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Como se relacionam pesquisadores e jornalistas no Brasil?

Vilma Reis com informações de Lilian Nassi-Calò

Foto: Vlada Karpovich / Pexels

A autora deste artigo, Lilian Nassi-Calò, é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.  Confira abaixo, o texto na íntegra, publicado no SciELO:

Historicamente, a relação entre cientistas e a imprensa mostrou-se difícil, tempestuosa e muitas vezes desprovida de confiança. A despeito disso, ambos precisam um do outro: pesquisadores precisam comunicar suas descobertas ao público, e o fazem por intermédio dos jornalistas; por outro lado, os veículos de comunicação se beneficiam com a publicação de notícias da ciência, que despertam a atenção dos leitores.

Neste sentido, a iniciativa sem fins lucrativos sediada no Reino Unido Sense About Science organizou uma série de workshops denominados Jovens Vozes da Ciência (Voice of Young Science), cujo objetivo é fomentar o contato entre jovens pesquisadores e jornalistas científicos. Os workshops encorajam pesquisadores a falar ao público leigo sobre suas descobertas, bem como responder a questões da mídia sobre temas de ciência.

Muitos cientistas admitem que tratar de temas complexos referente à sua pesquisa com jornalistas não é tarefa das mais fáceis. Corre-se o risco de simplificá-los em demasiado ou usar linguagem muito técnica e jargões cujo significado é desconhecido da maioria. Uma alternativa encontrada pelos pesquisadores foi eliminar os intermediários – jornalistas – e levar os pesquisadores a dialogar diretamente com o público. Revistas como Scientific American – que tem versões em vários idiomas, inclusive o português, e páginas de ciências de grandes jornais em muitos países vem fazendo isso há décadas. Hoje em dia existem inúmeros blogs e páginas em redes sociais dedicados a isso, notadamente os ScienceBlogs, a maior rede de blogs de ciência do mundo que trata de temas como ciências naturais, cultura e política, lançada em 2006 em inglês, e duas redes associadas: ScienceBlogs Alemanha com 25 blogs e ScienceBlogs Brasil com mais de 40 blogs, lançado em 2008.

Mais recentemente, a iniciativa de divulgação científica Pint of Science, criada em 2013 na Inglaterra, chegou ao Brasil, e em 2016 o evento internacional foi realizado em 11 países, com 7 cidades no Brasil. As reuniões acontecem em bares e locais informais onde pesquisadores falam diretamente ao público sobre seu trabalho e respondem a perguntas dos participantes em temas como genética, mudanças climáticas, tecnologia, vírus e astronomia, entre outros. As redes sociais também vêm desempenhando um importante papel na divulgação científica, trazendo conteúdos em formatos simples e atraentes, porém com rigor científico, que incluem vídeos e animações palatáveis a leigos destinados, sobretudo, ao público jovem.

Evidentemente, nem toda pesquisa acadêmica encontra aplicação prática imediata e pode parecer de pouca utilidade aos olhos da maioria. É necessário percorrer um longo caminho no conhecimento de mecanismos biológicos de seres vivos – apenas para citar um exemplo – para poder aplicá-los na resolução de questões emergentes que afetam a saúde. Não é da noite para o dia que metodologias como o sequenciamento genético, por exemplo, surgiram para ajudar a encontrar tratamentos personalizados contra certos tipos de câncer, hoje disponíveis.

Os cientistas há muito perceberam que permanecer em sua zona de conforto e comunicar seus resultados apenas em periódicos científicos não é suficiente. Para obter recursos de pesquisa, principalmente de fontes públicas, atrair oportunidades de colaboração, e progredir na carreira é necessário – e aconselhável – prestar contas à sociedade sobre como o os tributos estão sendo empregados. Recentemente, foi encontrada uma relação direta entre veiculação pela mídia e número de citações que um artigo recebe.

Numerosos artigos analisaram a natureza das interações entre cientistas e a mídia em países líderes em pesquisa e desenvolvimento, e também na América Latina. Em 1985, a Royal Society do Reino Unido publicou um documento que se tornou referência sobre o tema, que menciona, por exemplo, que é dever dos cientistas comunicar sobre seu trabalho de forma simples, e que todos os setores da comunidade científica devem proporcionar educação sobre ciência ao público na forma de competições científicas para jovens e fornecendo informação para jornalistas sobre os temas de sua especialidade.

