“Esse desafio que a gente assumiu é porque a vida nas favelas nos importa e muito. A vida das crianças que estão morrendo por conta das políticas de austeridade nos importa; a vida de jovens vítimas da violência urbana nos importa; a vida dos trabalhadores rurais vítimas da violência no campo nos importa; a vida dos idosos que estão sem assistência nos importa. […] As nossas vidas e a vida de todos os brasileiros nos importam muito.” Com essas palavras, Gulnar de Azevedo e Silva acolheu a energia presente nos quatro dias do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018 – e assumiu a presidência da Associação pelo triênio 2018-2021, concluindo o processo eleitoral na plenária de encerramento do Congresso, realizada na tarde do domingo, 29 de julho, no Rio de Janeiro.
Mesmo após a intensa e extensa programação com comunicações orais, sessões científicas, reuniões e atividades sociais, políticas e de pesquisa em quatro dias de sol forte em pleno inverno, ainda havia gente que queria mais no auditório Marielle Franco. A mesa foi constituída por Gastão Wagner, presidente da entidade, Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, Thiago Barreto, secretário-executivo da Abrasco, e Mychelle Alves, vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Fiocruz (ASFOC-SN).
Gastão Wagner iniciou a plenária com o sentimento de gratidão e de dever cumprido, ressaltando a importância de cada um dos congressistas que seguem juntos com a Abrasco. “Dos 7.700 inscritos, boa parte renovou a anuidade ou se associou a nossa entidade. Mas o importante não é só isso. Juntamente, demos espaço para aqueles que não podem pagar”, completou ele, destacando as 1.400 isenções destinadas aos movimentos sociais da saúde e a centros acadêmicos dos cursos de graduação em Saúde Coletiva. Cada entidade que solicitou recebeu um número de isenções para distribuir conforme as demandas internas.
O presidente parabenizou os monitores. “Quero fazer um agradecimento especial aos monitores e monitoras voluntários. Vocês todos foram muito elogiados, por ajuda, pelas informações e pela capacidade de escuta”. Agradeceu também à equipe Abrasco, “que abriu todos os dias o congresso e é a última a sair e apagar a luz” e à Comissão Científica, que fez a gestão de mais de oito mil trabalhos, coordenando um grande grupo de quase mil docentes para avaliação dos resumos e construção da programação científica.
Ele agradeceu também à parceria iniciada em Goiânia, quando assumiu a presidência da Abrasco, e às parcerias que viabilizaram o Abracão 2018. “Sou agradecido a Luis Eugenio, que me indicou e que foi meu conselheiro e um apoiador de nosso trabalho à frente do Congresso, assim como Nísia Trindade e todos os colegas trabalhadores da Fiocruz que com grande generosidade nos acolheram tão bem nesses dias”, ressaltando também o apoio financeiro da Anvisa, Biomanguinhos, ASFOC/SN e Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).
A vice-presidente da Asfoc-SN falou em nome de todos os trabalhadores e movimentos sociais que fizeram o Abrascão e ressaltou que o congresso foi mais um passo para a o fortalecimento daqueles que acreditam numa sociedade mais justa, democrática e igualitária. “Quero fazer um agradecimento especial às mulheres negras, que celebraram nessa semana, em 25 de julho, mais um dia da mulher negra latina e caribenha, nós que somos batalhadoras do cotidiano, que vivemos a opressão e a barbárie que atingiu Marielle Franco que batiza essa tenda onde estamos. Num discurso emocionado, Mychelle ressaltou ainda que a violência cotidiana presente nos territórios das comunidades e os ataques à democracia são sim problemas de Saúde Pública. “Nossa luta é por um projeto de país com o ser humano no centro. Esse projeto de sociedade deve ter a coragem de dizer que o medo não pode superar a vida”.
Nesse momento, diversos militantes, artistas e coletivos adentraram o auditório trazendo antigas e atuais bandeiras de luta, como “Trancar não é tratar”; “Saúde Coletiva também é Graduação”, “Com o SUS no coração”; “Saúde não é mercadoria”; “Cuidar é um ato de amar”, juntas com novas demandas capitaneadas nas faixas “Vidas nas favelas importam” e “Lutar não é crime”, numa celebração à diversidade e à diferença. Na leitura do manifesto, foi reafirmada a importância da pluralidade do movimento sanitário, pautada a diversidade de expressões do direito à saúde e sua interelação com a conjuntura e foram feitas críticas aos valores praticados no evento.
Nísia Trindade Lima abriu seus agradecimentos em diálogo franco com os movimentos; trabalhadores e prestadores de serviço da Fiocruz convidados à cerimônia e demais presentes. “Queria fazer uma saudação especial aos trabalhadores que garantiram a estrutura nesses quatro dias de congresso, às equipes da Abrasco, Fiocruz, Método e responsáveis pela alimentação que garantiram a estada durante o evento. Isso só foi possível porque a Abrasco e a Fiocruz acreditaram na realização desse evento como possível e receberam a todos com muito zêlo e carinho e também ao tema do congresso “Fortalecer o SUS, os direitos e a democracia”.
