolvidos com o campo da ST, com foco na luta do(a) trabalhador(a) e na visibilização dos territórios e suas potencialidades;
7. Promover a gestão participativa e os diálogos entre os saberes;
8. Repensar o modelo sindical na perspectiva de recolocar o trabalhador e a trabalhadora como agente central das pautas de lutas pela saúde no trabalho;
9. Incluir na pauta da ST as questões dos imigrantes e povos originários no mundo do trabalho;
10. Estimular a cooperação sul-sul para a ampliação e legitimação das pautas da saúde do trabalhador e da trabalhadora;
11. Repensar a jornada de trabalho no contexto do trabalho por plataformas digitais, garantindo uma jornada digna, com descanso adequado e acesso ao lazer;
12. Estimular a ocupação dos movimentos sociais nos espaços de construção e debate sobre vigilância em Saúde do(a) trabalhador(a);
13. Valorizar o saber fazer dos territórios enquanto práticas emancipatórias, contributivas e inclusivas na ST;
14. Reafirmar os princípios e diretrizes do SUS como eixo estruturante da ST;
15. Estimular a produção redes de formação para intervenção em ST em todos os pontos da RAS, com ênfase na Atenção Primária à Saúde (APS), para a garantia da integralidade do cuidado com ampla participação dos movimentos sociais;
16. Descolonizar as práticas biomédicas dos serviços de saúde e avançar nas linhas de atenção para um cuidado emancipador em saúde do trabalhador e da trabalhadora;
17. Estimular a reflexão sobre a refundação/ reestruturação do modelo de atenção à saúde do trabalhador e da trabalhadora, baseada na intersecção e na pluralidade dos sujeitos sociais e na democratização do acesso aos serviços;
18. Priorizar a atenção à saúde de trabalhadores(a) informais, desempregados(as) e desalentados(as).
19. Garantir a desprecarização do trabalho em saúde e a instituição de carreira no SUS, com realização de concursos públicos e chamamento de profissionais para atender as demandas dos serviços e da população.
20. Estimular a produção do conhecimento e intervenções para a prevenção, promoção da saúde, tratamento e reabilitação de agravos causados pela AUSÊNCIA do trabalho.
21. Rever a atuação da RENAST para além dos centros de referência e envolver todos os níveis de atenção, com ênfase na APS, estimulando a ação intersetorial;
22. Estimular a formação dos(as) trabalhadores(as) da saúde para a atenção em saúde mental e trabalho, violência no trabalho, incluindo a notificação de casos;
23. Lutar pela desfragmentação dos sistemas de saúde e estimular integração entre as redes (Renast e RAS), rompendo com sua fragmentação atual;
24. Considerar os saberes e a autonomia das comunidades que nem sempre são respeitados pelo Estado, órgãos reguladores e empresas.
25. Transformar injustiça cognitiva em revolução cognitiva;
26. Propor a definição de atividades e trabalhadores(as) essenciais, que não seja pautada em critérios econômicos/mercadológicos;
27. Definir o conceito de “Teleassédio” no âmbito da luta contra o assédio moral do trabalho, para identificar os assédios em plataformas e as dificuldades de se clamar e testemunhar o sofrimento nesse contexto;
28. Caracterizar e descrever a Divisão Sexual do trabalho e os agravamentos das jornadas de trabalho na Pandemia de COVID-19
29. Estimular novas formas de luta e resistência no trabalho: direito à desconexão no trabalho, greve sanitária;
30. Reivindicar o cuidado às questões de saúde mental do(a) trabalhador(a), através de aproximações com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e a RAS e dos chamamentos à rede;
31. Retomar o trabalho de campo com os sindicatos e os movimentos sociais;
32. Incluir nas análises em saúde do trabalhador e da trabalhadora a identificação da ubiquidade da tecnologia e o tempo tecnológico nos atravessamentos em saúde;
33. Estimular os serviços a incorporarem de forma ampla e cotidiana as vivências dos trabalhadores e das trabalhadoras nos seus processos de cuidado.