De lá para cá, segundo estudos2, as relações entre pesquisadores e a mídia se tornaram mais frequentes e cordiais. No Brasil, a criação em 2004 do Departamento de Popularização da Ciência e Tecnologia no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e ações por parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostra avanços nesta direção. Cabe destacar também a atuação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que vem contribuindo significativamente com iniciativas de divulgação científica que incluem um boletim diário online (Agência FAPESP) contendo destaques e resultados de projetos financiados pela fundação; a revista Pesquisa FAPESP, que publica matérias detalhadas sobre ciência destinadas ao público em geral em todas as áreas do conhecimento, com edições online e impressa; a Biblioteca Virtual FAPESP; releases para a imprensa, publicações quinquenais em indicadores de ciência e tecnologia no estado de São Paulo; além de eventos, exposições, e equipes disponíveis para atender à imprensa nacional e internacional.

A FAPESP também apoia uma competição internacional que tem por objetivo aproximar jovens pesquisadores e engenheiros do público por meio de apresentações curtas sobre ciência e tecnologia, uma iniciativa patrocinada pelo British Council. Trata-se do FameLab, criado em 2005 no Reino Unido e hoje presente em 25 países. A ideia é estimular a criatividade dos jovens competidores para expor temas de ciência ao público leigo em apenas três minutos, utilizando apenas a voz e a linguagem corporal, sem recursos audiovisuais. A primeira edição brasileira do FameLab ocorreu em maio de 2016.

O blog SciELO em Perspectiva foi inaugurado em 2013 por ocasião das comemorações dos 15 anos do programa SciELO. Seus dois componentes – Geral e Humanas – tem por objetivo disseminar informação e conhecimento em temas de comunicação científica, bem como contribuir para o desenvolvimento e disseminação dos periódicos das ciências humanas do SciELO. Entre as proposições do blog, está a realização de entrevistas pelos editores dos periódicos com os autores para que divulguem suas pesquisas. Iniciativa análoga, os press releases sobre artigos selecionados pelos editores e destinados à mídia, vêm sendo publicados pelo SciELO desde 2009.

Estudiosos do tema, Luisa Massarani e Hans P. Peters, da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, avaliaram a relação entre pesquisadores e jornalistas no Brasil por meio de um questionário enviado entre maio e julho de 2013 a cerca de 3.000 pesquisadores no país, dos quais 956 responderam à pesquisa. Os autores selecionaram na Plataforma Lattes os Bolsistas de Produtividade em Pesquisa, por sua reconhecida proeminência em suas áreas de atuação, significativa produção científica e consolidada atuação na formação e orientação de estudantes de pós-graduação e pesquisadores em início de carreira. Os resultados foram publicados recentemente no periódico Anais da Academia Brasileira de Ciências3.

As questões continham afirmativas para as quais os respondentes deveriam indicar seu grau de concordância, entre -2 (discordo completamente) a +2 (concordo completamente), incluindo uma opção “não sei”. Assim, quanto mais baixa a média aritmética, menor o grau de concordância dos cientistas em relação à afirmativa, e quanto mais alta a média, maior o grau de concordância. Os resultados mostram a maioria dos pesquisadores está de acordo em comunicar seus resultados e conhecimento de forma acessível e interessante; utilizar seus conhecimentos para criticar decisões técnicas, políticas e econômicas que afetem a sociedade; correlacionar sua pesquisa com as experiências quotidianas do público, e, e em menor grau, falar sobre resultados não publicados; falar abertamente a respeito de temas de pesquisa controversos ou má conduta científica por parte de outros pesquisadores. Em questões como compartilhar diferenças de opinião científica com o público em geral; usar frases de efeito que possam ser citadas literalmente pelos jornalistas; reservar um tempo extenso para atender os veículos de comunicação; e estimular os jornalistas quando estes demonstram estar interessados não apenas no trabalho, mas no próprio pesquisador, os entrevistados obtiveram médias negativas, indicando não concordar ou concordar pouco com estas afirmativas.