Ela destacou que o evento coroou a atuação conjunta da Fundação com a Abrasco e demais entidades do Movimento da Reforma Sanitária. “Essa abertura [do Castelo e do Museu da Vida, já rotineiramente abertos nos programas de visita guiada] quero colocar como um símbolo de uma instituição de ciência e tecnologia centenária, que trabalhou pela Saúde Pública ao longo dos anos e que atualiza sua agenda quando, na figura emblemática de Sergio Arouca, esteve unida no processo da Reforma Sanitária”.
Ao final, destacou ‘coisas simples’, que para Nísia, ficaram como as marcas do evento. “Uma das coisas que mais me encantou nesses dias foi ver o campus com tantas pessoas circulando. Mais do que a circulação e a qualidade dos debates, o grande indicador de sucesso do congresso foi o sorriso dos amigos. Esse sorriso não é à toa. É fruto dessa nossa luta em garantir esse campus como espaço público, tanto pensando nos desafios que o Brasil enfrenta hoje, quanto os desafios enfrentados pelo Rio de Janeiro no cenário de violência para as populações do território próximos à nossa instituição, e não só esses, como espalhados na cidade, no estado e em outras cidades e estados, mas que o Rio de Janeiro tornou-se símbolo. Nossa convivência aqui mostrou que é possível, mas que é preciso ter paz e uma nova política de segurança. Por isso, a frase “Vidas nas favelas importam” também é nossa”, declarou.
Aclamação eleitoral: Encerrados os agradecimentos, a Comissão Eleitoral, composta por Ary Miranda, Isabela Soares dos Santos e Vera Lúcia Luzia, subiu ao palco e procedeu a leitura do relatório final. Os prazos e procedimentos regimentais foram cumpridos conforme estabelecem o Estatuto e Regimento Interno, com a inscrição de uma única chapa – “Resistir e Avançar” até 14 de junho e com o envio de cédulas para associadas e associados adimplentes em 21 de junho. A urna ficou aberta desta essa data até às 16 horas no dia 28 de julho, durante o Congresso. Entre os associados individuais foram 835 votos na chapa; 22 votos em branco e 1 nulo, com representativade de 97,32% sobre o total de 858 votos. Os associados institucionais totalizaram 7 votos – 6 na chapa e 1 em branco. “É importante registrar que houve um crescimento de mais de 100% da participação dos associados individuais nesta eleição em relação à anterior, o que demonstra uma representatividade consolidada da chapa eleita”, proferiu Ary Miranda, que ratificou junto à plenária a aclamação e formalização da posse da nova diretoria liderada por Gulnar Azevedo e Silva, que subiu ao palco junto com os vices e conselheiros presentes na cerimônia.
“Agradeço por demais a confiança na gente. Como veem, eu não estou sozinha; não aceitei sozinha. Somos 22 pessoas que estamos abraçando esse desafio de assumir a Abrasco depois desse maravilhoso congresso, que mostrou termos muita coisa para fazer, mas que também há muita solidariedade, muita fraternidade. Esse clima que aconteceu aqui nesses dias e que também a Michelle Bachelet sentiu, que é essa
solidariedade, essa fraternidade o que prevalece na Saúde Coletiva”, disse a nova presidenta.
Gulnar leu resumidamente os cinco pontos que encerram o programa da chapa Resistir e Avançar: Por uma sociedade democrática, justa, respeitosa da diversidade, solidária e orientada pela igualdade; pela defesa do direito constitucional à saúde e do Sistema Único de Saúde; Por uma política de ciência, tecnologia e inovação em saúde capaz de fazer avançar o conhecimento e responder às demandas do SUS e apoiar o desenvolvimento nacional; por políticas educacionais socialmente referenciadas, capazes de fortalecer e expandir programas de formação em saúde politicamente responsáveis e comprometidos com a saúde da população brasileira; e pelo fortalecimento da Abrasco, reafirmando seus valores históricos e seu perfil aberto, transparente e democrático.
Ao final, Gastão Wagner leu a Carta do Rio de Janeiro, fruto da construção coletiva desse congresso-processo e foram aprovadas 14 moções apresentadas pelo grupos temáticos da Abrasco e demais entidades parceiras. Novamente no palco, Gulnar Azevedo e Silva encerrou o Abrascão 2018 junto com Gastão e Nísia. “Serão três anos de gestão com quatro congressos: o de Ciências Sociais e Humanas, depois Políticas, Epidemio e outro Abrascão. Entre um e outro, a gente tem muita coisa para fazer, mas o trabalho desses congressos, como a lógica do atual, não é estanque em si, é um processo. E nesse processo a gente tem muito a avançar, muito espaço de discussão e, principalmente, espaço de escuta. Tragam para gente quais são as questões. A gente está sempre olhando junto com vocês, mas temos de entender quais exigem prioridade, quais não podem esperar. Vamos trabalhar e mãos à obra. Fico feliz que esse congresso traga para gente esse clima bom e que a gente possa voltar para nossas casas e locais de trabalho e espalhe pelo Brasil esse nosso sentimento. Muito obrigado.”