Um segundo grupo de questões pretendeu testar o nível de concordância dos pesquisadores sobre como os jornalistas devem escrever sobre ciência, e se estes agem de acordo com suas expectativas. Os resultados indicam médias elevadas em quatro de oito afirmativas. Os pesquisadores consideram que: jornalistas deveriam relatar métodos e processos de pesquisas de forma a levar os leitores a compreender suas afirmativas sobre ciência; os jornalistas deveriam selecionar os entrevistados exclusivamente com base em sua reputação profissional e consultar os pesquisadores entrevistados antes de publicar uma notícia para evitar erros no conteúdo; jornalistas deveriam apoiar os cientistas na educação do público em temas de ciência; e devem, sobretudo, evitar comprometer a exatidão científica do que reportam. Nestes quesitos nota-se, entretanto, que os jornalistas em sua maioria não agem de acordo com as expectativas dos pesquisadores, com taxas de não concordância entre 50-65%.

Dos pesquisadores que responderam ao questionário, 80% já haviam tido contato com a mídia nos três anos anteriores, e 70% nunca recusaram uma entrevista ou fornecer informação solicitada aos jornalistas. Ademais, 66% avaliam sua interação com a mídia positivamente. Estes resultados indicam que os pesquisadores compreendem que expor seu trabalho ao público é benéfico para sua reputação e pesa positivamente na obtenção de financiamento à pesquisa, e apenas 4% consideram suas experiências com a mídia negativas. Isso não significa, entretanto, que os pesquisadores caracterizem como precisa a cobertura jornalística em temas de ciência. No entanto, mesmo que parcialmente imprecisas ou incompletas, as notícias de ciência são vistas por eles como algo positivo tanto para a sociedade como para os cientistas. Tanto que 65% deles afirmam ter participado em eventos de divulgação científica como palestras, discussões ou mostras de ciência para o público.

O terceiro e último bloco de questões teve por objetivo aferir a comunicação entre pesquisadores e o público. As respostas indicaram a percepção positiva dos cientistas sobre contribuir para a educação da população em ciência e tecnologia, ao mesmo tempo em que se observa certo grau de ambiguidade na forma preferencial de fazê-lo.

As principais conclusões que o estudo traz à tona é que os pesquisadores têm uma visão positiva do jornalismo científico de maneira geral, que a visibilidade proporcionada é proveitosa e que eles devem fazer esforços e adaptar sua forma de falar com a mídia. Apesar da maioria dos cientistas entrevistados se mostrarem reservados quanto a discutir abertamente tópicos como má conduta ou temas controversos de pesquisa, os autores do artigo salientam que estes são aspectos que fazem parte da prática científica – porém não apenas dela – e por isso deveriam ser debatidos abertamente, por razões de transparência e controle público da potencial má conduta. Neste sentido, limitar o jornalismo científico a resultados publicados em periódicos, como preferem a maioria dos pesquisadores respondentes, seria privar a sociedade de um debate mais amplo sobre política científica e os bastidores da ciência, temas que também não são tratados em periódicos.

Os autores deste estudo alertam para a possibilidade de um viés no perfil dos respondentes. É possível que os pesquisadores que tenham respondido ao questionário sejam exatamente aqueles com uma percepção positiva do jornalismo científico, o que faz com que a elevada percentagem da boa aceitação dos jornalistas observada na pesquisa seja decorrente deste fato.

O acesso dos jornalistas brasileiros a artigos científicos tem um papel fundamental no conteúdo da cobertura jornalística. Enquanto a comunidade acadêmica de instituições públicas no Brasil e parte das privadas tem amplo acesso a periódicos e bases de dados científicas nacionais e internacionais através do Portal Capes, financiado pelo Ministério da Educação, o mesmo não ocorre com os jornalistas – ou o público em geral. Os principais periódicos científicos no Brasil publicados por instituições e associações científicas sem fins lucrativos estão disponíveis em acesso aberto e o programa SciELO fornece acesso atualizado a mais de 280 títulos do Brasil. A despeito disso, uma análise dos temas presentes em páginas de ciência de grandes jornais brasileiros mostra uma preponderância de temas de pesquisa desenvolvidos nos EUA e no “primeiro mundo”, configurando uma visão limitada e enviesada da ciência mundial, que limita a divulgação de pesquisas chave sobre a realidade e interesses brasileiros. Isso ocorre, em parte, pois os grandes periódicos de renome internacional como Science, Nature e JAMA possuem sistemas bastante eficientes de distribuição de seus artigos a jornalistas em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Um tema controverso na relação cientistas-jornalistas é a verificação do conteúdo da matéria ou entrevista antes da publicação. Os pesquisadores acham importante ter a oportunidade de “corrigir” o texto para evitar erros conceituais. Os jornalistas, por sua vez, consideram esta prática uma intromissão à sua independência, e afirmam que dispõe de outros métodos para checar a integridade das afirmações, como por exemplo, consultar outros especialistas. Isso traz à tona outro tópico controverso, sobre a legitimidade de um pesquisador opinar sobre o trabalho de outro. Na opinião dos autores do artigo, os cientistas devem ter a liberdade de comentar abertamente sobre um tema que dominem, e não apenas sobre a pesquisa realizada por eles próprios.

Finalmente, como mencionamos no início deste post, inúmeros pesquisadores decidem eles próprios se comunicar com o público através de sites, blogs e redes sociais. O Brasil é um dos países em desenvolvimento com maior adesão às mídias sociais e isso poderia ser melhor empregado em divulgação científica. Muitos pesquisadores fazem uso de fato das redes sociais para se inteirar de novidades em sua área e para se comunicar com colegas, mas poucos as utilizam para divulgar seu trabalho ao público. Esta é uma cultura em crescimento e adaptação, e é possível que mude nos próximos anos, como mostram as tendências.

Notas

1. THE ROYAL SOCIETY. The Public Understanding of Science: Report of a Royal Society ad hoc Group endorsed by the Council of the Royal Society. London: Royal Society, 1985. Available from: https://royalsociety.org/~/media/Royal_Society_Content/policy/publications/1985/10700.pdf

2. PETERS, H.P., et al. Science Communication: Interactions with the mass media. Science. 2008, vol. 321, nº 5886, pp. 204-205. DOI: 10.1126/science.1157780

3. MASSARANI, L. and PETERS, H.P. Scientists in the public sphere: Interactions of scientists and journalists in Brazil. An Acad Bras Ciênc. 2016, vol. 88, nº 2, pp. 1165-1175. DOI: 10.1590/0001-3765201620150558. Available from: http://ref.scielo.org/jyfz9j

Referências

Brasileiros disputam competição internacional de comunicação científica. Agência FAPESP. 2016. Available from: http://agencia.fapesp.br/brasileiros_disputam_competicao_internacional_de_comunicacao_cientifica_/23157/

MASSARANI, L. and PETERS, H.P. Scientists in the public sphere: Interactions of scientists and journalists in Brazil. An Acad Bras Ciênc. 2016, vol. 88, nº 2, pp. 1165-1175. DOI: 10.1590/0001-3765201620150558. Available from: http://ref.scielo.org/jyfz9j

NASSI-CALÒ, L. A busca por literatura científica: como os leitores descobrem conteúdos. SciELO em Perspectiva. [viewed 01 August 2016]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2016/05/19/a-busca-por-literatura-cientifica-como-os-leitores-descobrem-conteudos/

NASSI-CALÒ, L. Como o Acesso Aberto pode impulsionar a carreira de pesquisadores. SciELO em Perspectiva. [viewed 31 July 2016]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2016/07/20/como-o-acesso-aberto-pode-impulsionar-a-carreira-de-pesquisadores/

PETERS H.P. Gap between science and media revisited: scientists as public communicators. Proc Natl Acad Sci U S A. 2013, vol. 110, Suppl 3, pp. 14102-14109. DOI: 10.1073/pnas.1212745110

PETERS H.P. The two cultures: Scientists and journalists, not an outdated relationship. MÈTODE Science Studies Journal. 2014, vol. 80, nº 4, pp. 163-169. [viewed 31 July 2016]. Available from: https://ojs.uv.es/index.php/Metode/article/view/3043/3546

PETERS, H.P., et al. Science Communication: Interactions with the mass media. Science. 2008, vol. 321, nº 5886, pp. 204-205. DOI: 10.1126/science.1157780

THE ROYAL SOCIETY. The Public Understanding of Science: Report of a Royal Society ad hoc Group endorsed by the Council of the Royal Society. London: Royal Society, 1985. Available from: https://royalsociety.org/~/media/Royal_Society_Content/policy/publications/1985/10700.pdf

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